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Cidades proibidas de dar aumento e contratar no Espírito Santo

Cidades proibidas de dar aumento e contratar no Espírito Santo

Alta despesa com pessoal pode impedir até repasse de verbas

Publicado em 3 de junho de 2018 às 23:39

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São Mateus está na lista das cidades proibidas de contratar. (Facebook/Prefeitura de São Mateus)

Com uma situação financeira delicada, sete municípios capixabas ultrapassaram no ano passado o limite legal de despesas com pessoal. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), criada há 18 anos, proíbe que o gasto com o funcionalismo ultrapasse 54% da receita corrente líquida do município, e penaliza os gestores e entes que descumprirem a norma. Ainda assim, descontrole financeiro é uma realidade.

No Estado, excederam o limite em 2017, segundo dados compilados até maio e disponibilizados pelo portal CidadES, do Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCES), os municípios de Água Doce do Norte, Bom Jesus do Norte, São Mateus, Muniz Freire, Barra de São Francisco, Guarapari e Marataízes.

Como penalidades, as prefeituras nessa situação ficam impossibilitadas de receber transferências de verbas por convênios e de adquirir empréstimos. Já os prefeitos podem ter que pagar multas com recursos próprios, perder o mandato, ficarem inabilitados para exercer cargo público, ou até mesmo cumprir pena de detenção.

Além dessas sanções, essas prefeituras, juntamente com outras 20, que ultrapassaram o chamado limite prudencial, ficam proibidas de conceder reajustes de salários ou mesmo fazer admissão de pessoal por concurso público. Essa imposição existe para os municípios que ultrapassam 51,3% da receita com a despesa do funcionalismo.

Segundo o secretário-geral de Controle Externo do TCES, Rodrigo Lubiana, há um prazo para que esses entes se reenquadrem no limite e as sanções só são aplicadas após isso. “São três limites. Quando se atinge o de alerta, que é o de 48,6%, o tribunal envia um comunicado informando, como uma espécie de sinal amarelo. A partir do prudencial já há essas sanções para o ente e para o gestor, que se intensificam quando o limite legal é ultrapassado”, explica.

Gastos das prefeituras capixabas. (Infografia | Genildo)

CAUSAS

 

Na avaliação de Lubiana, há uma série de fatores que causam esse cenário, sobretudo a queda na arrecadação. “Houve uma estagnação e até retração nas receitas, mas um aumento de gastos com o crescimento vegetativo da folha, então isso pesa”.

O economista Juliano César Gomes ressalta que como a maioria desses municípios é de pequeno porte, a crise fiscal é agravada já que eles são mais dependentes de repasses federais e estaduais.

“Houve uma queda dos repasses federais para os municípios, isso além da perda de recursos do Fundap. O problema é que as cidades pequenas sobrevivem de transferências da União e do ICMS, porque eles não têm recursos próprios. Qualquer variação dessas receitas tem um impacto violento”, destaca.

A despesa com pessoal, que naturalmente é o principal gasto de qualquer ente, é agravada nessas cidades que atuam como empregador central. “A prefeitura nesses municípios tem uma folha de pagamento muito inchada por ser a grande responsável pelo emprego. Se há impacto na receita, ultrapassar o limite é quase que natural”, pontua Gomes.

Há ainda o que o economista chama de os pontos fora da curva, como os municípios de Presidente Kennedy e Itapemirim, que estão na parte de baixo da tabela mas não têm a situação confortável. “Essas cidades são grandes recebedoras de royalties de petróleo, mas esse recurso não pode ser usado para o pagamento de pessoal”.

Lubiana, do TCES, avalia que a fórmula para sair dessa situação é aumentar a arrecadação. “Pode ser feita uma otimização na cobrança dos impostos municipais, com mais fiscalização e legislação tributária atualizada, além da economia de recursos públicos, corrigindo falhas de gestão e com a profissionalização dos serviços públicos, com tecnologia e inovação”, frisa.

DE NOVO

A situação desses municípios se mostra ainda mais grave quando se olha o histórico. Desde que a LRF entrou em vigor, há 18 anos, 20 prefeituras descumpriram a lei mais de uma vez, conforme A GAZETA mostrou no começo do mês passado. Água Doce do Norte, que atualmente tem o pior cenário com 72,73% da receita sendo usada para pagamento da folha, já ultrapassou o limite sete vezes desde 2009. Barra de São Francisco e Muniz Freire excederam seis vezes o limite.

SERVIÇOS PÚBLICOS CORREM RISCO DE PARALISAÇÃO

Com mais da metade de toda a receita líquida destinada apenas à folha de pagamento dos servidores efetivos e comissionados, a situação das sete cidades capixabas que ultrapassaram o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) é delicada.

Isso porque, segundo os especialistas, com essa despesa consumindo uma parcela tão alta da arrecadação, os serviços públicos municipais correm risco de perder a qualidade ou mesmo serem paralisados com o baixo volume de recursos destinados ao custeio.

“Como essa é uma despesa prioritária, a administração pode ficar sem recursos para o custeio quando se tem uma situação de 70% da receita indo para o gasto com pessoal”, analisa o secretário-geral de Controle Externo do Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCES), Rodrigo Lubiana, que pondera ainda ser provável que podem faltar recursos para manter os “serviços públicos com a qualidade que se espera e até mesmo para as questões básicas, como combustível para a frota, material de consumo nas escolas e unidades de saúde, além de recursos para obras”.

O economista Juliano César Gomes também acredita que a situação desses municípios tende a se agravar, mas ressalta que as limitações e sanções da LRF são necessárias. “Esse risco de piora é real, mas se tendo essa trava já vemos tantas cidades que descumprem a norma, imagina se não tivesse”.

LEGISLAÇÃO

Ambos os especialistas avaliaram que o critério de distribuição de tributos vigente no Brasil é falho. Lubiana, do Tribunal de Contas, acredita ser desigual a maioria dos impostos serem cobrados pela União.

“Grande parte dos serviços ao cidadão são prestados pelos municípios, mas a maioria dos recursos fica com o governo federal, então esse problema de falta de receita para cobrir os gastos é natural, o que pressiona as prefeituras a andarem no limite do gasto”, afirma.

A solução sistêmica e definitiva, para o economista Juliano César Gomes, passa por uma reforma tributária. “As prefeituras acabam se tornando reféns dessa situação porque a base tributária municipal é muito pequena. O que sobra é o ISS, o IPTU e o ITBI, que para os pequenos municípios não representam tanto”.

Para Gomes, a situação serve como um alerta para a emancipação de cidades, que voltou a ser discutida recentemente. “Esses pequenos municípios não têm condições físicas e financeiras de existirem, sendo eternos dependentes de transferências quando deveriam ter meios de subsistência própria. Em tese, o direito de se emancipar só poderia existir se a cidade conseguisse se sustentar, o que não ocorreu no passado”, comenta.

QUEDA NA RECEITA É A CULPADA

A reportagem acionou as sete prefeituras que ultrapassaram o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal com a despesa de pessoal. A maioria delas aponta queda na arrecadação como a culpada pelo desequilíbrio.

A Prefeitura de São Mateus alegou que a receita vem caindo desde 2015 e hoje é R$ 12 milhões menor enquanto as despesas como de pessoal cresceram de forma autônoma. A Secretaria de Finanças disse que estuda medidas para mudar a legislação que mantém benefícios dos servidores mesmo sem a prefeitura ter capacidade financeira.

Em Muniz Freire a prefeitura informou que em 2017 a arrecadação foi R$ 3,4 milhões inferior ao previsto em função da crise. A administração alegou que a queda, aliada ao crescimento vegetativo da folha e da revisão salarial anual obrigatória contribuiu para o índice e disse estar tomando medidas de redução de despesas com cargos comissionados.

A administração de Bom Jesus do Norte afirmou que está promovendo a reorganização da estrutura de algumas secretarias, reduziu o quadro de funcionários comissionados, e que alterou a alíquota de ISS de 3% para 5%. Em Barra de São Francisco, a atual gestão informou que está trabalhando com número reduzido de colaboradores para adequar o município ao limite legal.

Já em Marataízes, a assessoria afirmou que salários de comissionados e secretários foram reduzidos em 10% e que retirou gratificações concedidas à efetivos. A administração ressaltou que no primeiro quadrimestre desse ano já houve redução do índice com pessoal, que foi para 53,91%. As prefeituras de Água Doce do Norte e Guarapari não enviaram resposta.

ANÁLISE

A Lei de Responsabilidade Fiscal funcionou?

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) representou um marco na história das finanças públicas do Brasil. Vista internacionalmente como um caso de sucesso, o equilíbrio fiscal verificado dez anos após a promulgação gerou euforia pelo então sucesso. Ocorre que hoje a situação fiscal de Estados e municípios já não se mostra tão equilibrada quanto há oito anos, o que nos leva à dúvida se de fato a mesma funcionou.

Não se pode avaliar a eficácia da LRF olhando tão puramente os indicadores recentes, sendo preciso contextualizar as condições econômicas atuais que levaram entes a tais desequilíbrios.

Primeiro, a intensidade da recessão enfrentada pelo país desde o terceiro trimestre de 2014 até o final de 2016, uma das mais intensas e duradouras da história, o que provocou uma forte queda na atividade econômica e, dessa forma, nas receitas governamentais.

Segundo, o aumento das desonerações federais verificada nos últimos anos, sobretudo em tributos que são base de cálculo para rateio entre entes da federação. No Espírito Santo, dos 60 municípios que divulgaram suas contas anuais em 2017, apenas nove têm uma receita tributária superior aos 10% das suas receitas correntes. E a “bonança” vivida na primeira década da LRF e da condução da política fiscal no período seguinte. A melhora dos indicadores abriu margem para maiores gastos, assim, houve entes aumentando seu gasto corrente, sobretudo, com pessoal, e se endividando interna e externamente, com aval da União. Um dos principais pontos da LRF diz respeito ao comprometimento das despesas com pessoal. Por efeito de uma queda nas receitas sem contrapartida nas despesas, esse indicador subiu, fazendo com que muitos entes ultrapassassem o mínimo exigido pela LRF.

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Vilma Pinto pesquisadora de Economia Aplicada do IBRE/fgv

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