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No Espírito Santo, 88 mil trabalhadores ganham R$ 85 por mês

No Espírito Santo, 88 mil trabalhadores ganham R$ 85 por mês

O levantamento retrata o lado mais cruel da recessão: o avanço da pobreza entre aqueles que estão em situação de vulnerabilidade social

Publicado em 6 de maio de 2018 às 13:18

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Rogério Pereira Miranda vive de bicos desde que perdeu o emprego. (Fernando Madeira)

Quando em 2014 o país dava sinais de que seria tomado por uma violenta crise econômica, o pedreiro Rogério Pereira Miranda, 37 anos, não imaginava que ficaria tanto tempo desempregado. Há quatro anos sem carteira assinada, ele vive de bicos, com uma renda que varia de R$ 100 a R$ 300 por mês, dinheiro que não dá para sustentar a família.

Assim como esse trabalhador, no Estado, 88 mil pessoas, sem emprego formal, em 2017, faziam trabalhos autônomos para ganhar, em média, R$ 85 por mês, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O levantamento retrata o lado mais cruel da recessão: o avanço da pobreza entre aqueles que estão em situação de vulnerabilidade social. Apesar de vários indicadores mostrarem uma reação da economia nacional no ano passado, com um crescimento de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, por exemplo, o cenário ficou pior para quem já lutava para sobreviver.

Em 2016, esse mesmo grupo, que equivale a 5% da população ocupada, alcançava uma remuneração mensal de R$ 169 pelos trabalhos eventuais, valor também baixo, porém o dobro do que conseguiram conquistar em 2017.

Chefe da unidade do IBGE no Estado, Max Athayde Fraga explica que a pequena remuneração é reflexo da baixa jornada laboral. “Estamos falando de pessoas que realmente foram afetadas pelo desemprego, que encontraram uma ocupação na informalidade que não garante muitas horas trabalhadas”, diz ao acrescentar que estão entre esses profissionais, principalmente, os trabalhadores rurais.

Com seis filhas para criar, Rogério conta que a sua mulher também está desempregada. A maior parte das despesas da família, que mora numa casa sem reboco de dois cômodos, em Padre Gabriel, Cariacica, é paga com os quase R$ 200 que recebe do Bolsa Família.

“Meu dinheiro é só para comprar comida. Não sobra nada para pagar as contas de luz e água”, desabafa Rogério que só estudou até a terceira série do ensino fundamental e devido à baixa escolaridade não consegue um novo emprego. O rendimento dele oscila assim como as oportunidades de trabalho. “Estou na peleja. Quando aparece serviço é para no máximo quatro dias.”

A renda menor que R$ 133,72 por pessoa enquadra a família de Rogério na população que está abaixo da linha da pobreza extrema. No Espírito Santo, 200 mil pessoas tinham em 2017 uma renda per capita de R$ 43 por mês, o que equivale a R$ 1,43 por dia, de acordo com esses dados da Pnad que trazem a realidade no dia em que a pesquisa foi realizada.

Para a economista Arilda Teixeira, professora da Fucape, a maioria dos mais de 200 mil desocupados no Estado tem baixa qualificação profissional, algo que dificulta a recolocação no mercado de trabalho e proporciona a permanência num quadro de subemprego.

“A recessão fez as empresas eliminarem os cargos ou funcionários com piores desempenho para colocar pessoas com maior escolaridade e garantir mais produtividade”, opina ao dizer que o investimento em educação é essencial para virar o jogo. “Tem que ser uma política de Estado e que comece agora, já que os resultados demoram de 30 a 40 anos para acontecer.”

Segundo ela, o problema é que esse movimento alimenta um mercado paralelo que provoca uma distorção difícil de corrigir. “É sinal que o setor tradicional não consegue dar conta da sua função, levando muita gente para a informalidade para atuar sem regras e sem direitos.”

A economista e diretora de Estudos e Pesquisas do Instituto Jones dos Santos Neves, Ana Carolina Giuberti , explica que a parte da Pnad que avalia a renda habitual dos profissionais traça um panorama um pouco melhor, com uma remuneração média de R$ 224 conquistada pelo trabalho. De qualquer forma, o valor, para a especialista, é baixo ao considerar o recurso necessário para garantir a sobrevivência de uma família.

“Essa situação ainda faz parte do processo de crise econômica. Em 2017, o desemprego no Estado passou dos 13% enquanto que em 2016 teve uma média de 12%. Sem contar que houve aumento da informalidade, que alcançou 23% em 2017 contra 21% em 2016.”

 

Privilégios de 1% agravam as desigualdades

A baixa renda de muitas famílias do Estado revela que a distância entre os mais pobres e os mais ricos continua um entrave difícil de solucionar.

 

Em 2017, enquanto que 50% da população ocupada tinha uma renda média de R$ 810, valor, aliás inferior em R$ 127 ao salário mínimo da época, 1% dos trabalhadores do Estado ganhavam, no mesmo período, R$ 22.010. A quantia 27 vezes maior é consequência da desigualdade social que tem se mantido forte, apesar de ter ficado praticamente estável em relação a 2016.

A disparidade é reforçada ainda com outro dado da Pesquisa Nacional por Amostra a Domicílios Contínua (Pnad-C). Uma fatia de 10% da população é responsável por 40% de toda a massa salarial produzida no Estado.

A conjuntura é ainda pior no país, onde o rendimento de 1% dos mais ricos estava 36 vezes acima do que recebia metade dos trabalhadores, uma concentração desproporcional ao padrão global. Além disso, 10% dos profissionais com as maiores rendas abocanhavam 43,3% da massa de rendimentos do país.

“Temos um indicador de desigualdade muito acirrado, que denota uma população pobre em todas as categorias profissionais, mesmo entre aquelas que têm curso superior”, afirma a economista e professora da Fucape, Arilda Teixeira ao acrescentar que os dados ressaltam um país de privilégios para poucos. “Existe um grupo recebendo muito, produzindo um grande número de miseráveis. Isso é algo que tem que mudar”, afirma.

Segundo a economista e diretora de Estudos e Pesquisa do Instituto Jones, Ana Carolina Giuberti, a redução da desigualdade social e o aumento de renda da população dependem de uma melhoria na escolaridade.

“Essa concentração de renda para alguns e os baixos rendimentos para outros não apareceram agora. É uma característica da economia brasileira, mas que tem que ser combatida com políticas públicas”, afirma ao dizer que o governo do Estado, por exemplo, para diminuir as desigualdades tem oferecido cursos de qualificação profissional, além de realizar programas, como o Ocupação Social, para gerar oportunidades para quem vive em situação de risco social.

Sem renda, famílias vivem de benefícios sociais

Dausa Gomes Pereira, moradora de Cariacica, recebe Bolsa Família do governo. (Fernando Madeira)

Diante das distorções sociais e sem chances de conseguir emprego para garantir uma renda fixa, muitas famílias vivem de programas de transferência de renda ou de doações.

A Pnad mostra que, em 2017, cerca de 114 mil lares eram dependentes do Bolsa Família. O número só não é maior porque ano passado pente-fino realizado pelo governo cancelou benefícios de quem recebia de forma irregular. No Estado, foram 28 mil pessoas excluídas do programa.

Outra fonte de renda tem sido o Benefício da Prestação Continuada (BPC) pago a idosos com mais de 65 anos e a pessoas com deficiência. São 31 mil beneficiários.

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Entre o público dependente tanto do BPC quanto do Bolsa Família está Dausa Gomes Pereira, de 57 anos. Ela mora numa casa construída no quintal do filho dela, no bairro Padre Gabriel, em Cariacica. Casada com um deficiente visual, ela conta que quase metade do que ganham é para pagar remédios usados para controlar a pressão alta e também o diabetes. “Eu queria muito trabalhar para ajudar nas despesas da casa, mas hoje é difícil ter um emprego e ainda cuidar do meu marido. Nossa situação é difícil. A sorte é que não precisamos pagar aluguel.”

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