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Empresas espionam até o movimento do mouse para fisgar consumidores

Empresas espionam até o movimento do mouse para fisgar consumidores

Seus dados e você são vigiados o tempo todo

Publicado em 30 de junho de 2018 às 21:56

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Empresas espionam movimento dos internautas. (Arabson)

No comércio, no sistema bancário, nas compras on-line, nas redes sociais e nos aplicativos, milhões de dados de usuários são registrados e compartilhados todos os dias. Nem sempre essas transações são transparentes. Ocorrem sem que suspeitem desse mercado paralelo que põe em xeque o direito à privacidade e expõe a vulnerabilidade em que vivemos nesse mundo cada vez mais digital. Até um despretensioso movimento de mouse pode revelar quem uma pessoa é.

Ao preencher um cadastro num loja, ao dar o número do CPF na farmácia, ao postar uma foto na rede, ao contratar um financiamento ou mesmo ao utilizar mecanismos de transporte público ou privado, as pessoas muitas vezes não se dão conta que essas informações, algumas confiadas a apenas um fornecedor, são trocadas e vendidas sem consentimento.

Empresas interessadas em traçar um perfil de seu público-alvo rastreiam informações financeiras, hábitos de consumo, referências políticas e religiosas, pesquisas feitas na internet, a orientação sexual de seus clientes e são capazes de observar até como o usuário utiliza a web.

Após o escândalo de vazamento de dados de 87 milhões de pessoas para a Cambridge Analytica, contratada para ajudar na campanha de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos, o Facebook, por exemplo, admitiu ao Senado americano que monitora até o movimento do mouse para identificar o comportamento do usuário dentro da sua plataforma. A empresa ainda permitiu que pelo menos 60 fabricantes de smartphones, como Apple, Samsung e Blackberry, tivessem acesso aos dados pessoais dos usuários.

Na última sexta-feira, outro escândalo envolvendo a rede veio à tona. Dados de 120 milhões de pessoas foram expostos nessa mídia social. O teste de princesas, do site Nametest.com, mantinha no código-fonte detalhes de todas aqueles que participaram dessa brincadeira.

“Existe uma verdadeira ‘economia de dados’. Podemos dizer que esse negócio é o novo ‘petróleo’ do mercado. Não é utilizado apenas, no caso do Facebook, para montar o perfil do eleitor e direcionar a essa pessoa uma propaganda política ou para oferecer um hotel na cidade onde você comprou a passagem. São informações aplicadas das mais diversas formas pelas empresas e até pelo poder público”, explica a jornalista, Bia Barbosa, fundadora e coordenadora do Intervozes, organização da sociedade civil que atua na área de comunicação e de direitos na internet.

As consequências dessa espionagem vão além dos riscos de vazamento de dados. Para os especialistas, elas podem servir como ferramentas de manipulação e ainda provocar discriminação do consumidor. Dependendo de como o indivíduo é visto, ele pode, por exemplo, ter um crédito negado, ser recusado por um plano de saúde ou por um seguro de vida e ainda ser alvo fácil de agentes que querem influenciar as eleições.

“Nossa vida é toda digital. Tudo que postamos nas redes sociais, que falamos com as pessoas nos aplicativos é registrado. Estamos amparados nesses sistemas, que têm grande capacidade de coleta. Estamos sujeitos à vigilância, algo que pode prejudicar a democracia. Precisamos deixar as pessoas se comunicarem, se expressarem pela internet, sem que essas informações sejam usadas contra elas”, opina a professora adjunta da UnB e diretora do Centro de Direito, Internet e Sociedade do Instituto Brasileiro de Direito Público (IDP), Laura Schertel Mendes, ao ressaltar que estamos desprotegidos.

LEI PARA COIBIR ABUSOS E PROTEGER CONSUMIDOR

Enquanto diversos países já contam com leis para proteção de dados pessoais, o Brasil não tem nenhum tipo de norma para regulamentar a coleta, o tratamento e o compartilhamento dessas informações, nem para estabelecer punições aos responsáveis por vazamento de dados dos cidadãos.

Preocupados com esse cenário de fragilidade, o Intervozes, em conjunto com outras organizações, criou a Coalizão Direitos na Rede que atua com a campanha “Seus dados são você: liberdade, proteção e regulação”. A intenção é reivindicar a aprovação de uma legislação para coibir abusos de empresas e também de órgãos do governo.

O primeiro passo para que normas sejam implantadas no país já foi dado com a aprovação na Câmara dos Deputados, no final de maio, de um projeto que começou a ser construído em 2009 Agora, a proposta PLC 53, está em análise no Senado.

“Há dois anos temos acompanhado de perto as discussões. Foram mais de 10 audiências públicas para construir o texto atual. Temos feito uma grande pressão para que isso entre logo em vigor. Até empresas como Facebook e Google, que cumprem regras em outros países, querem uma regra com o objetivo de ter segurança jurídica”, explica a coordenadora do Intervozes, Bia Barbosa.

A professora adjunta da UnB e diretora do Centro de Direito, Internet e Sociedade do IDP, Laura Schertel Mendes, que participou da construção do projeto de lei, diz que hoje estamos suscetíveis a incidentes de segurança. “Faltam padrões mínimos. O consumidor não sabe nem o que fazer após ter seus dados vazados. Não sabe quem avisar, a quem recorrer”, afirma ao explicar que com a nova legislação será criado um órgão, ligado ao Ministério da Justiça, para aplicar e fiscalizar a lei. “Vamos aprovar essa lei ou vamos esperar, continuar com essas lacunas? A grande oportunidade para sanar esse déficit é agora”, afirma.

Relator do projeto, o senador Ricardo Ferraço explica que o tema é de grande relevância. “Ninguém consegue imaginar a vida nos dias atuais sem a internet. As pessoas usam esses recursos para as mais diversas utilidades, para relações pessoais e comerciais. Com essa nova lei, vamos levar ao ambiente digital uma garantia do direito fundamental à privacidade. A internet não é terra de ninguém, não pode ser um vale tudo”, destaca.

Segundo Ferraço, o vazamento de dados será visto como um crime pela nova legislação, que também vai regular outras circunstâncias, como exigir que as empresas tenham consentimento do usuário para ter acesso aos dados.

A usuária de redes sociais Paula Taylor não tinha se dado conta sobre como seus dados e sua vida são monitorados. “Me assustei quando recebi no meu Facebook uma sugestão de amizade de uma pessoa que apenas falei um oi na academia”, conta.

Ela diz ter medo do que podem ser feitos com suas informações ou com as suas conversas. “Meus filhos estavam jogando pela internet com meu sobrinho que mora nos Estados Unidos. Resolvi conversar com ele pelo aplicativo. No fundo, eu ouvia várias vozes. Ele me explicou que eram pessoas do mundo inteiro conversando ao mesmo tempo em que podiam ouvir o que nós falávamos. Achei bem invasivo.”

COMO FICAM AS REGRAS

A nova lei em análise no Senado estabelece regras para coleta, tratamento, compartilhamento e para o monitoramento de consumidores por qualquer empresa que atue no Brasil. O projeto exige das companhias consentimento para tratar as informações.

Torna ainda obrigatória a exclusão de dados após encerramento da relação com o consumidor. O usuário que nunca pediu para estar nesse banco de dados também pode solicitar a retirada de seu nome do cadastro.

De acordo com a legislação em estudo, os titulares das informações têm direito de conhecer o teor desses dados, tendo acesso livre ao sistema onde o conteúdo está armazenado. Os usuários têm ainda direito de corrigir informações equivocadas em posse de uma empresa.

Pela nova lei, dados de crianças e adolescentes só poderão fazer parte de um banco de dados com a autorização dos pais. Vazamentos de dados deverão ser comunicados imediatamente ao órgão que será criado para fiscalizar a aplicação da lei.

A transferência internacional de dados pessoais poderá ser feita apenas para países com ‘nível adequado’ de proteção de dados ou se a empresa responsável pela migração garantir os princípios da lei brasileira.

Empresas serão responsáveis caso vazem informações de seus bancos de dados ou se suas fornecedoras tiverem suas bases comprometidas.

Multa de até 4% do faturamento da companhia, limitada, no total, a R$ 50 milhões, para quem vazar dados de seus clientes ou quem não respeitar regras de privacidade.

A proposta prevê ainda a criação de uma autoridade responsável por supervisionar o cumprimento da lei. O órgão será vinculado ao Ministério da Justiça e terá características semelhantes ao Conselho Administrado de Defesa Econômica (Cade).

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