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Sem estudo, trabalhador luta para ter emprego

Sem estudo, trabalhador luta para ter emprego

Analfabetos engrossam o quadro dos excluídos do mercado de trabalho

Publicado em 2 de maio de 2018 às 00:33

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Grimaldi é vaqueiro e diz que, sem estudo, fica difícil conseguir algo. (Carlos Alberto Silva)

Trabalhos na roça, atividades braçais, informalidade e desemprego. Muitas vezes, esse é o destino de milhares de pessoas que não tiveram a oportunidade de estudar. Com um mercado de trabalho onde existem quase 14 milhões de desempregados e as exigências profissionais aumentando a cada dia, os analfabetos fazem parte de um grupo que não tem vez. No Espírito Santo, eles são apenas 0,33% dos empregados com carteira assinada.

Exemplos como os de Grimaldi Batista da Silva, 46 anos, Jair Carvalho da Rocha, 63, e Nilza de Oliveira Souza, 38, reforçam o quanto a falta da educação deixa as pessoas à margem das oportunidades.

Grimaldi, que sabe escrever somente o nome e a primeira sílaba de Batista, trabalha como vaqueiro em uma fazenda em Muribeca, na Serra. Ele está no Estado há aproximadamente um ano. Veio para cá em busca de emprego, já que em sua cidade natal, Jequitinhonha (MG), nada surgia. Antes de ficar desempregado, ele conta que trabalhava como carregador de tijolos, de sacos de cimento e de outros materiais de construção. “Conseguir algo sempre foi uma dificuldade enorme. O que me restou foi o serviço bruto. Se eu tivesse estudado, acho que seria diferente”, diz, ao comentar que veio de uma família humilde, com 15 irmãos, e começou a trabalhar cedo para ajudar em casa.

O mineiro desabafa que as limitações impostas pela falta de escolaridade vão muito além da profissional. Pegar um ônibus, olhar o placar de um jogo de futebol na TV ou anotar contatos na agenda do celular são desafios diários para ele. “E também é ruim ter de colocar o dedo como assinatura. Muita coisa faz falta. Queria muito poder dirigir. Mas não sei ler as placas”, lamenta.

O Espírito Santo tem 195 mil analfabetos, cerca de 74 mil estavam ocupados, ou seja, desempenhavam alguma atividade econômica em 2016, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre esses que estão trabalhando, a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho, revela que, no mesmo ano, somente 2.895 eram empregados no mercado formal, entre as 868 mil pessoas com carteira assinada.

Tanto na informalidade quanto com a situação empregatícia legalizada, os profissionais sem qualquer nível de instrução vivem o drama de encontrar apenas oportunidades de baixos salários. Entre os de carteira assinada, 70% ganhavam, em 2016, até um salário mínimo e meio. Já os informais tinham uma renda média de R$ 971.

Para o economista Antônio Marcus Machado, um dos grandes problemas de existirem ainda pessoas sem qualquer escolaridade é a permanência de um quadro de desigualdade social. “Existe um abismo. Só sobram para esses trabalhadores as piores remunerações e a tendência é que, com o avanço da tecnologia, o espaço no mercado formal se feche ainda mais”, opina, avaliando os efeitos desse cenário. “Sem emprego, o jeito é trabalhar, muitas vezes, por conta própria sem pagar imposto, previdência, sem ter plano de saúde.”

O cientista político e professor Joilton Rosa acredita que a recessão pode ter penalizado os trabalhadores sem nível de instrução, levando-os a fazer do mercado informal uma alternativa para renda. “Só não pode ser a única opção nem ser permanente”, analisa, ao acrescentar que o país, sem dúvidas, precisa melhorar as políticas educacionais.

Ele cita os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) para mostrar os atrasos na educação. “No Brasil, somente 14% dos alunos do 9º ano aprenderam o adequado de Matemática e 30%, de Português. No Estado, 16% e 32% aprenderam o adequado de Matemática e de Português, respectivamente, no 9º ano”, disse Joilton. “Temos um longo caminho para preparar as futuras gerações para ocuparem o mercado de trabalho formal. Precisamos pensar: se você fosse um empresário, contrataria alguém com esses índices educacionais? A melhoria educacional depende de envolvimento e de participação social, familiar e das instituições não só públicas. É um investimento e não se faz sozinho.”

BAIXA ESCOLARIDADE LEVA AO DESEMPREGO E À INFORMALIDADE

Há quatro anos, Nilza de Oliveira Souza, 38 anos, procura um emprego, mas sem sucesso. Com o ensino fundamental incompleto - estudou só até a quarta série -, ela busca uma vaga como doméstica ou auxiliar de serviços gerais, mas reclama que nada tem aparecido. Sem renda, ela mora de favor em uma casa em Cariacica e conta com a ajuda de amigos para tocar a vida e cuidar da filha de 4 anos de idade.

Sem emprego, Nilza sempre anda com currículos que distribui em empresas ou entre conhecidos. (Carlos Alberto Silva)

Na sua bolsa, Nilza sempre anda com alguns currículos que distribui em empresas ou entre conhecidos. Mas a vontade de ter a carteira assinada não tem sido suficiente para driblar o histórico profissional pouco qualificado. “Parei os estudos porque não tive vontade de continuar. Mas hoje me arrependo muito de ter feito essa escolha. Se pudesse, voltaria atrás”, admite, ao observar que, se tivesse estudado, gostaria de ser médica para cuidar das pessoas.

Filho de pedreiro e de uma dona de casa, Jair Carvalho da Rocha, 63 anos, cursou só até a quarta série. A educação foi interrompida para começar a trabalhar e a ajudar na renda da família, e foi na pintura que encontrou o escape para a baixa escolaridade.

Ele já teve emprego formal, mas há oito anos decidiu trabalhar por conta própria, o que garantiu uma renda um pouco melhor do que o salário mínimo que ganhava até então. “Na época que parei de estudar, não senti tanto as dificuldades do mercado de trabalho, mas, com o tempo, isso foi pesando. Se tivesse estudado mais, com certeza hoje eu teria um serviço melhor e poderia estar ganhando mais”, avalia.

No Estado, 21.579 trabalhadores com carteira assinada em 2016 tinham estudado até a 4ª série, assim como Jair e Nilza. Ao todo, 184 profissionais haviam estudado o ensino fundamental. O número é bem inferior ao de trabalhadores com ensino médio completo. Esse grupo representa 415.285 pessoas, quase metade de todos os vínculos formais de 2016.

Segundo o cientista político Joilton Rosa, o Brasil ainda tem dificuldades de avançar na Educação. “Há cerca de 30 anos, a Coreia do Sul tinha dados sociais e econômicos inferiores aos do Brasil. Atualmente, o PIB per capita deles é cerca de três vezes maior que o nosso. Como fizeram isso? Investimento maciço em educação básica. Lá, para cada dólar investido no ensino básico, investe-se US$ 1,50 no ensino superior. No Brasil, para cada dólar investido no ensino básico, investe-se US$ 4 para o ensino superior. Ou seja, nossa base é ruim. Os alunos, quando chegam ao ensino superior, chegam despreparados e sem condição de uma formação acadêmica ideal. Além disso, a base ruim no início dos estudos compromete sua empregabilidade no início de carreira.”

Jair estudou até a 4ª série pois teve que ajudar na renda familiar. (Carlos Alberto Silva)

AVANÇO NA EDUCAÇÃO NÃO MELHORA PRODUTIVIDADE

De um lado, a taxa de analfabetismo no país tem caído nos últimos anos - passou de 10,1% em 2007 para 7,2% em 2016. Do outro, o tempo médio de anos de estudo dobrou da década de 80 até hoje, saindo de 4 para 8 anos de escolaridade. Mas, mesmo com esses avanços, a produtividade do país segue estagnada no mesmo nível do final dos anos 70 e é uma das piores no ranking mundial. É o que chama a atenção o pesquisador do IDados e FGV Ibre, Bruno Ottoni.

Segundo ele, embora a teoria econômica sugira que os avanços na educação tenham influência direta na melhoria da produtividade, essa realidade não tem sido constatada no Brasil. Para Ottoni, a não evolução nesse quesito é fruto de um conjunto de situações que envolvem desde a baixa qualidade do ensino, a inserção das pessoas em setores em que essa educação não traz ganhos de produtividade - por exemplo: um engenheiro que trabalha como motorista de Uber-, e principalmente o péssimo ambiente de negócios do Brasil.

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“Burocracia excessiva, elevada carga tributária e infraestrutura ruim fazem com que as empresas não cresçam ou melhorem a produtividade. Isso tem que mudar!”.

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