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União abre mão de R$ 300 bi em impostos, mas impacto social é baixo

União abre mão de R$ 300 bi em impostos, mas impacto social é baixo

Análise feita por governo mostra que desonerações tem pouco efeito sobre desigualdade

Publicado em 1 de outubro de 2018 às 11:15

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Imposto de renda . (Reprodução/Pixabay)

Apesar de o governo abrir mão de mais de R$ 300 bilhões por ano em tributos para beneficiar empresas e pessoas físicas, boa parte dos incentivos contribui pouco para reduzir desigualdades sociais. Um levantamento feito pela equipe econômica do governo concluiu que alguns dos chamados gastos tributários chegam inclusive a aumentar a concentração de renda.

É o caso, por exemplo, das deduções de despesas com saúde e educação na declaração do Imposto de Renda. Representarão uma perda de R$ 20 bilhões para os cofres públicos em 2019, mas pioram o índice de Gini (indicador que mede a desigualdade de renda num país) em 0,5%. Segundo os técnicos do governo, isso acontece porque essas deduções só beneficiam contribuintes de maior renda, que têm despesas com escola particulares e saúde privada para abater.

Até mesmo a desoneração da cesta básica tem efeito limitado sobre a desigualdade. Com custo anual de R$ 30,2 bilhões, melhora o índice de Gini em 1,7%. Mas alivia tanto o bolso dos mais pobres quanto o dos mais ricos. Além disso, foram incluídos na cesta itens consumidos por quem tem mais renda. Na lista desonerada estão, por exemplo, peixes como bacalhau e salmão.

Segundo cálculos da equipe econômica, os chamados gastos tributários subiram de R$ 145 bilhões em 2012 para R$ 283 bilhões em 2018. Em 2019, o total chegará a R$ 306,4 bilhões. Para especialistas, boa parte dessa escalada reflete a dificuldade do governo de retirar desonerações concedidas, ainda que não sejam claros seus benefícios sociais. A equipe econômica tem defendido revisar parte desses incentivos para reduzir o déficit das contas públicas, mas enfrenta resistências políticas.

Para os técnicos envolvidos no trabalho, esse montante de renúncia fiscal teria mais efeito sobre a desigualdade se fosse diretamente aplicado em programas voltados especificamente para brasileiros de baixa renda, como o Bolsa Família. O programa, que custa R$ 35 bilhões por ano, melhora em mais de 5% o Gini.

O economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, também avalia que renúncias fiscais são gastos com baixa contribuição para melhorar a distribuição de renda e que transferências diretas são mais eficazes. Ele defende que o país faça uma ampla revisão sobre a necessidade e a viabilidade de programas e benefícios.

"Muitas vezes os subsídios tendem a se perpetuar, como o da indústria automobilística. O gasto no Bolsa Família, além de chegar no mais pobre, tenta mexer no capital humano", diz o especialista. "O Brasil não tem tradição de avaliar programas. As avaliações de impacto e temporalidade são falhas. Esse tipo de análise é fundamental para tomar decisões que a gente não toma. Se um programa dura mais de três meses, dificilmente você tira ele da lista de despesas, e tende a acumular gastos".

O pesquisador do Ibre/FGV e professor do IDP José Roberto Afonso também defende a avaliação do impacto de medidas tributárias, especialmente num cenário de restrição fiscal. No entanto, ressalta que também é preciso observar o efeito desas medidas sob outros aspectos, como o incentivo à atividade econômica:

"É preciso considerar também os efeitos colaterais da eventual redução de incentivos. Se uma microempresa pagasse contribuição previdenciária igual à de uma grande, continuaria a produzir como antes? Sem dedução de saúde no IR, quanta gente continuaria a pagar plano de saúde e não iria pressionar ainda mais a rede pública do SUS, que nem atende a atual demanda?"

Pela ‘teoria do helicóptero’, seria mais eficaz distribuir dinheiro

Para avaliar o impacto dos gastos tributários sobre a distribuição de renda no país, a equipe econômica recorreu a uma teoria curiosa: a do helicóptero.

Criada em 1969 pelo economista americano Milton Friedman, ícone do liberalismo vencedor do prêmio Nobel, essa teoria tinha como princípio básico a ideia de que uma forma eficiente de o banco central de um país estimular o consumo e elevar a inflação numa economia que cresce abaixo de seu potencial seria jogando dinheiro do alto de um helicóptero.

A imagem serve para explicar que, ao entregar dinheiro diretamente aos consumidores, a autoridade monetária faria com que elas gastassem mais em bens e serviços, o que faria subir os preços. Desde o fim da década de 1960, essa teoria foi usada de diferentes formas por economistas.

No caso do estudo do governo sobre gastos tributários, os técnicos usaram a teoria para avaliar se, em vez de abrir mão de impostos, seria melhor jogar dinheiro do céu, sem qualquer critério definido, para distribuir renda do que manter alguns dos incentivos tributários em vigor no país atualmente. Isso considerando apenas o aspecto relacionado à desigualdade.

No trabalho, os técnicos apontam que a teoria do helicóptero teria potencial de reduzir a desigualdade em 2,8%. Esse seria o impacto de uma medida como essa no índice de Gini, índice cuja escala de 0 a 1 indica um país mais justo quanto mais baixo for o resultado. Ou seja, espalhar dinheiro de forma indiscriminada teria mais efeito para reduzir a desigualdade do que o impacto apurado para vários dos incentivos analisados.

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Do ponto de vista distributivo, a estratégia do helicóptero só perde para os gastos do governo com saúde, educação e com programas de transferência de renda como o Bolsa Família. As despesas com educação, por exemplo, impactam o índice de Gini favoravelmente em 3,2%. No caso da saúde, o reflexo positivo é de 3,6%. Já no caso do Bolsa Família, o impacto é de 5,1%.

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