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'Cadastro positivo dará aos mais pobres a chance de ter acesso ao crédito'

"Cadastro positivo dará aos mais pobres a chance de ter acesso ao crédito"

Chefe da Assessoria Especial do Ministro da Fazenda, Marcos Mendes, afirma que novo sistema será essencial para o crescimento da economia

Publicado em 13 de agosto de 2018 às 00:14

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Em debate no Congresso Nacional, o polêmico projeto que cria o novo cadastro positivo é alvo de opiniões contraditórias. Para especialistas em defesa do consumidor, a nova lei, se aprovada, deixará o consumidor vulnerável a vazamento de dados. Mas, segundo o chefe da Assessoria Especial do Ministério da Fazenda, Marcos Mendes, há muito mito envolvendo o tema.

Ele afirma que uma crítica muito comum é sobre a venda de dados pessoais. “Dizem que o novo sistema permitirá essa comercialização. No entanto, é a atual legislação que permite isso. A nova proibirá. O que vai garantir mais proteção ao consumidor”. Confira a entrevista:

Qual a importância do cadastro positivo?

Hoje, no Brasil nós temos basicamente funcionando o cadastro negativo. O que é isso? É quando uma pessoa não paga uma dívida porque esqueceu ou porque estava sem dinheiro e acaba com o nome negativado. As portas do crédito para ela se fecham. Ela só vai conseguir empréstimos nas financeiras - instituições que cobram taxas de juros altíssimas -, ou ficará na mão de agiotas. Agora, imagina uma pessoa que se esqueceu de pagar apenas uma prestação, mas que quitou todas as outras contas em dia. Se o cadastro positivo estivesse funcionando, o sistema ia computar pontos positivos para todas as contas que ela pagou em dia, mas para a única conta em aberto incluiria um ponto negativo. Pelo sistema atual, essa pessoa seria negativada. Mas, com a nova lei, haverá várias outras informações mostrando que ela é uma boa pagadora, permitindo o acesso ao crédito. Essa informação quando existe para uma quantidade grande de consumidores na economia gera benefícios para todos os lados. Primeiro para o consumidor. As lojas, os bancos, as cooperativas de crédito, onde for buscar um financiamento, vão ter lá a nota de crédito dele e vão ver se é bom pagador, se é uma boa tê-lo como cliente. Hoje não existe essa informação.

Os juros vão cair?

A tendência é ter redução de juros para os bons pagadores. Como a grande maioria da população é boa pagadora, a taxa média de juros deve cair. Mas o cadastro positivo vai ampliar a oferta de crédito. Esse aumento é importante, pois 13% da população brasileira não têm relação com bancos. Essa pessoa está alijada do mercado de crédito. Com essa nova lei, vão influenciar a nota de crédito das pessoas as faturas de celular, de luz, de conta de água. Mesmo quem não tem conta bancária poderá mostrar que é uma boa pagadora e assim ter acesso ao mercado de crédito. Hoje ficam fora porque não têm relação com os bancos. Essa mudança vai atingir a base da pirâmide social. O cadastro positivo dará aos mais pobres a chance de acesso ao crédito. A classe média e a classe alta têm sempre um bem para dar como garantia. Com essa permissão de colocar conta de água, luz, no cadastro positivo, os mais pobres poderão dar o próprio nome como garantia.

Qual a diferença entre o cadastro positivo de 2011 e a nova proposta?

Temos em vigor um cadastro positivo que não funciona. Para entrar nesse cadastro, a pessoa tem que procurar um bureau de crédito. O resultado foi que pouco mais de 5 milhões fizeram essa adesão num universo de 100 milhões de consumidores. Com 5% de adesão passou a ser pouco efetivo por não ter impacto na taxa de juros nem na oferta de crédito. A grande mudança é que todos os consumidores entrarão no cadastro positivo de forma automática. Se não quiser ficar, ele pode sair. Basta um e-mail para que o nome seja excluído de todas as centrais. Mesmo antes de saber que foi incluído, o consumidor pode dizer que não quer.

Por que ser automático?

Essa adesão automática é uma inovação? Não. Recentemente aprovamos no Congresso uma lei dizendo que os servidores públicos que tomarem posse estão automaticamente incluídos no fundo de Previdência. Quem não quer ficar, pede para sair. É exatamente a mesma lógica. Isso é resultado da pesquisa de uma economista que ganhou prêmio Nobel de Economia que mostra que determinados padrões de comportamento da sociedade vão nessa direção. As pessoas tendem a ficar na inércia. Quando têm que tomar uma atitude em relação a uma escolha, tendem a não fazer a escolha, a postergar, deixar para depois e acabam esquecendo-se de fazer.

Serão vários cadastros positivos? Como vão funcionar?

Os bancos, as lojas que vendem financiando, todo mundo que faz operação de crédito enviará informações aos bureaus de crédito. Essas empresas vão pegar suas informações de pagamento, com base em metodologia criada por elas próprias, dão uma nota de crédito para o consumidor. Se existirem três ou quatro empresas de nota de crédito, cada um vai ter sua metodologia. O consumidor poderá ter notas diferentes nos bureaus. É muito parecido com que existe hoje na avaliação dos países. Volta e meia a gente vê a notícia que o Brasil foi rebaixado. São agências que avaliam as condições de pagamentos da dívida pública daquele país, tem Fitch Ratings, Moody's e Standard & Poor's. Elas dão notas diferentes.

Quais são as agências que temos?

Serasa, SPC e Boa Vista. Os bancos estão criando sua própria central de avaliação de crédito, a GIC. Serão quatro no mercado.

Qual a garantia de que os consumidores não ficarão vulneráveis ao vazamento de dados?

O projeto aumenta a segurança dos dados em relação ao cadastro positivo atual. Hoje, a lei não impõe restrições ao bureau para repassar as informações individualizadas, de cada carnê, de cada financiamento para quem vai fazer consulta no cadastro positivo. Na nova legislação, a Serasa só vai poder passar para a loja uma nota de crédito. Não vai abrir os seus dados individuais a não ser que você autorize. Isso só valerá para aquela compra.

Os riscos de vazamento serão pequenos, então?

A nova legislação diz que os bureaus, ao receberem as informações, têm todos os deveres de manter o sigilo bancário. Se alguém vazar as informações, isso dá até quatro anos de cadeia. Mais do que isso, as empresas têm que reforçar a segurança dos dados. Para atuar com o novo cadastro positivo, a central de crédito vai ter que demonstrar ao Banco Central que têm sistemas seguros. A empresa que resolver entrar nesse mercado e tiver um problema de vazamento de dados ela quebra.

Mas o compartilhamento de dados vai continuar existindo?

Uma crítica muito comum às centrais de crédito é de que elas vendem os dados. Mas elas comercializam porque a legislação atual permite. Elas podem repassar detalhadamente. A nova legislação está proibindo isso.

As empresas que comprarem os dados do consumidor vão saber o perfil de consumo?

O perfil de consumo não vai saber. As informações que serão passadas são só de financiamento, de operação de crédito. A fatura do cartão de crédito, o tipo de coisa que compra. Se compra uma bolsa de R$ 3 mil, nada disso vai ser passado para ninguém. Qual o bem financiado, a cor do carro, nada disso, só os dados da operação de crédito. Esse é um ponto fundamental. Outro ponto é o compartilhamento de dados entre as instituições. Todas as instituições financeiras ficam obrigadas a repassar os dados dos bureaus de crédito. Os bancos estão fazendo seus próprios bureaus de crédito, entre eles podem compartilhar informações. Mas essa central não substitui os outros cadastros positivos porque não vai dar acesso às cooperativas bancárias, às fintechs, às financeiras. Como existirá maior concorrência no mercado bancário, a taxa de juros vai cair.

O Banco Central vai fiscalizar esse mercado?

Ele será responsável por autorizar o funcionamento. A fiscalização dessas empresas é no âmbito do Código de Defesa do Consumidor e dos órgãos do sistema de proteção.

A aprovação desse projeto é uma bandeira do Ministério da Fazenda...

É um de vários projetos importantes da agenda que o ministério tem junto ao Banco Central para dar eficiência à economia, para melhorar o mercado de crédito, condições necessárias para que o país cresça mais. Aqui no Ministério da Fazenda trabalhamos com duas grandes diretrizes, com o ajuste das contas públicas e o com o aumento da produtividade da economia. O cadastro positivo está nessa linha do aumento da produtividade com a redução de custos bancários.

Não é de uma hora para outra que vamos sentir os efeitos do cadastro positivo...

Não por vários motivos. Primeiro porque tem uma cláusula no projeto de vigência que não entra em vigor logo de imediato. Ele tem 90 dias para entrar em vigor. Depois tem outra característica de proteção de dados do consumidor que não será possível considerar nenhuma informação anterior a da entrada em vigor da lei. Isso significa que vai demorar uns dois anos para que os bureaus de crédito tenham um bom histórico. Até que eu seja registrado, tem 60 dias para fazer a nota, até que eu tome um empréstimo, faça um financiamento numa loja, e informações ao meu respeito se acumulem no meu cadastro leva um longo tempo. Não é uma medida para baixar juros e expandir crédito de hoje para amanhã. É uma coisa estrutural que é uma contribuição para o país nas próximas décadas.

Qual será o impacto que vocês acreditam que o cadastro positivo terá na economia?

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É difícil afirmar isso, dizer que o spread bancário vai cair x%. O spread bancário é composto por várias coisas. Se entrar o cadastro positivo em vigência, mas aumentarem os depósitos compulsórios no Banco Central, o spread bancário cairá menos. Podemos olhar experiências passadas de medidas similares a essa. Quando foi adotado o crédito consignado, descontado a prestação na folha, a taxa de juros desse empréstimo caiu pela metade. E até hoje custa 50% menos que o crédito normal. Assim deve ocorrer com o cadastro positivo, já que deve reduzir a inadimplência.

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