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58 mil empresas do ES não pagam FGTS de empregados

58 mil empresas do ES não pagam FGTS de empregados

Sete trabalhadores a cada mil do mercado formal têm problemas no Fundo de Garantia. Pior resultado do Sudeste

Publicado em 25 de outubro de 2018 às 22:18

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Um benefício criado para proteger o trabalhador em caso de demissão tem sido desrespeitado constantemente pelas empresas. Pelo menos 58 mil organizações capixabas, de pequeno a grande porte, apresentam indícios de inadimplência contra o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), deixando de depositar R$ 272,47 milhões.

Para evitar os prejuízos aos trabalhadores, o Ministério do Trabalho têm intensificado as investigações na tentativa de punir e recuperar os recursos.

Ao todo, as 58 mil empresas capixabas deixaram de depositar R$ 272,47 milhões ao FGTS. (Arquivo)

De janeiro de 2015 a março de 2018, os auditores fiscais do Trabalho encontraram 4.846 infrações envolvendo o benefício em empresas do Espírito Santo. É a principal fraude na esfera trabalhista praticada pelas companhias. Somente nos três primeiros meses de 2018, foram 356 casos.

58 mil empresas do Estado tem débito de FGTS dos empregados, inadimplência contra o fundo passa de R$ 272 milhões

O dado, obtido através da Lei de Acesso à Informação, mostra ainda que o Espírito Santo é o Estado do Sudeste que mais apresenta autos de infração envolvendo o recolhimento do fundo em proporção ao número de trabalhadores de carteira assinada. Sete em cada mil pessoas ficam sem o recolhimento parcial ou total em algum momento do vínculo empregatício.

Segundo o levantamento, problemas com o FGTS como falta de pagamento, fraudes para mascarar o não recolhimento e a ausência de repasse da contribuição social do fundo, apresentaram alta de 23% nos três primeiros meses deste ano em comparação ao mesmo período do ano passado. Em relação aos três primeiros meses de 2015, as infrações tiveram avanço de 110%.

Os autos de infração foram aplicados pela fiscalização em empresas que continuaram na inadimplência mesmo após notificação do débito emitido pelo Ministério do Trabalho. No primeiro trimestre deste ano, cerca de 10 mil companhias regularizaram a situação pagando R$ 34 milhões em atrasados enquanto as outras 356 instituições não acataram as recomendações.

DRAMA

A ausência das contribuições do FGTS é um drama que vai muito além dos números. Há algumas companhias que não recolhem meses específicos. E existem ainda organizações capazes de deixar a conta vinculada de um funcionário sem qualquer depósito por anos ou mesmo zerada por todo o período do contrato.

Washington Gomes Cont, de 38 anos, descobriu que nos últimos quatro anos, dos 17 anos que atuou como enfermeiro num hospital em Vitória, seu FGTS não ganhou novas contribuições.

A notícia o pegou de surpresa quando foi demitido em meados de 2017 sem receber, inclusive, quaisquer benefícios previstos na legislação trabalhista. Ele agora briga na Justiça para recuperar a diferença do fundo, a multa dos 40%, além das outras verbas rescisórias, como férias, 13º salário, férias proporcionais e saldo salarial.

O desligamento aconteceu num período crítico: a empresa também não pagava salários há dois meses. “Foi uma situação caótica. Fiquei com cartão de crédito bloqueado, contando com ajuda para pagar as contas essenciais como água e luz. Foi um momento terrível. Mas vi ali gente numa situação muito pior que a minha, sendo despejado por não pagar aluguel”, revela Washington que conseguiu desbloquear 13 anos de FGTS por meio de uma ação judicial.

“O que fizeram com a gente foi uma coisa desumana. Meu dinheiro do Fundo de Garantia foi todo usado para pagar juros das dívidas em atraso”, completa.

O advogado trabalhista José Carlos Rizk Filho afirma que o não recolhimento do FGTS é uma irregularidade silenciosa. “O sentimento de inadimplência não é imediato. O trabalhador só sente quando vai realizar o saque lá na frente. Essa falta de pagamento acontece porque muitas empresas acabam escolhendo entre pagar os salários e recolher o FGTS”, explica.

Na visão do advogado trabalhista, Fabrício Siqueira, a situação financeira das empresas é uma das causas da inadimplência. “O FGTS é uma poupança que o trabalhador tem para uma eventual ruptura. Se não tem o dinheiro depositado, essa poupança fica desguarnecida numa eventual rescisão contratual. Causa descompasso no meio familiar, insegurança para o trabalhador”, diz ao acrescentar que o funcionário pode fiscalizar as contribuições e assim cobrar da empresa o pagamento antes do término do contrato de trabalho.

EMPREGADO CLANDESTINO ENTRE AS IRREGULARIDADES

Mesmo que as leis trabalhistas existam desde 1943, muitos trabalhadores estão no mercado à margem da legislação, atuando de forma precária. Apesar de terem direito, os benefícios deles são negados sendo contratados sem carteira assinada. Essas pessoas precisam cumprir as regras da empresa, são subordinadas ao chefe, mas atuam de maneira irregular.

Como funcionários clandestinos, eles não existem para a Previdência Social, para o FGTS nem para o Ministério do Trabalho. Também atuam sem seguro de vida e às vezes recebem menos do que o piso salarial da categoria a qual pertencem.

Entre as irregularidades encontradas este ano pela fiscalização trabalhista, a falta de formalização do contrato de trabalho é a principal depois do não pagamento do Fundo de Garantia.

Dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação revelam que entre janeiro a março deste ano 250 empresas de pequeno a grande porte foram autuadas por terem empregados ilegais nos estabelecimentos. O número é 111% maior do que as infrações observadas no mesmo período do ano passado.

“Em momentos econômicos ruins são os direitos básicos que são os mais desrespeitados. O não reconhecimento do vínculo é um deles”, explica o juiz trabalhista Marcelo Tolomei Teixeira, presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Amatra) da 17ª Região.

Ele acrescenta que, devido à crise, aumentou também os casos de pessoas sem receber a rescisão trabalhista. “É uma situação dramática, pois o trabalhador não sai com os direitos que ajudam muito no momento de desemprego. Algumas vezes nem tem garantia de que vai receber, pois o empresário some. Para reverter esse quadro, só entrando com uma ação na Justiça.”

Segundo informações do Ministério do Trabalho, as situações de fraudes e abusos contra os trabalhadores, no primeiro trimestre deste ano, cresceram 35% quando se compara com o primeiro trimestre do ano passado. Elas incluem atraso no pagamento dos salários, sonegação de documentos solicitados pela fiscalização, não concessão de férias no prazo, entre outros.

PREJUÍZOS COM RESCISÕES INCORRETAS

Embora a reforma trabalhista, em vigor desde novembro de 2017, tenha mantido direitos do trabalhador como FGTS, 13º, férias e outros, a retirada da obrigatoriedade da homologação das rescisões nos sindicatos têm trazido problemas para alguns trabalhadores.

Para o presidente do Sindimetal-ES, Max Célio de Carvalho, a falta de pagamento do FGTS tem mais a ver com a sonegação que com dificuldades financeiras das empresas.

“Quando é uma questão econômica da empresa, o próprio empresário procura o sindicato, mostrando que quer arcar com a situação”, observa.

O presidente do Sindicato dos Comerciários no Estado (Sindicomerciários), Rodrigo Rocha, também pontua que o fim da obrigatoriedade da homologação tem tido como reflexo mais problemas nas rescisões. Segundo ele, em 2016, o sindicato fez mais de 20 mil análises de rescisão, e em mais da metade delas havia problemas - desde documentos faltantes até valores incorretos.

“O que mais chega para nós no sindicato é da questão do pagamento do FGTS, não recolhimento da multa, e homologar sem deixar a chave para fazer o saque, horas extras não pagas”, explica ao dizer que no caso das multas do FGTS determinados patrões prometem pagar depois da rescisão, mas nunca fazem.

A presidente do Sindilimpe, Evani dos Santos Reis, conta que tem orientado os filiados a conferir sempre o extrato do FGTS enquanto estão empregados, já que situações como essa têm aumentado no setor.

“Muitas empresas demitem sem o depósito do FGTS por vários meses. Isso acontecia bastante mas agora o número aumentou. A gente tem orientado todos a verificarem na Caixa. Tem muitos casos de empresas que fecham as portas e os responsáveis somem. Nesses casos, só resolvemos na Justiça”, diz.

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