O governo federal afirma ser dele a decisão de usar os recursos da renovação antecipada da Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM) na construção de ferrovia no Centro-Oeste do país. Mas nos bastidores das negociações, outros fatores podem ter levado o Espírito Santo a perder o empreendimento para o Mato Grosso e Goiás.
Segundo especialistas e pessoas ligadas ao setor, apesar de negar participação nas definições sobre onde o investimento deveria ocorrer, a Vale teve voz ativa nas negociações com a Secretaria de Especial do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), órgão vinculado à Presidência da República.
A empresa, que chegou propor a construção de ramal ferroviário entre Vitória e Presidente Kennedy, em 2016, mudou de ideia, no meio do caminho, ao perceber que a nova malha férrea no Espírito Santo poderia atrapalhar os negócios da mineradora, de acordo com fontes.
Uma das teorias é que a companhia que, na visão de analistas, ainda sofre influência do governo federal poderia ser forçada a migrar parte das exportações de minério para o Porto de Ubu, em Anchieta, ou para o Porto Central, em Presidente Kennedy, para reduzir o passivo ambiental na Grande Vitória. A Vale, poderia, inclusive ser obrigada a estagnar ou até reduzir sua produção, tendo que transferir parte das atividades para o parque industrial numa futura retomada da Samarco.
Outra tese é que o novo corredor logístico abriria espaço para que diferentes mineradoras pudessem escoar seus produtos, provocando aumento da oferta. A consequência seria queda nos preços da commodity.
Diante de todo esse quadro, seria mais interessante para a Vale construir uma ferrovia no Centro-Oeste, algo que, no futuro, permitiria a empresa usar essa estrutura para transportar minério que está em jazidas no Mato Grosso, exportando-o pelo Maranhão.
A Vale ainda não estaria satisfeita com as cobranças ambientais do governo estadual. Tirar o projeto do Espírito Santo seria uma resposta: Por que ajudar quem não está ajudando?, alfineta uma fonte.
PRESSA
A empresa tem sido alvo de críticas do governo do Estado e de parlamentares que a acusam de querer garantir a renovação antecipada da Vitória-Minas a qualquer custo.
Para o governador Paulo Hartung, o objetivo da mineradora é resolver essa questão ainda durante a gestão de Temer. A Vale está visivelmente apreensiva com o governo que vai emergir dessa eleição. Por isso, há uma pressa muito grande de renovar dentro desse governo, que é fraco e ilegítimo.
Hartung lembra que, na época da votação da lei que permite a renovação antecipada, a Vale procurou o Estado pedindo ajuda. Ela veio bater na nossa porta querendo apoio. Nós demos. Mas agora ela vem descumprindo o acordo que fez, topando qualquer parada para garantir essa renovação.
Um parlamentar também reforça a falta de compromisso da empresa com o Espírito Santo. A Vale está se lixando para o Estado.
Para além das questões que envolvem a mineradora, há outros pontos de interesses que teriam contribuído para instalar essa crise. Um deles é a falta de união de atores políticos do Estado que, para interlocutores, atuaram de forma isolada, mesmo sabendo há pelo menos sete meses do risco que o Espírito Santo corria de perder o ramal.
Para uma outra fonte, a responsabilidade pela confusão entorno do tema não é da Vale, mas, principalmente, do governo federal que foi pressionado por políticos e empresários ligados ao agronegócio para transferir o investimento bilionário.
A pressão passou a ser mais forte após a greve dos caminhoneiros, período em que o setor agrícola foi um dos mais prejudicados. Para acalmar os ânimos desse segmento, o governo priorizou a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico).
Procurada para falar sobre seu peso na decisão da escolha pelo local do investimento, a Vale não respondeu aos questionamentos da reportagem e se limitou a enviar o mesmo posicionamento que tem dado desde que o caso veio à tona. A companhia disse que está participando do processo de prorrogação antecipada das suas concessões ferroviárias, que expiram em 2027, e que os projetos serão submetidos ao conselho de administração após a análise das contrapartidas requeridas pelo governo federal.
VALE ESTÁ NO MEIO DA BRIGA ENTRE ESTADOS
A falta de transparência na distribuição dos recursos das renovações antecipadas das ferrovias, segundo fontes ouvidas por A GAZETA, é o motivo de tanta polêmica entorno da ferrovia. A situação deve respingar na Vale, que pode ter o processo de renovação antecipada de certa forma prejudicado pela briga que foi travada pelos Estados.
A princípio, o novo contrato de operação da Estrada de Ferro Vitória-Minas pela mineradora bancaria a construção de ramal ferroviário ligando o Porto de Tubarão, em Vitória, ao Porto Central, em Presidente Kennedy. Mas, há duas semanas, o governo federal anunciou que, na verdade, os recursos serão destinados à Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico).
Na última quinta-feira, o governo capixaba ingressou na Justiça com ação civil pública para impedir que os recursos sejam direcionados para outra localidade.
Nos bastidores, um dos pontos questionados sobre a troca de planos é a forma em que as decisões foram tomadas. A lista dos projetos, na ordem de prioridade, saiu de uma reunião de um pequeno grupo em Brasília, sem qualquer clareza nos critérios usados para defini-la, diz o especialista ao acrescentar que a medida causou estranheza, já que a companhia havia se comprometido com o Estado, em 19 de dezembro de 2016, em conversa entre o ex-presidente da Vale, Murilo Ferreira, e o governador Paulo Hartung.
Você pegar um valor da outorga da ferrovia e investir nela mesma é uma questão muito mais lógica do que pulverizar o valor das renovações para a construção de estruturas ferroviárias em outros Estados. Por que pegar o dinheiro da Vitória-Minas e investir no Centro-Oeste, e da FCA, que opera Bahia, Minas e Rio, para aplicar no Espírito Santo? Para mim, a alteração foi uma questão política, completa.
Em entrevista no dia 4 de julho, o secretário do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Tarcísio Freitas, negou que interesses políticos estejam por trás da transferência do investimento para o Centro-Oeste. Ele afirma que as escolhas tiveram embasamento técnico.
A Vale apresentou seu pedido, mas não decide nada. Se coloque na posição do gestor federal, o que faria? Se temos deficiência em termos de logística, a prorrogação antecipada pode contribuir para reduzir os problemas. Na prática, esse dinheiro poderia ir para o Tesouro, para ser aplicado como o governo bem entender. Mas decidimos manter esse dinheiro no sistema ferroviário porque induz a geração de emprego e impulsiona toda a indústria.
Segundo Freitas, por ser dona dos recursos, a União é quem decide onde vai aplicar. Analisamos uma série de projetos e identificamos que não há nenhuma ligação ferroviária no Mato Grosso. Vamos construir um ramal e ligá-lo à espinha dorsal do país, que será a ferrovia Norte-Sul, explica.
Alguns consultores dizem que, para não travar o processo de renovação da Vitória-Minas, o ideal seria a empresa pagar pela outorga em dinheiro. Isso pode virar um inferno se não agirem logo. Conheço bem essa história, pois já fui personagem nela, diz o ex-diretor da Vale, José Carlos Martins, para quem as demandas do Espírito Santo precisam ser analisadas.
Tinha tudo para ser perfeito, nem o TCU (Tribunal de Contas da União) ia questionar. Agora, o maior risco é travar um pacote de investimentos de R$ 25 bilhões, diz o coordenador do Núcleo de Logística da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende. Ele se refere à negociação conduzida pela Vale e por outras três operadoras ferroviárias: VLI, Rumo e MRS. Teria sido melhor não definir agora onde serão aplicados os recursos e avançar com a renovação antecipada, diz. (Com Agência Estado)
AS QUESTÕES
Mais concorrência
O novo ramal ferroviário traria concorrência para uma atividade que hoje é dominada pela Vale. Por mais que a concessão atual determine que a mineradora deva transportar cargas diversas e de terceiros, a Vale, quando quer, consegue dificultar a movimentação, o que muitas vezes a beneficia, diz uma fonte.
Preço da commodity
Ao se criar um corredor de exportação alternativo, esse ramal colocaria minério de terceiros com a possibilidade de um acréscimo de 30 milhões de toneladas por ano descendo por essa malha. Isso poderia provocar uma revolução no preço do minério, diz outra fonte.
Pressão ambiental
Com a ferrovia, pode haver uma pressão sobre a Vale no médio prazo para que o embarque de minério pelo Porto de Tubarão seja deslocado para o Porto de Ubu ou até mesmo para o Porto Central, em Presidente Kennedy. Para algumas fontes, a pressão, por meio de órgãos ambientais e da sociedade civil organizada, poderia inclusive levar a uma mudança de parte da linha de produção atual, fazendo com que essa migrasse para a Samarco.
Comportamento isolado
Para alguns analistas, as lideranças do Estado foram inábeis na condução do processo. Segundo fontes, há pelo menos sete meses a mudança de local do investimento vem sendo tratada, mas não foi levada a sério. A briga de vaidades entre lideranças detonou o processo, disparou uma fonte.
Corredor Norte
Uma fonte avalia que, ao investir na Fico, a Vale apostaria no corredor Norte. A malha no Centro-Oeste pode ser interessante porque pode se tornar um corredor de cargas para a Vale, inclusive de minério, em que ela escoaria pelo porto do Maranhão. O investimento na Fico seria pensando no médio e longo prazo, uma vez que a Vale tem alguns direitos minerários no Sul de Minas e no Norte do Mato Grosso.
Pressão do agronegócio e da bancada ruralista
Maior produtor de grãos do país, o Centro-Oeste precisa de uma ferrovia para escoar cerca de 100 milhões de toneladas de milho por ano. Diante das necessidades dessa região, o agronegócio tem pressionado o governo federal para liberar recursos para a construção da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), que ligará o Mato Grosso a Goiás. Na última semana, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi (senador licenciado do Mato Grosso) publicou vídeos nas redes sociais garantindo que estavam certos os recursos da Vitória-Minas para o Centro-Oeste. Ele admitiu que os investimentos são frutos da ação do agronegócio.
Resposta a cobranças ambientais
A Vale tem sido alvo de cobranças para reduzir a emissão de partículas poluidoras, o pó preto. Uma série de medidas foi estipulada por um estudo feito pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), que deve culminar num Termo de Compromisso Ambiental (TCA) com o Iema.
Renovação a qualquer custo
Para a Vale, não importa se o investimento na ferrovia será feito no Espírito Santo ou no Centro-Oeste, já que o mais importante para a companhia é a renovação antecipada da concessão da Vitória-Minas. Sem ela, quando a outorga vencer, em 2027, a mineradora corre o risco de ver a ferrovia, importantíssima para os negócios de mineração, ser concorrida por outros grupos multinacionais.
Influência do governo federal
Apesar de não ser mais uma estatal, a Vale ainda tem o governo federal como acionista. A União, com isso, continua a exercer influência nas decisões da empresa.
Pressão do governo do Rio de Janeiro
A ideia de fazer uma ferrovia ligando Vitória ao Rio se mostrou inviável, segundo algumas fontes. Financeiramente, o investimento compensa ser feito apenas até Presidente Kennedy. Incluir o Rio nas discussões pode ter atrasado a construção do ramal ferroviário no Estado.
Fonte: Especialistas ouvidos por A GAZETA
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