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Até diretor de novela em briga por terreno do Aeroporto de Vitória

Até diretor de novela em briga por terreno do Aeroporto de Vitória

Herdeiros de antigos donos do terreno são contra concessões de áreas

Publicado em 5 de janeiro de 2019 às 02:16

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Diretor da Globo: herdeiro de antigos donos do local. (Divulgação)

Uma história digna de novela, a desapropriação dos terrenos onde fica o Aeroporto de Vitória ganha novo capítulo em uma disputa que até o diretor artístico da Rede Globo, Jayme Monjardim Matarazzo, é protagonista.

Filho da cantora Maysa e bisneto do Barão Monjardim, ele e outros herdeiros de famílias proprietárias dos espaços – tirados deles desde a Segunda Guerra Mundial – tentam barrar a concessão de cerca de 500 mil metros quadrados, hoje em poder da Infraero, para exploração comercial e imobiliária pela iniciativa privada.

A medida pode, inclusive, atrasar o processo de privatização do terminal aeroportuário, impedir a instalação de uma megaloja de material de construção e anular uma permuta feita entre a estatal e uma imobiliária capixaba.

A batalha envolvendo a desapropriação do Aeroporto de Vitória dura impressionantes 75 anos e está em fase de recursos, no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Netos, bisnetos e sobrinhos netos dos antigos proprietários do local aguardam uma indenização pela desapropriação que nunca foi paga e que é alvo de uma longa briga judicial, com muitas idas e vindas.

Os expropriados entendem que as áreas de meio milhão de metros quadrados perderam a finalidade pública e não são mais essenciais para as atividades do aeroporto. Prova disso é o plano do governo de destiná-las à exploração empresarial privada, com finalidades diferentes da aeroportuária. Se fossem vendidos agora, juntos, os terrenos valem mais de R$ 1 bilhão.

Diante desse fato, o grupo pede para receber um valor justo pelo metro quadrado de todo o território e, caso a União não faça um acordo para o pagamento, os herdeiros querem o cancelamento da desapropriação dos pontos que não serão utilizados para as atividades de aviação civil.

Uma das autoras do pedido, a advogada Daniela Pimenta, sobrinha neta de Rômulo Castello, um dos antigos donos do terreno, explica que os herdeiros também apresentaram uma denúncia ao Tribunal de Contas da União (TCU) neste mês, acusando o governo federal de realizar tredestinação ilícita, que ocorre quando o ente público utiliza os terrenos subtraídos de seus donos para outras finalidades, diferentes do uso que justificou a desapropriação.

“É ilegal retirar um imóvel de seu dono legítimo e entregá-lo a terceiros, beneficiando empresas privadas que farão a exploração comercial”, explica Daniela.

Os reclamantes usam como prova o estudo de mercado elaborado pelo Programa de Parceria de Investimentos (PPI) com a intenção de leiloar o Eurico de Aguiar Salles. O documento afirma que “o sítio aeroportuário encontra-se em uma região fortemente adensada e de alto valor imobiliário, o que deverá ser aproveitado pelo futuro concessionário para desenvolver atividades paralelas”.

Em negociação com a Prefeitura de Vitória, durante a elaboração do Plano Diretor Urbano (PDU), a Infraero apresentou a proposta de disponibilizar 265 mil metros quadrados para a instalação de um shopping center, 113 mil metros quadrados para a construção de um complexo comercial, além de reservar lotes para casas de shows e outros tipos de negócios.

FAMÍLIAS QUEREM CANCELAR PERMUTA

Entre os mais de 500 mil metros quadrados alvos de briga judicial, está um terreno de 82 mil metros quadrados com vista para o mar, projetado para receber prédios empresariais, shopping center e empreendimentos hoteleiros antes mesmo de o processo de desapropriação ter um desfecho final.

O espaço, que pertencia às famílias que esperam uma indenização do governo, foi cedida pela Infraero para a empresa Sociedade Imobiliária Aliança como forma de pagamento por um outro terreno do mesmo tamanho, perto do Shopping Norte Sul, tomado pela União para a instalação do futuro terminal de cargas.

Os herdeiros dos antigos donos do sítio aeroportuário querem cancelar a operação de permuta, finalizada em outubro de 2014, por considerá-la ilícita. O grupo alega ainda que, se a desapropriação tivesse sido concluída, teria direito de ser o primeiro da lista em uma eventual comercialização.

Pela lei, quando um local desapropriado não será mais aproveitado pelo ente público, os ex-proprietários são prioritários numa operação de recompra pelo mesmo valor pago pela desapropriação.

“Neste caso, contudo, como a ação de desapropriação ainda não acabou, nem foi paga a indenização, o pleito dos chamados expropriados é no sentido do cancelamento da desapropriação em relação às áreas que a União já identificou que não terão mais a finalidade pública aeroportuária e também da permuta com a Aliança”, acrescenta a advogada dos herdeiros Daniela Pimenta.

No processo de permuta, a União avaliou o metro quadrado da área em R$ 1.772. Porém, a empresa, antes mesmo de concluir as negociações com a Infraero, já estava comercializando os lotes para construção dos empreendimentos imobiliários a R$ 3 mil o metro quadrado. A empresa teria negociado também a construção de um shopping numa área de 59 mil metros quadrados.

Documentos da Aliança entregue à prefeitura, num procedimento para autorizar a formação de um loteamento na área permutada, mostram que a empresa já estava negociando a viabilidade do Projeto Guruçá com investidores e construtoras em junho de 2014.

Os expropriados afirmam que a permuta ocorreu sem licitação e que foi precedida de uma compra de uma área de 5,2 mil metros quadrados da Aliança pela Infraero pelo valor de R$ 7,9 milhões, sendo R$ 6,2 milhões pagos em dinheiro.

Os expropriados alegam também que se a União não pagar pelo terreno, a iniciativa poderá ser caracterizada como confisco.

A reportagem procurou o governo federal para comentar o caso, mas o Ministério do Planejamento disse que Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Espírito Santo (SPU/ES) não se manifesta sobre assuntos que estão judicializados.

Já a Sociedade Imobiliária Aliança, por meio do seu advogado Felipe Rizk, afirma não ser parte da ação de desapropriação, por isso não comentará o caso.

MEDIDAS DA UNIÃO TÊM PROLONGADO A INDENIZAÇÃO

A saga das famílias proprietárias da área do Aeroporto de Vitória começou em 1942, com a invasão militar. Os herdeiros dessas terras contam que várias medidas da União têm prolongado o calvário até o pagamento da indenização.

Agora, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a União alega que pagou pela área com um depósito judicial e com cheques que nunca foram encontrados nem descontados.

Em 2005, após pedido dos expropriados, a Justiça determinou uma avaliação do valor de mercado do terreno. O governo federal não recorreu da decisão, tendo participado do processo de perícia. Os assistentes da União defenderam, na época, o pagamento de R$ 40,93 por m2.

Em 2008, em decisão de primeiro grau, foi definido que o governo federal teria que pagar R$ 180 pelo metro quadrado. A quantia foi atualizada em 2015, pelo Tribunal Regional Federal no Rio de Janeiro, que fixou o valor de R$ 40,93 pelo m2. O órgão considerou o fato de que não houve pagamento nem depósito comprovado.

Porém, em recurso no STJ, a União voltou a dizer que havia feito depósito na conta das famílias. Em dezembro de 2017, o ministro relator do caso acatou o argumento da União e definiu critérios que resultariam numa indenização menor que R$ 1 por m2. Em novos recursos na Corte, os herdeiros tentam reverter a decisão, temendo a possibilidade de confisco.

ENTENDA A NOVELA

1942

Para implantação de uma base aérea militar durante a 2ª Guerra Mundial, a União tomou um área de 5,5 milhões de m2 em Vitória, que pertencia a 8 famílias.

1948

Processo judicial foi aberto pela União para identificar donos e fazer indenização.

1959

Foi expedida ordem para depósito, mas a União pediu a demarcação dos terrenos de Marinha.

1980

Em meio aos recursos, a União fez um depósito equivalente a R$ 280 mil, quantia que foi utilizada pela Justiça para pagar perícias.

1986

Após demarcados os terrenos de Marinha, a área indenizável passou para 4,5 milhões m2. O processo foi transitado em julgado e, segundo os expropriados, os depósitos não aconteceram. A União obteve a suspensão do processo.

2002

Os sucessores pediram nova avaliação do terreno para recebimento. A Justiça deferiu o pedido.

2017

O STJ restabeleceu a decisão de 1986, descartando a perícia de 2007. Foi fixado o valor de R$ 4,5 milhões, o que dá R$ 1 para cada m2.

2018

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A defesa entrou com embargos de declaração pedindo reavaliação e o pagamento pela União. O grupo pede ainda para cancelar concessão de 500 mil m2 à iniciativa privada.

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