As despesas obrigatórias do governo, como as de previdência e pessoal, crescem todos os anos em ritmo mais acelerado que a arrecadação federal. Uma conta simples revela que o Orçamento da União não fecha. Os gastos superam a receita.
Para se ter ideia do tamanho do problema que é o déficit público federal, é importante analisar o relatório do Tesouro Nacional, do Ministério da Economia. O documento revela que a dívida brasileira está próxima de atingir R$ 4 trilhões.
Em meio a este cenário, a pergunta que vale milhões de dólares é: como diminuir os gastos públicos sem comprometer os investimentos e os serviços à população?
A resposta para esta equação deve vir da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 438 de 2018 que tramita na Câmara dos Deputados, em Brasília. O texto, mais conhecido como PEC da Regra de Ouro, pretende limitar o crescimento da despesas obrigatórias e instituir um plano de revisão de despesas da União.
A proposta ainda regulamenta a regra de ouro, dispositivo legal que veda operações de crédito superiores as despesas de capital (investimentos, inversões financeiras e amortização da dívida). A expectativa é de que sejam economizados cerca de R$ 102 bilhões ao ano com a proposta em execução.
Para construir um projeto na Câmara Federal que permita o país caminhar rumo ao equilíbrio fiscal, o deputado capixaba Felipe Rigoni (PSB) foi escolhido para ser relator do projeto na Comissão Especial pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia.
Apesar de novato no Congresso, o deputado promete trabalhar para impedir flexibilização. Ele afirma que não vai ceder às pressões para mudar o teto de gastos nem para tirar o atual governo do sufoco financeiro.
Segundo Rigoni, no entanto, antes que a medida chegue as suas mãos é preciso que ela seja aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). Na última quarta-feira (11), a discussão da proposta na CCJ foi adiada pela segunda vez porque faltou número suficientes de deputados para uma votação inicial.
Nesta entrevista Rigoni traz detalhes da PEC e de como ela será conduzida. Segundo o relator, em dois anos seria possível reorganizar o saldo negativo da União. Confira.
Qual sua avaliação sobre a atual situação dos gastos da União?
Tem um problema central que vem desde a segunda metade dos anos 2000. O governo entrou em uma trajetória de endividamento muito acelerada, que vai demorar a ser revertida. A Reforma da Previdência foi um passo importante, mas não é suficiente para resolver o problema do endividamento. Além disso, desde 2014 começamos a ter uma receita menor do que a despesa. O grande vilão dessa história são as chamadas despesas obrigatórias que o governo tem que fazer. Hoje elas já ocupam 96% do orçamento da União. De 2016 para cá aumentaram em R$ 200 bilhões e, em 2020, serão outros R$ 50 bilhões a mais de despesas obrigatórias. O grande vilão é a velocidade na qual elas aumentam.
Como ficam os investimentos nesse cenário?
Neste ano, serão realizados R$ 27 bilhões de investimento pelo governo federal. No ano que vem serão R$ 19 bilhões. Se não fizermos nada, não vai ter dinheiro em 2021 para investir.
A PEC da Regra de Ouro vai solucionar o problema?
O teto de gastos para controlar as despesas vai reverter o problema de endividamento. Se não fizer nada, não dará para reverter. A PEC desonera, desvincula e desobriga o governo. A estimativa é de que sejam liberados R$ 102 bilhões por ano. Isso faz ao mesmo tempo o gasto público diminuir e o governo ter dinheiro para investir.
Como vai ser o relatório sobre a PEC?
Vamos fazer um plano emergencial de contenção de gastos obrigatórios que seja duro e temporário. Vamos usar a regra de ouro que já está na PEC. As medidas em si já estão nela. O tema central é dar uma freada brusca nos gastos durante os próximos dois anos.
Quais serão as estratégias para que o governo tenha recursos para sobreviver?
A desvinculação dos fundos. O governo hoje tem 260 fundos sem destinação específica ou não usados. Fora isso, tem a redução de subsídios tributários e a suspensão das transferências de recursos do Portal do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Como cortar custos sem diminuir os investimentos?
Nada disso (que será cortado) é investimento. Não estamos mexendo em investimento, mas em gastos obrigatórios, como o funcionalismo público. Fazendo essa liberação você garante dinheiro para o governo realizar investimentos.
A regra de ouro proposta pelo deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) vai ser efetiva? Por quê?
Vai. Ela diz que você não pode pegar empréstimo se não for para investir. Hoje já pegamos empréstimos para custeio. No momento em que aprovarmos a PEC ela já vai ser aprovada com os gatilhos todos ativados, contendo gastos.
A PEC 241/2016, aprovada durante o governo Temer, prevê a revisão do teto de gastos em 2026. A nova proposta pretende manter essa regra?
Vai continuar. Mas, em 2026, quando chegar o prazo previsto para se revisar o teto sem necessidade de emenda constitucional, queremos que já existam regras fiscais para o Brasil. Vamos tentar estabelecer agora com a PEC da Regra de Ouro.
A redução da jornada de trabalho de servidores e o corte proporcional de remuneração vai estar contemplada na proposta?
Continuam contempladas. Se não tiver isso, vamos ter que demitir o servidor. A regra é temporária e vai ser negociada pelo governo com cada sindicato de cada categoria. Será basicamente um pacto pelo emprego do servidor para manter o equilíbrio fiscal e, consequentemente, manter o número de servidores.
Como ficarão as transferências para Estados e municípios? E as da educação e saúde?
Não mexeremos com as porcentagens de educação, saúde e fundos de participação de estados e municípios. As transferências para estados e municípios são uma questão federativa que pode ser discutida, não na PEC, mas no pacto federativo.
Como será realizado o controle de despesas para pessoal e custeio?
Tem o limite de gastos. Todo o ano o relatório com as despesas é enviado para prestar contas, com o relatório de execução regulamentário é possível saber se esse teto foi atingido.
Acha que há ambiência no Congresso para haver essa mudança? Como acelerar o processo?
Se o governo sinalizar que de fato isso é importante para eles, e é, o Guedes até falou que é, aí tem (ambiência) sim. Se o governo falar que não, será difícil.
A PEC deve ser aprovada ainda neste ano?
Aprovar a PEC como um todo não, mas o texto final deve ser aprovado na comissão especial até dezembro. São 25 técnicos da Câmara, governo e pesquisadores de fora que estão trabalhando neste projeto.
O deputado tem recebido alguma pressão para flexibilizar o teto?
Não, porque desde o início falei que isso não vai acontecer. Não da minha parte. As pessoas percebem a necessidade do teto, mas ainda estão esperando o governo sinalizar que ele é importante.
Qual será o impacto dessas medidas para estados e municípios?
Estamos vendo o quanto dessas medidas podem ser levadas para entes subnacionais, como os estados. O Espírito Santo está muito equilibrado, mas falta a reforma da previdência estadual. Quando você vai fazer a indexação (reajuste) você libera mais dinheiro para o governo fazer investimento, como o Caminhos do Campo e para construir escolas. A proposta ajudaria mais os estados e municípios que estão em dificuldade de duas formas: diminuindo os custos fixos e liberando mais dinheiro da União para esses entes.
O presidente do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Marcos Lisboa, declarou na última semana que o governo federal está adotando medidas criativas que mais parecem do governo Dilma para enfrentar as dificuldades econômicas que vem passando. Entre elas está a de receber antecipadamente dividendos de estatais. O senhor concorda com o presidente do Insper?
Concordo. É bobeira essas coisas. Tem coisas melhores e mais cientificamente comprovadas para recuperar a economia fiscal do país. A PEC em análise, por exemplo, vai dar fôlego à economia nacional.
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