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As empresas que fazem sucesso nos bairros

As empresas que fazem sucesso nos bairros

Negócios apostam em proximidade com o cliente e são referência

Publicado em 29 de dezembro de 2018 às 01:34

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O atendimento é o diferencial. Conhecer o cliente, a família, o gosto e a história dele. Quando a pessoa entra em um lugar em que é conhecida e que a chamam pelo nome, ela se sente em casa" Ricardo Dalla Freitas . (Bernardo Coutinho)

Quando há mais de 50 anos o avô de Ricardo Dalla de Freitas deu início ao negócio da família, tudo era muito diferente. O espaço, localizado no bairro Cobilândia, em Vila Velha, era bem menor do que a estrutura atual. Era um depósito de pães, onde eles apenas revendiam e não fabricavam nada. Mas, ao passar desse meio século, a empresa foi crescendo, a estrutura precisou ser ampliada para dar conta da clientela e o antigo depósito de pães se tornou uma padaria completa, que hoje é sucesso e referência até fora do bairro.

"É o orgulho da família inteira. Tudo que a gente conquistou na vida foi com a padaria", conta Ricardo, que tem 37 anos, já na terceira geração à frente do negócio. Depois do avô veio o pai e, agora, ele e os irmãos tocam a Padaria Ebenézer, entre eles, Raquel Dalla, que após se formar em Nutrição também entrou de cabeça na empresa da família.

A padaria de Cobilândia é uma daquelas típicas empresas de bairros de periferia que bombam e são cercadas de história. Com a proximidade com os clientes e um forte potencial de consumo das classes C, D e E, vários empreendedores surfam na onda do comércio tradicional de bairro.

Para se ter uma ideia do tamanho sucesso do negócio da família Dalla de Freitas, eles romperam os limites de Cobilândia e em praticamente todos os grandes supermercados da Grande Vitória é possível encontrar um produto deles: as mentiras, que são aqueles biscoitos sequinhos e com açúcar. A receita de família é um dos carros-chefes da padaria.

O segredo principal para os bons resultados, segundo Ricardo, é o relacionamento. "Essa questão do atendimento é um diferencial. A gente conhece a pessoa, a família, o gosto e a história do cliente. Quando a pessoa entra em um lugar em que é conhecida e que a chamam pelo nome, ela se sente em casa".

10 VEZES MAIOR

Walmir é dono há 33 anos de pizzaria em Tabuazeiro e precisou ampliar o espaço. (Ricardo Medeiros)

Crescimento e sucesso também são palavras que contam a história de Walmir Balestrero Santos, 54 anos. Na semana passada, a pizzaria dele completou 33 anos de fundação em Tabuazeiro, Vitória, com um espaço com capacidade dez vezes maior do que era lá no início, em 1985.

Filho do bairro, ele montou a Teds Chippy em um espaço alugado em que cabiam 12 mesas, onde fazia tudo praticamente sozinho. Bem diferente de hoje, em que ele tem 28 funcionários e um ponto próprio, que em finais de semana e feriados chega a comportar 120 mesas. E tudo cheio. "Final de semana a casa só fica cheia. Na semana passada, precisamos colocar mais seis funcionários extras para dar conta", conta.

Hoje, com uma estrutura de empresa grande, até com o próprio aplicativo de celular, e atraindo clientes de outros bairros e até cidades, Walmir não se esquece da força que o bairro deu ao negócio. "Quando eu abri, meus primeiros clientes foram meus amigos de infância, que são aqui do bairro. Foi Tabuazeiro que fez a pizzaria chegar aonde chegou. É a clientela que mais dá força ao negócio, porque é fiel".

Esse apoio, ele acredita, é fruto de um trabalho de engajamento com a comunidade. "Eu procuro sempre ser disponível e acessível, engajado nos projetos do bairro. Sou um grande patrocinador de eventos da região, de escolas, igrejas, projetos esportivos etc. Se a comunidade me dá essa força, nada mais justo eu retribuir", comenta Walmir, que abre de segunda a segunda e enquanto tem cliente na mesa atende com um sorriso no rosto.

CADERNETA

Supermercado de Silvério e Vitorino Ferri deixa clientes anotarem compras . (Bernardo Coutinho)

 

De Vitória para Cariacica, ao rodar pelos bairros de periferia também não é difícil encontrar na cidade pequenas empresas que são referência e nadam de braçada no potencial do comércio voltado as classes mais baixas. Um deles fica no bairro Boa Sorte, região de Bela Aurora, onde os irmãos Silvério e Vitorino Ferri comandam um supermercado daqueles típicos de bairro, com direito até a aquela velha cadernetinha em que os clientes podem anotar as compras para pagar depois.

A caderneta por lá evoluiu e virou um arquivo com as fichas de cada cliente, mas não é para qualquer um. "As fichas existem para os clientes mais antigos, a maioria aposentados. A gente não abre para qualquer um. É para aqueles conhecidos, que sabemos que têm um histórico de honestidade", conta o sócio do Supermercado Felis, Silvério Ferri, que tem 54 anos.

O negócio, quando fundado em 1980 pelo pai deles, era bem menor. "Quando começou, era um bar e mercearia com duas portinhas e que tinha 40m2. Com o tempo, passou para auto-serviço e depois supermercado", lembra Silvério, que atribui ainda esse crescimento e consolidação da empresa ao longo de 38 anos ao corpo a corpo com os clientes: "O segredo do comércio de bairro é isso, o cliente poder falar direto com o dono, falar do que está precisando. Isso é o diferencial".

Apesar do orgulho pela história e força do empreendimento, Silvério teme a concorrência com as grandes empresas. “Hoje, essas redes maiores estão vindo para os bairros e isso é uma complicação para a gente, nos atrapalha. Mas acredito que continuando a trabalhar direitinho e priorizando o cliente o supermercado continuará indo bem e valendo a pena”, pondera.

UMA VIDA CONQUISTADA COM O FRUTO DO NEGÓCIO

Célio e Celiomar Barcelos viram pizzaria crescer e dar frutos para a família. (Carlos Alberto Silva)

 

Quando eram mais novos, os irmãos gêmeos Célio e Celiomar Barcelos de Abreu vendiam verduras nas ruas de Cariacica com um carrinho de mão para ajudar a família. O pai deles era motoboy de uma pequena pizzaria e, com o tempo, conseguiu juntar um dinheiro e comprar o negócio, em 2003. Desde então, a família viveu uma verdadeira história de superação, com o crescimento da empresa e, como fruto disso, a realização dos sonhos e o alcance de uma vida melhor.

Essas conquistas, que vão desde um espaço próprio para o negócio, casas, carros e terrenos, além da formação dos familiares, são as verdadeiras provas do sucesso das pequenas empresas dos bairros. No caso da Pizzaria nº 1, em Porto de Cariacica, os números também atestam esse desempenho.

Nesses 15 anos sob o comando da família Barcelos, a casa viu seu espaço, que era de 30m2 e tinha apenas três mesas de ferro, crescer para 320m2, comportando atualmente quase 500 pessoas. Além da família, hoje a empresa tem 15 funcionários e, apesar de toda a estrutura, ainda tem fila aos finais de semana.

“Nós nem conseguimos fazer delivery mais porque a demanda aqui é muito grande. Graças a Deus está sempre cheio e tem dado filas. Nas sextas, que temos música ao vivo, também lota”, comenta Célio, que lembra a ainda a trajetória de sucesso do negócio. “É o orgulho da família. Tudo que a gente conquistou na vida veio daqui. Hoje, cada um tem sua casa, seu carro, minha mãe mora numa chácara, conseguimos comprar um terreno para o meu pai na roça. Fomos realizando esses sonhos e isso dá força para a gente e para o negócio”.

Ele comenta ainda que estar dentro do negócio, próximo ao cliente, é o segredo desse sucesso. “Nem férias a gente nunca tirou, mas colhemos os bons frutos disso. O dono tem que estar dentro do negócio, apertar a mão do cliente, e ser acessível. A proximidade acaba se tornando amizade e tem gente que até fica chateado se não for lá cumprimentar”, conta.

ANÁLISE

Os negócios de bairro não conseguem ter ganhos de escala, como as grandes empresas, por isso, às vezes, têm os preços até maiores. Porém, o brasileiro é muito personalista e dá muito valor ao relacionamento pessoal, e que esses negócios de vizinhança oferecem. O fato de poder falar com o dono, anotar na cadernetinha, e de aceitar várias modalidades de pagamento a mais, pela confiança que se tem, pesa muito.

Além disso, há um forte potencial de consumo das classes C, D e E, em que essas pequenas empresas atuam bem, até pela questão da proximidade. Em muitos bairros da periferia não há grandes redes e lojas por perto.

Esse potencial, no entanto, já está sendo visto pelas grandes empresas, como redes de supermercado que têm observado o crescimento e a força desses bairros e indo para eles, sobretudo nesse momento de retomada. A tendência, com isso, é enfraquecer esses pequenos negócios, que só irão sobreviver se continuarem e apostar no relacionamento diferenciado.

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Marcelo Loyola Fraga - Economista e coordenador geral da faculdade Pio XII

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