Cooperativismo atravessa gerações no Espírito Santo
Cooperativismo atravessa gerações no Espírito Santo . Crédito: Fernando Madeira

Cooperativismo: exemplos que atravessam gerações

Na Cooperativa de Agricultores Familiares da Região Serrana (Caf Serrana) cooperativismo é passado por gerações

Publicado em 16/10/2018 às 01h51

“Mãe, vamos fazer café para ir ao morro!”. É com esse chamado que João Victor, de 4 anos, começa a acordar os pais às 5h30, horário em que a família Waiandt começa o trabalho na propriedade rural, na comunidade de Alto Santa Maria, a 19 quilômetros de Santa Maria de Jetibá. Nascido na roça, o menino já está habituado a acompanhar a rotina dos pais, produtores que fazem parte da Cooperativa de Agricultores Familiares da Região Serrana (Caf Serrana).

No município, o cooperativismo vem de berço, perpassa gerações e fortalece as famílias que vivem da agricultura. O produtor rural Vanildo Waiandt, de 27 anos, aprendeu com seu pai, Theodoro Waiandt, de 71 anos, a trabalhar no campo. Agora, vê com bons olhos o interesse do pequeno João pela plantação de folhagem da família.

Vanildo Waiandt, produtor rural

“Meus pais, minha esposa e eu trabalhamos juntos e incentivamos os dois filhos, de 4 e 7 anos, a continuar no campo. A cooperativa ajuda o produtor a ser valorizado. Ganhamos um preço justo pelo trabalho e acredito que isso vai continuar para as próximas gerações. Sempre digo que primeiro vêm os estudos. São eles (filhos) que irão escolher o caminho, mas eu percebo que o menino gosta da roça, está sempre com a gente”

A família é cooperada da Caf Serrana desde 2011, quando teve início a cooperativa. Na propriedade de quatro hectares a predominância é de folhagem, como alface, cebolinha e couve, mas também são encontrados aipim e cenoura. A produção mensal é de aproximadamente 300 caixas, tudo destinado à cooperativa.

Produção

Vanildo está desde o início na Caf Serrana, que produz cerca de 200 toneladas por mês de frutas, verduras e legumes. São aproximadamente 60 itens, tendo como carro-chefe as folhagens: alface, couve, salsa e cebolinha, além da batata inglesa, batata doce, repolho, cenoura, tomate, mamão e beterraba. Isso só é possível pela força de trabalho de 198 cooperados de Domingos Martins, Santa Teresa, Afonso Cláudio, Itarana, Itaguaçu, Laranja da Terra e Santa Leopoldina.

Os produtos chegam a 650 escolas da Grande Vitória, do governo do Estado e das prefeituras de Vitória, Serra, Vila Velha, Aracruz, Itarana e Santa Maria de Jetibá. Os alimentos atravessam o Estado e também são fornecidos em Brasília para oito organizações militares ligadas ao Ministério da Defesa, envolvendo Exército, Marinha e Força Aérea Brasileira (FAB). A associação está em fase de assinatura de contrato com a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) para o fornecimento em três campi da instituição.

“Temos um trabalho ao longo dos anos que buscou capitalizar a cooperativa e manter uma comunicação próxima com os nossos cooperados. Além das assembleias obrigatórias por lei, temos também encontros nas comunidades onde os assuntos do dia a dia são discutidos como forma de aprimorar o trabalho e manter um grupo coeso com visão de crescimento”, diz a presidente da Caf Serrana, Selene Hammer Tesch.

Lucratividade

As cooperativas dão um belo exemplo de inclusão e tendo ganhado expertise quando o assunto é unir forças para driblar atravessadores, para conseguir aumentar a lucratividade dos produtores. Os agricultores são remunerados com base em tabela de preços fixos e esse valor se baseia em médias anuais apuradas junto aos órgãos oficiais, como a Ceasa.

Dessa forma, os produtores conseguem vender a um preço justo, que antes era passado abaixo do custo para que terceiros comercializassem. Alguns produtores afirmam que perdiam até 30% do valor da produção.

“A Caf fortalece seus cooperados através da remuneração justa e pré-fixada dos seus produtos. Essa é uma maneira de valorizar o trabalho dos agricultores e protegê-los das oscilações gigantescas que o mercado possui. Além disso, a cooperativa contribui para seu crescimento e profissionalização, pois a ampliação da demanda faz com que o planejamento produtivo seja aprimorado”, destaca Selene, presidente da cooperativa.

Exemplo

O produtor rural Flotélio Abeldt, de 61 anos, mora em Alto São Sebastião, em Santa Maria de Jetibá, e é outro cooperado da Caf Serrana. Há dois anos, ele passou a produção para os três filhos: Sandoval, de 36 anos, Fabiana, de 34, e Rafael, de 22, que continuaram cooperados e produzem folhagens e ovos.

Flotélio afirma que a cooperativa fortalece os agricultores, já que o produto tem destinação certa e o preço é fixo. Algumas vendas avulsas chegam a custar 30% menos do que o valor estabelecido pela cooperativa, diz. Ele conta que consegue ganhar em torno de R$ 3 mil por mês só com o que vende por meio da Caf.

“Meu pai e avós sempre trabalharam no campo, meus filhos estão seguindo o mesmo passo. Os negócios estão indo bem e isso anima a todos”, diz, esperançoso.

Lições do campo na sala de aula 

Em Santa Maria de Jetibá, na Região Serrana do Estado, crianças e jovens aprendem lições de cooperativismo também na sala de aula, dentro do colégio. O quintal da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Fazenda Emílio Schoereder é cenário onde os alunos aprendem os valores do campo na prática. Com as mãos na enxada e na terra, homens e mulheres aprendem a plantar legumes e verduras.

A professora Erineti Arnholz, de 31 anos, é a responsável por lecionar a disciplina “Prática na propriedade”, no colégio, duas vezes por semana. 90% da turma é formada por filhos de pequenos produtores rurais, alguns associados a cooperativas, como a Cooperativa de Agricultores Familiares da Região Serrana (Caf Serrana) e a Cooperativa Agropecuária Centro Serrana (Coopeavi), ambas do município.

Erineti Arnholz, professora

“O processo desde o plantio, os tratos culturais, até a colheita fica por conta dos alunos. Isso ajuda a aperfeiçoar a prática que já trazem de casa. Eu acredito que a escola vai ao encontro do que eles vivem em casa, valoriza a identidade deles, motiva a dar continuidade ao trabalho da família e desafia para novos horizontes, na busca por novas tecnologias associadas à sustentabilidade”

Um dos alunos é Olailson Waiandt, de 17 anos. Ele ressalta que há uma troca de experiências entre professores e alunos acerca da realidade do dia a dia na roça, o que faz com que os estudantes aprendam na escola técnicas para ajudar os pais na propriedade rural onde vivem. “É bem didático e aprendo meios de irrigação, tipos de plantio. Meus pais são produtores e consigo auxiliá-los na plantação de café, milho, feijão, gengibre e inhame”, conta.

Das plantações cultivadas pelos alunos saem, por exemplo, rabanete e alho, que são usados na merenda escolar. Durante o processo de aprendizado, um outro ponto que chama a atenção é o envolvimento e o diálogo estabelecido entre os estudantes e a professora: eles conversam em pomerano, uma forma de exercitar a língua e manter a cultura viva em Santa Maria de Jetibá.

Valorização

A professora Erineti acredita que os ensinamentos sobre a produção rural fazem com que os alunos se sintam valorizados e motivados a continuar no campo, o que acaba por fortalecer a agricultura familiar local e evitar, assim, o êxodo rural. “É um incentivo para que se sintam donos de seus terrenos, cresçam em sua propriedade buscando autonomia e melhor qualidade de vida”, ressalta.

A lição é aprendida pela estudante Ediana Rogge, de 14 anos. Filha de produtor rural da comunidade de Rio Lamego, em Santa Maria de Jetibá, ela diz que ajuda os pais na plantação e já passou para eles técnicas aprendidas na escola para evitar pragas no café, beterraba, repolho, inhame e alho.

Ela afirma que pretende se especializar para continuar no campo. “Eu gosto das aulas porque todos cooperam e aprendo técnicas que posso usar na plantação em casa. Futuramente, eu penso em fazer cursos que possa usar na propriedade, como Agronomia, para continuar ajudando meus pais”, planeja.

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