De um lado, sucessivos e crescentes casos de intoxicações pelo uso de agrotóxicos agrícolas, seja pelos próprios trabalhadores e até consumidores, e uma onda global de valorização das produções orgânicas e com menos defensivos. De outro, quase 200 novos produtos tóxicos tiveram aprovação para entrar no Brasil apenas no primeiro semestre deste ano, quase um agrotóxico liberado a cada dia útil.
Esse cenário dúbio ainda se dá em um momento de intenso debate sobre a flexibilização do uso dos agrotóxicos. Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei para acelerar a liberação desses produtos, reduzindo as proibições, facilitando o uso das substâncias que apresentem grau de risco aceitável.
O texto do projeto prevê ainda a expedição de licenças temporárias, mudanças na fiscalização na comercialização e aplicação, e chega até a propor uma mudança de nome dos agrotóxicos para defensivos agrícolas e produtos fitossanitários.
Isso em um cenário em que os trabalhos de fiscalizações não dão conta de garantir a mínima proteção a trabalhadores, o armazenamento e a aplicação devida desses produtos no campo. A utilização com proteção adequada, por exemplo, poderia ter evitado a intoxicação de um trabalhador rural de 26 anos, morador de Rio Bananal.
No dia 26 de junho, ele aplicava um produto numa plantação de coco em cima de um trator quando sentiu por duas vezes o líquido pingando nos olhos, já que mirava o jato para o alto. Ele até usava uma máscara, mas não era a apropriada e de nada adiantou.
Eu apliquei de manhã e quando cheguei em casa à tarde senti uma forte tontura, dor cabeça comecei a vomitar muito. Eu achei que ia morrer. Me levaram para o hospital e eu não sentia meu coração batendo, minha mão ficou branca e nem sentia as pernas, conta o trabalhador, que afirma manipular agrotóxicos desde os 14 anos.
A coordenadora do Sinitox e pesquisadora da Fiocruz, Rosany Bochner, culpa a legislação atual e condena a proposta de maior flexibilização. Cada vez se usa mais agrotóxico no Brasil, ao invés de ser o contrário. Isso não pode ser visto como natural. Se um produto é proibido no resto do mundo, isso já diz que não pode ser usado.
FISCALIZAÇÃO
Responsável por monitorar a comercialização, aplicação e armazenamento dos defensivos no Estado, o Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf) faz constantes ações de fiscalização, segundo o gerente de defesa sanitária e inspeção vegetal, Marcio Gama. Na semana passada, inclusive, o órgão interditou mais de oito mil litros de agrotóxicos produzidos clandestinamente em São Mateus. Ainda há muita resistência do produtor, que precisa entender que aquele produto que ele manipula é de alta periculosidade e se não for encarado dessa forma o risco aumenta.
O PROJETO
Entenda as propostas em discussão na câmara dos deputados
Mudança de nome
O projeto de Lei nº 6.299/2002 propunha mudar o nome agrotóxico para defensivo agrícola e produto fitossanitário. Ao ser aprovado na comissão, foi validado a mudança para pesticidas.
Registro temporário
É criada uma autorização temporária para produtos já registrados em outros três países da OCDE.
Sem restrições
Os Estados não poderão restringir a distribuição e comercialização de produtos já autorizados.
Risco aceitável
Apenas produtos de grau de risco inaceitável passaram a ser proibidos.
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