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'Setor de petróleo e gás precisa de mão de obra para não perder a última janela de investimentos'

"Setor de petróleo e gás precisa de mão de obra para não perder a última janela de investimentos"

Especialista Milton Costa Filho diz que retomada dos projetos para o segmento pode se deparar com uma situação crítica: falta de profissionais qualificados para atender aos negócios tanto em terra quanto no mar

Publicado em 23 de março de 2019 às 23:34

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A próxima década para o setor de petróleo e gás será decisiva ao representar a última janela de investimentos para atender ao pico da demanda global por energia não renovável prevista para os anos 2030, segundo o especialista no tema, Milton Costa Filho, secretário-geral do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP). O maior problema, no entanto, é saber se o país terá condições de atender a todas as necessidades que esse mercado vai impor, principalmente a de trabalhadores qualificados.

O especialista é enfático ao dizer que se não houver preparação de profissionais para atender aos futuros projetos, o país vai viver um novo apagão de mão de obra nesse importante setor, comprometendo a produtividade e a geração de riquezas.

As previsões dão o tom da urgência de o Brasil reagir e evitar desperdiçar as chances de expandir sua produção e se aproximar ainda mais dos gigantes petrolíferos. O potencial brasileiro, na visão de Costa Filho, está bem acima dos números que hoje a nação tem conseguido entregar. Isso significa que a produção está aquém da nossa capacidade.

A crise que assolou a maior empresa do setor no país, a Petrobras, e também a turbulência fiscal brasileira contribuíram para impedir um crescimento mais expressivo desse mercado trazendo certa estagnação para o número de poços perfurados, o que gerou poucas descobertas do ouro negro.

Depois da tempestade perfeita – escândalos de corrupção revelados pela Lava Jato associados ao crescimento explosivo do déficit público –, o segmento começou a reviver um cenário mais positivo com a retomada dos leilões pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) em 2017. Novas rodadas previstas para este ano e para os próximos, de acordo com Costa Filho, vão contribuir para que mais companhias tenham interesse de brigar por uma fatia desse tesouro brasileiro.

O IBP estima que o Brasil tenha uma reserva não descoberta de 176 milhões de barris de óleo equivalente (boe = petróleo + gás). Até hoje, porém, apenas 21 bilhões de boes foram extraídos da terra e do mar e somente 15 bilhões de boes têm reservas provadas, aguardando a oportunidade para as atividades de extração serem iniciadas.

Já o Espírito Santo se mantém como o segundo ente federativo com a maior reserva, com 1,8 bilhão de barris, sendo o terceiro maior produtor. Para o Estado aumentar a produção, de acordo com Costa Filho, uma das apostas nem precisa ser o mar, mas os campos maduros terrestres, que podem vir a ser explorados por empresas menores, que enxergam nesses poços possibilidades de negócios. Confira entrevista:

Qual é o cenário para o setor de petróleo e gás brasileiro?

Nós vivemos uma perspectiva muito positiva para o reaquecimento desse setor. O desenvolvimento do negócio de petróleo e gás é de longo prazo e temos voltado de forma mais sólida para a expansão desse segmento. O governo anterior conseguiu fazer algumas modificações no marco regulatório que foram importantes para atrair outra vez investimentos. Porém acho que precisamos ainda de muito trabalho para melhorar essas regras e tornar esse mercado ainda mais competitivo. De qualquer forma, o que foi feito até aqui foi suficiente para atrair outra vez investimentos. Desde 2017 começamos a ter leilões muito bem-sucedidos. Ano passado, tivemos outras rodadas de negócio e, para este ano, temos mais três anunciados. Algo importante é o leilão permanente de blocos onshore que passou a ocorrer. Há ainda previsão de mais licitações em 2020 e 2021. Essas movimentações são essenciais para a indústria de petróleo. Um calendário permanente de leilões faz com que as empresas aumentem suas reservas, dá chance para a cadeia de fornecedores se planejar para atender a demanda de produtos e serviços permanentemente. Esse cronograma sinaliza para o mercado que lá na frente haverá compras.

A atração de investimentos no setor de petróleo não é algo que tem efeito de imediato na economia. A manutenção de um calendário de leilões é um planejamento para o futuro?

Esse calendário é uma das coisas que o IBP acha mais importante para a cadeia de óleo e gás. O que a Agência Nacional de Petróleo (ANP) vem fazendo, tem atraído investimentos e interessados em vir para o Brasil. Isso mostra que a retomada está chegando. Lógico que o resultado demora um tempo. No início, a empresa entra numa fase de estudos sísmicos e geológicos. Na sequência, a companhia decide fazer um poço exploratório. Só depois que encontra petróleo e gás, a corporação entra na fase de desenvolvimento. É nesse momento que os investimentos são gigantescos. A fase de exploração demora em média três anos. Aqueles leilões de 2017, por exemplo, terão resultados em 2020. Estamos com uma indústria animada. O mundo ainda precisa de muita energia. O petróleo e gás continuam essenciais para o planeta, para o Brasil. Acredito que vamos entrar num ciclo positivo, virtuoso porque dinheiro não é um problema para investidores. Temos uma indústria instalada que está precisando produzir. O caminho crítico, em minha opinião, vai ser a falta de capital humano. Podemos ter um apagão de mão de obra. Por isso, precisamos capacitar muitos profissionais. Não podemos perder a última janela de investimento que será aberta para o setor na próxima década para atender a demanda global por energia não renovável.

Mas por que a mão de obra será um problema para o país? Tivemos um quadro grave de desemprego, mas antes disso ocorrer, muitas pessoas apostaram nesse setor e não conseguiram uma oportunidade. A Petrobras mesmo capacitou muitos trabalhadores pelo Prominp. Então, realmente haverá um apagão de mão de obra durante a execução desses projetos em desenvolvimento?

No período da crise, o setor não tinha demanda. As empresas não tinham ordem de compra e começaram a demitir. Algumas companhias foram embora. Outras quebraram. E a cadeia de óleo e gás acabou perdendo profissionais para outras áreas. Mudaram de segmento. Foram procurar emprego em outros lugares. Essa indústria tem ciclos de altas e baixas. O motivo é o petróleo ser uma commodity que é afetada por diversas variáveis. Mas, a meu ver, o Brasil tem uma oportunidade incrível e não pode desperdiçar. O IBP tem oferecido vários cursos de qualificação, um em parceria com a Findes (Federação da Indústria do Espírito Santo) de gestão de petróleo. Precisamos atrair interessados em entender essa indústria que tem quase 60 anos de existência. É uma das mais globalizadas e dividida em diversos segmentos, como distribuição, petroquímica, fertilizante, logística, além de exploração e produção.

O mercado também passou por um cenário nebuloso com a operação Lava Jato e com o endividamento da Petrobras que paralisou a empresa. Como avalia a situação agora e as perspectivas de entrada de mais investimentos no país?

A Petrobras está se reposicionando e tem um ambicioso plano que inclui investimentos e também desinvestimentos. E a venda desses ativos pode atrair outros atores para o mercado brasileiro. Vamos ter uma diversidade de empresas querendo se tornar operadoras. Podemos ter empresas interessadas em refino ou em plantas petroquímicas. A Petrobras, com a venda de ativos, pode atrair interessados nas plantas de gás e de gasoduto.

Mudanças recentes da ANP, com ofertas permanentes de campos onshore, também podem contribuir para a guinada do setor de petróleo? O Espírito Santo pode se beneficiar disso?

O mercado de petróleo brasileiro tem aberto oportunidades tanto para empresas de fora quanto nacionais. Tudo vai depender do porte dessa companhia e do grau de competitividade que ela tem. Para quem tem pouco dinheiro para investir, uma alternativa interessante é a área onshore. O setor em terra tem características que podem beneficiar empresas menores. São poços maduros com uma produção pequena que não têm mais relevância para as grandes empresas, mas que podem ser bons negócios para indústrias menores. Ter mais empresas nesse mercado de petróleo e gás é muito importante. A massa crítica de companhias trabalhando no onshore é pequena. Temos um potencial gigantesco para desenvolver.

O refino é um dos grandes problemas do país. Temos um monopólio nesse setor. Há mercado para instalação de novos negócios na área, principalmente de minirrefinarias?

Os problemas no setor de refino é uma questão de mercado. O país importa quase meio milhão de barris por dia de derivados de petróleo. Mas essa compra de produtos de empresas de fora não significa que há viabilidade para ter mais refinarias no Brasil, que existe uma necessidade imediata. Às vezes, ter uma parcela de combustíveis importada é muito melhor para os consumidores porque regula o mercado interno também, ajuda na formação de preço. Mas a instalação de minirrefinarias vai atender demandas específicas. Esses negócios beneficiam muito as indústrias onshore, complementam muito essas plantas. Uma grande refinaria tem muita dificuldade de comprar pequenas quantidades de petróleo que são produzidos nos poços em terra. Já uma pequena refinaria pode ter mais facilidade para fazer essas aquisições. Lógico que não vai fabricar produtos tão complexos como uma grande planta.

Qual é o diálogo do setor de petróleo com o atual governo?

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Estamos vivendo um bom momento para o setor. Estamos tendo muitas conversas com esse atual governo que tem dado sinais positivos. Na verdade, temos encontrado espaços para o setor tanto na esfera federal quanto na esfera estadual. É importante que essas novas autoridades entendam bem a relevância da indústria de petróleo e tratem de estimular os investimentos, tratem de melhorar o marco regulatório, só assim vamos conseguir atrair muitos investimentos e produzir muito. Temos reservas maravilhosas. É hora dos governos e da iniciativa privada darem as mãos para encontrarem o melhor modelo, a melhor maneira de a gente produzir rápido e trazer riqueza para cá. Esse é o grande ponto agora. Estamos numa retomada. Criar obstáculos agora pode afastar e mandar os investidores para outros mercados mais abertos.

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