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Consumidores valorizam hábitos sustentáveis e revolucionam as compras

Consumidores valorizam hábitos sustentáveis e revolucionam as compras

Clientes valorizam cada vez mais produtos e empresas conscientes

Publicado em 11 de novembro de 2018 às 01:42

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Júlia Bottecchia e a cliente Carol apostam no guarda-roupas compartilhado. (Fernando Madeira)

Consumidores do mundo todo, uni-vos! Já está em curso uma “revolução” que tem como principal arma o uso consciente – e até político – do poder de compra.

Calma, leitor, o objetivo não é derrubar governos nem sistemas políticos, mas, sim, combater problemas como a poluição, a produção de lixo, o trabalho escravo, o uso de agrotóxicos e a marginalização de trabalhadores do campo.

Essa é a transformação almejada por consumidores e empresários capixabas que descruzaram os braços e estão revendo hábitos e cadeias produtivas para promover, por eles mesmos, a mudança que esperam para o mundo.

Uma dessas “revolucionárias” é a empresária Júlia Bottecchia, de 26 anos. Apaixonada por moda, ela começou a se incomodar com a poluição e as denúncias de trabalho escravo na indústria das roupas e abriu o Desapegue, um espaço para as pessoas desapegarem de suas roupas e ensinar outros consumidores a tornar as peças que não querem mais em algo atrativo.

“Eu era uma consumidora assídua de fast fashion (produção de roupa em larga escala), comecei a pensar no lixo que eu gerava, criei o Desapegue e já não compro mais roupas há dois anos. Mesmo quando quero uma peça nova, procuro tecidos mais sustentáveis, busco por desenhos e vou até uma costureira, oferecendo uma remuneração mais justa, até para desenvolver a economia local”, conta.

Para incentivar as pessoas a comprar menos – e gerar menos lixo – Júlia também criou um guarda-roupa compartilhado, com mais de 400 itens, que podem ser utilizados por clientes que pagam uma taxa mensal. Uma das pessoas que aderiu foi a nutricionista Carol Bourguignon, de 27 anos. Para ela, utilizar o poder de compra de maneira mais consciente é um ato político.

“Procuro saber se o produto é testado em animais, o posicionamento da marca, se pode ser reciclado e os materiais que eles usam. Se cada um fizer sua parte, é possível chegar a mudanças maiores”, avalia.

DO CAMPO À CIDADE

O estudante de Educação Física Júlio César Lody, 26, já não conseguia comprar produtos em supermercados. Segundo ele, o uso excessivo de embalagens descartáveis, os processos de conservação dos alimentos e os legumes com o agrotóxico o afastavam cada vez mais das prateleiras.

“Queria algo mais sustentável. Mesmo os produtos orgânicos eram exportados, poluíam muito no transporte até a cidade e não valiam a pena”, lembra.

Junto com o publicitário Rian Melo, 27, abriu uma loja em Vila Velha só de produtos orgânicos produzidos no Espírito Santo por pequenos agricultores. “A gente brinca que nossos clientes são aqueles que entendem a ideia e já vêm com a bolsa reutilizável. Os que ainda não vêm com ela, são os que precisamos convencer”, diz.

Os sócios Júlio César e Rian Melo. Eles optaram pela alimentação saudável abrindo uma loja de produtos orgânicos em Vila Velha. (Fernando Madeira)

Além de vender os produtos, eles iniciaram um projeto piloto para coletar o lixo orgânico de 15 casas no município. O material é levado para uma composteira e retorna para os pequenos agricultores como adubo. Uma das casas que faz a coleta é a da médica Teresa Gomes, 54. Ela conta que a família toda resolveu mudar os hábitos há 10 anos.

“Eu tento reduzir ao máximo meu lixo. Conseguimos a coleta seletiva aqui no prédio, mas o orgânico, por falta de espaço para fazer compostagem, eu triturava e jogava fora. Agora, os meninos passam aqui, deixam o recipiente e vêm, de bicicleta, fazer a coleta. Me dá um alívio na alma”, explica.

Outra iniciativa é construída por uma Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA), uma tecnologia social mundial que já tem adeptos no Estado. O projeto visa a criar um grupo de parceiros que passam a dividir com agricultores os custos da produção em troca de alimentos.

“Um dos parceiros tinha contato com comunidades quilombolas do Angelim e do Linharim, em Conceição da Barra. Nossa ideia é pagar uma taxa mensal para que agricultores de lá possam produzir alimentos, de acordo com o que a terra dá a cada época do ano. É uma forma de remunerar melhor o campo e ter alimentos mais saudáveis”, conta a nutricionista Mariana Corrêa, 33, uma das integrantes do grupo.

AS REVOLUÇÕES

Guarda-roupa compartilhado

O que é?

Um acervo de mais de 400 itens que é compartilhado com diversas pessoas.

Objetivo

Diminuir a produção de lixo da indústria da moda.

O que combatem?

Trabalho escravo, fast fashion (produção de roupa em larga escala), poluição.

Coleta de lixo orgânico

O que é?

Empresa especializada em recolher o lixo orgânico no ambiente urbano para transformá-lo em adubo por meio da compostagem e fornecer para produtores agrícolas.

Objetivo

Diminuir a poluição na natureza e auxiliar produtores com adubos naturais.

O que combatem?

Desperdício, uso de agrotóxico e poluição

Agricultura compartilhada

O que é?

Famílias urbanas se unem para patrocinar agricultores de comunidades quilombolas a produzir alimentos.

Objetivo

Ter alimentação mais orgânica, combater uso de agrotóxico e desenvolver economia local.

O que combatem?

Má remuneração, êxodo rural, uso de agrotóxico.

Produção orgânica local na cidade

O que é?

Grupo que cria espaços nas grandes cidades para receber pequenos agricultores de orgânicos, auxiliando no manejo, no transporte e na venda de produtos certificados.

Objetivo

Incentivar economia local e a produção orgânica.

O que combatem?

Uso do agrotóxico e má remuneração.

Brechó

O que é?

Incentiva consumidores a reformar as roupas que não querem mais para vender a outras pessoas.

Objetivo

Diminuir a produção de lixo na indústria da moda e valorizar costureiras locais.

O que combatem?

Trabalho escravo, fast fashion, poluição.

 

"CELULAR É ARMA PARA MONITORAR AS EMPRESAS"

Professor da FGV diz que responsabilidade social das companhias está mudando

O consumidor do século XXI está cada vez mais empoderado. É o que acredita o professor de Marketing da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em varejo Roberto Kanter. Para ele, as redes sociais ampliaram a voz de compradores e o acesso à informação os dá mais poder para confrontar marcas.

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O poder do consumidor é resultado da massificação da informação sobre as empresas, que antigamente eram mais blindadas

Roberto Kanter, professor de Marketing da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em varejo
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Em sua avaliação, o consumo consciente, no entanto, ainda se resume às classes mais altas, e que, para chegar até todos os consumidores, depende da Educação, com a sustentabilidade e a força do poder de compra sendo temas tratados desde cedo nas escolas.

11/11/2018 - Roberto Kanter: redes sociais ampliaram voz do clienteEsse uso político do poder de compra é algo recente ou já vem de mais tempo?

Não é novo, é uma evolução do empoderamento do consumidor. Ele faz, sim, o uso do seu cartão de crédito e do seu poder de compra como uma forma de manifestação. Esse comportamento é resultado da massificação da informação sobre as empresas, que antigamente eram mais blindadas e hoje, com as redes sociais, as pessoas conseguem acompanhar tudo pelo celular e fazer um discernimento na hora da compra.

É algo que está crescendo?

Sim. Uma pesquisa feita pela Danone na Califórnia (EUA) há 10 anos mostrou que 55% das pessoas de lá já escolhiam seus produtos na imagem corporativa. Ou seja, não era em função da tradição da marca, nem do sabor e nem do preço, era a reputação.

Ainda é muito elitizado. As classes A e B predominam esse comportamento. Mas eu diria que, com a Educação, com as escolas públicas debatendo a sustentabilidade ambiental e social em sala de aula, isso tende a se espalhar.

Como o mercado está absorvendo isso?

Quem está absorvendo isso são as grandes corporações, com mudanças em suas políticas de responsabilidade social, e as startups, que surgem com pessoas jovens mais conscientes.

No entanto, as empresas médias, de administração familiar e mais conservadoras, estão tendo dificuldade. Elas continuam com o foco no produto e no serviço, sem observar o consumidor. São empresas que possivelmente acabarão sendo vendidas ou mudando só quando trocar de geração, promovendo um ajuste social. O momento é de um capitalismo menos selvagem.

O poder de compra pode virar arma ideológica?

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Sim, já está acontecendo. O exemplo da JBS, com o escândalo de corrupção que se envolveu, é muito emblemático. Suas marcas, como a Friboi, ainda estão sendo afetadas. Conheço muita gente esclarecida que não compra mais. Isso é uma tendência e é irreversível.

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