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'Nossa democracia precisa ser curada, porque ela está doente'

"Nossa democracia precisa ser curada, porque ela está doente"

Considerado um guru dos negócios, Oscar Motomura diz que autoridades e empresários precisam incorporar no seu dia a dia valores e ética para que o país possa encontrar o rumo do desenvolvimento

Publicado em 30 de março de 2019 às 22:29

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Oscar Motomura atrai em todo o mundo líderes interessados em descobrir os segredos do sucesso empresarial. Considerado por muitos um guru dos negócios, título o qual recusa, ele não esconde que prefere ser definido como um educador, cuja fórmula mágica para encantar empreendedores e profissionais renomados tem como ingrediente essencial a ética.

Dono da Amana-Key, empresa de educação executiva, Motomura esteve em Vitória na semana passada para o lançamento do Encontro de Lideranças, da Rede Gazeta. Também ministrou um Programa de Gestão Avançada no Senac.

Em meio à turbulência política que tem causado estagnação na atividade econômica, o empreendedor diz que as autoridades e também empresários precisam incorporar no seu dia a dia valores esquecidos para que o país possa encontrar o rumo do desenvolvimento, principalmente social. Ele faz críticas às nossas lideranças e declara que vivemos uma era de uma democracia doente, que precisa ser, urgentemente, curada.

Com a mudança do governo, todos esperavam uma retomada na economia. No entanto, estávamos vivendo uma nova instabilidade política que tem afetado diretamente os negócios. Toda semana é uma crise nova. Por que nossas autoridades estão em conflito? O que falta às nossas lideranças?

Eu diria que tem faltado preparo das atuais lideranças do país. Preparo não é só você ser especialista numa área, fazer uma boa faculdade. É, também, consciência. Por isso que precisamos dar ênfase na elevação da consciência. Há políticos que entendem dos trâmites, mas são especialistas num jeito negativo de fazer política. O que nós precisamos? De políticos que tenham alto nível de consciência e façam uma política mais nobre e que estejam o tempo todo trabalhando pelo bem comum. Hoje, nós temos trinta e poucos partidos, cada um tentando instalar uma doutrina. Mesmo que tivéssemos ideias diferentes, seria importante as autoridades terem um diálogo profundo, não simplório, sempre guiado por um objetivo nobre de fazer o melhor pelo bem comum e pelo país. O que temos visto são lideranças não interessadas nesse diálogo, interessadas apenas em mostrar o poder que têm. São pessoas com ideias tortas, doentes, que não vão levar solução. Pensamentos e opiniões diferentes são importantes numa democracia. Precisamos apenas aprender a dialogar com maturidade e de forma profunda.

A reforma da Previdência é um exemplo da falta de diálogo. É um tema necessário, mas que muitos insistem em não debater.

Isso tem uma forte relação com a ética. Em vez de pensarem no bem do país, certas lideranças estão focadas nos prejuízos que alguma reforma na Previdência vai levar para determinado segmento que ele representa. Estão pensando nos seus próprios interesses. Não se preocupam que temos uma distorção enorme. É o que chamo de egoísmo coletivo. É isso que estamos vendo. Não há uma discussão sobre o melhor para a coletividade. Se assim fosse, nós chegaríamos a um consenso muito bom. Agora, por que não vamos fundo? Porque a intenção não é essa. Muitos não entendem que essa distorção (Previdência) pode paralisar o país e, com isso, trabalham para que todas as reformas não se realizem. Precisamos de muita sabedoria, inclusive da população. Deixar tudo para os políticos resolverem não vai dar certo. É fundamental que os cidadãos se envolvam. Temos muitas pessoas, tanto na área política, quanto também na economia, em todos os setores, muito bem intencionadas e preparadas. Elas precisam se manifestar mais. Participar do diálogo, porque a democracia representa diálogo. Mas, se muitos cidadãos brilhantes estiverem trancados em seus próprios interesses, essas soluções ótimas não vão acontecer.

Você acredita, então, que falta envolvimento popular sobre temas de interesses coletivos?

Estamos num momento de transição. E o caminho para superar todas as barreiras e problemas é uma cidadania mais forte. Não deixar essas coisas tão relevantes na mão de poucas pessoas que foram colocadas nessa posição do poder por um sistema de voto distorcido. Existem problemas mais fortes que é o próprio design da democracia, que precisa melhorar muito. Quando falamos de reforma política, queremos dizer que a nossa democracia precisa ser curada, porque ela está doente. Nós estamos fazendo com que o sistema leve pessoas para nos representar de uma forma não legítima e que nos desvia do objetivo maior de procurar, em conjunto, o que é melhor para o país. Então, você veja que há coisas mais básicas que precisam ser trabalhadas para que a coisa funcione.

Mas é um desafio para os líderes atuais, não é? Manter a ética pelo bem comum?

Sim. Todos precisam entender que sem ética não vamos otimizar a economia. Então, se eu quero arrumar economia, eu tenho que ter uma cultura ética, porque muita coisa sai pelo ralo para fins egoísticos e, portanto, não para o bem comum. Então não faz sentido. Porque, se nós estamos buscando a evolução do país como um todo, sem ética você não consegue chegar lá. Muitos pensam: “Quero arrumar a economia!” Mas ficam apenas mexendo nesses fatores econômicos. E não é por aí. Antes eu tenho que fazer uma lição de casa muito bem feita de resgatar a ética para a evolução da sociedade como um todo. A ética é o oposto do egoísmo extremo que faz as pessoas burlarem leis e até prejudicarem a sociedade, entrarem na corrupção.

Como incorporar essa concepção aos investimentos? Como a ética poderia realmente pautar a economia?

Na prática, o que significa isso? Posso até colocar um princípio muito simples. Tenho sempre desafiado as pessoas que dizem: você está criticando, mas, se fosse presidente, faria o quê? Então uma coisa muito simples que podemos inserir como líder maior de um país é assegurar que um princípio seja seguido por todos – cidadãos, empresários. Eu posso ter, por exemplo, um grupo de empresários que pega essa bandeira de sempre tomar decisões pensando no bem comum e espalhar pelo país e até fazer com que esses princípios cheguem ao próprio governo. Algo importante de dizer é que esse conceito de liderança no topo da pirâmide, centralizando as coisas, está totalmente fora de moda. Qualquer pessoa pode ter essa iniciativa de se pautar dessa forma, levando esses valores para o seu chefe, para os colegas. As tecnologias podem nos ajudar a propagar uma consciência para mudar o país. Eu gosto da frase de Einstein que dizia que nós estamos numa era em que temos perfeição dos meios, mas temos confusão em relação aos fins. Isso significa o quê? Essa tecnologia pode gerar armas mais poderosas? Pode. Mas ela também pode criar um mundo melhor para todos, sem qualquer tipo de exclusão.

Mas como fica a propagação dessa tecnologia para todos? Há dificuldade de todo o mundo ter acesso a esses benefícios.

Você está certa que isso ainda precisa ser disseminado. No Brasil, por exemplo, existem mais celulares do que pessoas. Isso mostra que a ferramenta está lá. Na verdade, está tudo na internet. Chegamos num mundo em que essa propagação é feita de forma absolutamente natural – os recursos, os conhecimentos, as tecnologias estão disponíveis. Só precisamos da vontade das pessoas de irem atrás daquilo que quer e precisa. A grande questão é: como propago uma postura mais ética?

Estamos falando de um problema cultural, enraizado no país. Como mudar esse comportamento?

A questão da ética deveria ser uma prioridade imensa até no sistema educacional. As escolas precisam formar caráter. Mas essa educação não deve atingir só as crianças. Todos precisam entrar nesse processo de reeducação em direção de valores mais nobres, inclusive as pessoas em posições de poder das organizações, do governo. Temos que renovar a educação da população inteira. Todas as gerações precisam disso. Hoje, podemos colocar em xeque se o sistema educacional brasileiro está fazendo isso. Por outro lado, não é uma questão só educacional. É uma questão cultural, instalada no brasileiro há muitas décadas, da vantagem, de tirar proveito. Como mudar isso? Podemos falar na Lei de Gerson, instituída no país por um processo de mudança cultural a partir da televisão. Era um anúncio de cigarro, veiculado nos anos 1970, em que Gerson, então jogador da Seleção Brasileira de futebol, dizia: “Você não quer sempre tirar vantagem de tudo? Fume Vila Rica”. Imagine isso persistentemente na televisão, todos os dias. Assim é que você instila valores. Agora para arrumar a cultura vai ter que existir um esforço em massa na direção contrária, neutralizando a Lei de Gerson, com o resgate de valores e da ética. Será necessário, para essa transformação social, usar o sistema de comunicação que nós temos hoje, que não é só a televisão, inclusive as redes sociais. Agora, quantas pessoas foram educadas e treinadas para entender de cultura? Poucas. Temos muitos líderes com uma ótima formação técnica, mas com enorme deficiência na área humana. Temos outros sem qualquer formação. São verdadeiros amadores. É por isso que é tão difícil fazer uma transformação como essa. Difícil, mas absolutamente possível se pessoas que tenham essa sensibilidade se manifestarem. Há pessoas brilhantes que precisam sair de ações só para si, ou só para suas organizações, e começar a usar toda a especialidade que têm, todo o talento que têm, a serviço do país.

Liderança é algo natural ou é possível aprendê-la?

Alguns têm certo tipo de talento especial para a liderança. Mas eu costumo brincar que posso ter um potencial menor, porém posso me tornar um bom líder porque trabalho muito e corro atrás. É pelo meu esforço que me torno um líder. Não adianta ter uma característica nata, mas ser preguiçoso. Eu costumo associar muito liderança à iniciativa. Dentro de uma empresa, até um office-boy pode ser uma liderança ao se mobilizar para atender melhor ao cliente, por causa da sua sensibilidade de enxergar que o consumidor pode estar desassistido.

O que atrapalha hoje os executivos?

Podemos dizer que muitos estão num corre-corre, pensando no futuro, nos negócios, mas não têm tempo de liderar. Os líderes não estão livres, estão presos no operacional. E eles precisam de liberdade para dar voltas para enxergar o ecossistema e fazer suas empresas funcionarem. Precisamos estar meio passo à frente, senão nos tornamos inúteis. Porque, na medida que os clientes estão na nossa frente, ficamos desnecessários.

Como o senhor começou a se dedicar à formação de lideranças?

Essa é uma história de mais de 45 anos. Eu trabalhava numa multinacional há 12 anos na área financeira, em Nova York, quando resolvi criar minha própria empresa, uma startup focada em consultoria e planejamento estratégico. Oito anos depois, junto com minha sócia, criamos a Amana-Key para nos dedicarmos à formação de líderes. Por que mudamos? Chegamos à conclusão que, como consultores, acabávamos engolidos pelos clientes. Não queríamos essa dependência. Resolvemos investir na capacitação de nossos próprios clientes para que eles pudessem autonomamente tocar os seus negócios e refletir estrategicamente. Trouxemos especialistas do mundo inteiro, pessoas das áreas de gestão, ciência, da teoria da complexidade, de inteligência artificial, que falaram há mais de 20 anos coisas que hoje são difundidas.

Como construíram essa filosofia?

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Eu comecei a trabalhar com estratégia aos 19 anos. É uma área que exige uma postura pioneira, de buscar aquilo que ainda não existe, de participar da formação do futuro, não ser um elemento passivo. Minha tese foi de ser um agente de transformação.

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