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'Não se deve perder tempo olhando para o concorrente. Olho no cliente'

"Não se deve perder tempo olhando para o concorrente. Olho no cliente"

O gerente-geral da Kindle Brasil, do grupo Amazon, Alexandre Munhoz, afirma que pensar a longo prazo foi fundamental para que o negócio se desenvolvesse e crescesse, além do investimento em inovação e foco no cliente

Publicado em 8 de setembro de 2019 às 00:29

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A tecnologia tem provocado uma corrida pela inovação. Empresas tradicionais tentam reescrever suas histórias e se vêem ameaçadas pela forma que os negócios nativos digitais conseguem cativar consumidores e dominar mercados que muitos achavam que eram inabaláveis. Nessa concorrida pela sobrevivência, muitas companhias se preocupam com a concorrência e se esquecem do essencial: do consumidor, na visão de Alexandre Munhoz, que atua como gerente-geral da Kindle Brasil, do grupo Amazon. Em entrevista exclusiva para A Gazeta, o executivo, que esteve em Vitória em agosto para participar do Fórum IEL, contou um pouco dos segredos da empresa americana que tem aos poucos se expandido para o Brasil. A inovação, segundo ele, é algo natural dentro da organização, que incentiva todos os departamentos e colaboradores a criarem novos produtos. Confira entrevista:

A cadeia varejista está em transformação. Algumas empresas estão se reinventando dentro da lógica do digital, como a Magazine Luiza, mas outras não conseguiram, como o Walmart que deixou as vendas pela internet no Brasil. Qual tem sido o papel da Amazon nessa mutação do varejo?

Hoje é difícil definir a Amazon apenas como empresa de varejo. Ela está em vários negócios diferentes. Ela parte de um problema que o cliente tem e acaba se reinventando e inovando a partir disso. Amazon começou em 1994 como uma livraria na internet. Queria ser a maior livraria, que o cliente sempre encontrasse tudo que buscava. Além disso, a combinação de ter um bom serviço, com entrega confiável e bom preço fez a empresa evoluir para outras categorias, para outras mídias, CD, DVD. Mais tarde para eletrônicos, brinquedos.

E como a empresa deixou de ser apenas uma varejista e se tornou essa gigante da tecnologia?

A empresa tinha um problema interno muito grande. Como trabalha com muitos dados e análises para fazer a melhor entrega e oferecer para o cliente o que estava procurando dentro de uma quantidade enorme de produtos, precisava administrar isso de maneira mais eficiente possível. E a solução veio com a AWS (Amazon Web Services), uma empresa da Amazon de infraestrutura e tecnologia na nuvem que permite aumentar a capacidade à medida que era necessário. No início, o modelo atendia a Amazon, mas acabou se tornando um sucesso e atendendo outras empresas, até varejistas concorrentes, além de grupos como Disney e NASA.

A rapidez na entrega sempre foi uma preocupação da Amazon?

Existia um desafio de como melhorar a entrega. Hoje já entregamos em dois dias no EUA. Então como melhorar isso passando para um dia, algumas horas ou 60 segundos? A partir de 2007 então passamos a oferecer produtos digitais, com o Kindle. Foi inventado um modelo de leitura digital que não existia antes. Na época, formou-se uma polêmica em que o digital iria matar o físico. Acabamos comprovando que, na verdade, a gente ampliou o alcance da leitura. Nesse negócio de mídia, você disputa o tempo que as pessoas têm disponíveis para ouvir música, assistir a um filme, entrar nas redes sociais ou mesmo ler. Quisemos preencher esse espaço com mais leitura, independente do formato. As pessoas se engajam mais nesse entretenimento. Quem lê livro físico e começa a ler o digital aumenta a leitura nas duas plataformas. Uma coisa puxa a outra.

Então o livro digital não está matando o físico?

De forma alguma. Vendemos os dois formatos. A pessoa escolhe o que quiser, cada modelo tem as suas vantagens. No livro físico, usamos o marketplace, espaço para que outras livrarias vendam seus produtos dentro da Amazon. O modelo foi criado em 1999 e passou a ser padrão entre os varejistas.

No Brasil as tradicionais lojas, como Americanas, Submarino e Magazine Luiza já adotam esse sistema…

Sim. Para o cliente é bom, pois aumenta as chances de ele encontrar um livro ou qualquer outra coisa. Na Amazon, vendemos também produtos usados e acabamos com essa ideia de livro velho ou novo. Ali está apenas um livro que você leu ou não leu.

A Amazon é culpada pela crise no setor de livros?

Essa reformulação já estava vindo. A Amazon participou disso, entrou no meio, mas a crise da indústria é totalmente independente. Não somos feliz com crise nenhuma. Se você fecha uma livraria, certamente reduz o número de leitores.

Faltou inovação para as empresas?

A indústria do livro é uma das mais antigas. Toda mudança gera desconforto e você se adapta mais ou menos rápido para essa nova necessidade. Algumas demoram mais a se recuperar, outras não se recuperam. É um curso normal. Não temos o hábito de comparar com os números de concorrentes. Estamos preocupados em como atender melhor quem precisamos atender. Não se deve perder tempo olhando para o concorrente. É preciso ficar de olho no cliente. A principal ameaça é o cliente insatisfeito.

Como foi a chegada da Amazon no Brasil?

A empresa inaugurou a loja em dezembro de 2012. Nossa entrada foi com o livro digital, área que temos orgulho e conhecimento. Depois fomos expandido para o físico. Depois implementamos o marketplace, após conhecer o perfil do consumidor brasileiro, e expandimos as categorias. Iniciamos com o Prime video, que é o streaming de filmes e séries. Começamos com muitas séries originais. Em 2019 começamos a expandir nossa categoria física. Aos poucos vamos anunciar novas mercadorias.

E na área digital?

O business digital continua avançando. Até o final do ano lançaremos o assistente virtual Alexia. Ele ficou muito popular em outros países. Você conversa com ele e ele realiza funções, você pode pedir música ou acender a luz, por exemplo. Fora do Brasil existem aparelhos como o carro, que pode ser comandado pela voz.

A Amazon tem um setor de inovação?

Como tudo que faz, a Amazon aposta muito na relevância e na qualidade do que entrega. As pessoas perguntam muito de inovação. Ela parte de um exercício de todos os times da empresa. É isso que fazemos de melhor. A Amazon inova muito, mas não tem um departamento ou setor de inovação. A inovação é cultural na empresa.

Como será a expansão da Amazon no Brasil?

Em todos os lugares onde começamos, iniciamos pequenos e vamos expandindo a oferta de produtos. Aos poucos vamos entrando no mercado brasileiro.

Muito se falou que vocês podiam comprar a Saraiva, a Cultura...

Temos muito poucas histórias de aquisição, até porque o nosso modelo é muito próprio. Mais do que marca, o nosso jeito de fazer não tem tanta pressa. Nosso compromisso é com o longo prazo. Quando falamos isso, parece até que é algo fácil. Ser focado no cliente e pensar no longo prazo, é super difícil porque você é cobrado a todo momento.

O investidor entende essa visão de longo prazo?

A Amazon abriu capital em 1997, depois de três anos de funcionamento. Em carta aos investidores, Jeff Bezos [dono da Amazon] afirmou que o compromisso era no longo prazo e que poderia, no curto prazo, perder resultado. Tem que ter coragem para falar isso ao mercado financeiro. O Prime é um caso emblemático. Ao assinar, a pessoa tem direito de comprar um milhão de produtos com entrega de até dois dias e grátis. Isso vale até para uma escova de dente, produto mais barato que o frete. Parecia irracional. No curto prazo, a conta não fecha. Mas a aposta era de que o serviço seria tão bom que ia gerar fidelidade. Mais tarde o prime expandiu e passou a oferecer todo o conteúdo de livros, música e vídeo. Fomos ganhando com as assinaturas, com a expansão do número de clientes.

Esse foi o segredo da Amazon?

Às vezes as pessoas procuram respostas glamourosas, mas o segredo foi olhar obcecadamente para o cliente. Todos os times do negócio têm uma cultura de obsessão, de ser o melhor do que é hoje. Antes de fazer a conta do quanto vai custar algo, pensamos que vamos fazer uma coisa muita boa. Depois colocamos tecnologia nela. A lógica é lançar algo útil, que o cliente não pode viver sem. O inovador, o engenheiro, o profissional do marketing têm que pensar de maneira muito simples: como vai ser o resultado lá na ponta?

Estão em busca de negócios parceiros em diversos Estados, como o Espírito Santo? Miram alguma empresa capixaba?

Se tiver uma livraria em Vitória que queira vender para o Brasil inteiro, se a loja, mesmo pequena, tiver um site pode se tornar parceira da Amazon e vender para todo o território nacional. Não temos restrição nenhuma, até pela nossa lógica de ter tudo que o cliente procura. Então, qualquer empresa, qualquer categoria é candidata de vender lá. Na verdade o que vai definir é o nível do serviço que ela oferece.

A Amazon avalia permitir que o usuário do Kindle no Brasil possa emprestar o livro digital para outra pessoa, como já ocorre nos EUA?

Isso não é um recurso impossível, mas temos outros produtos que estamos avaliando. Temos algumas prioridades. Vou evitar especular porque também não tenho essa resposta. As inovações vão surgindo.

E o Kindle colorido?

Quando o Kindle foi inventado, existiam outros leitores digitais que nunca tinham vingado. Por causa da lógica de fazer tudo obcecadamente com qualidade, a Amazon criou uma tela que parece papel, que gasta menos bateria, que irrita menos o olho, não esquenta, é leve. O conteúdo colorido está no aplicativo para outros aparelhos. Nosso negócio Kindle não é o aparelho é o conteúdo. Se você não tem o aparelho e prefere ler no celular, tanto faz. Para a gente, isso absolutamente não muda nada.

Por que os preços dos livros digitais são bem parecidos com o dos físicos ou até mais caros?

O cliente espera que o livro digital seja mais barato. A definição do preço não depende só da Amazon. Depende também da editora, dos autores. Mas são cada vez mais raros esses casos de livros digitais mais caros. Essa é uma métrica que acompanhamos de perto. Sempre se falou sobre como uso do papel mata árvores, os aparelhos, aparentemente, são mais sustentáveis. Porém eles geram lixo eletrônico que também afeta o ambiente.

Como você avalia os impactos desses materiais?

Essa é uma boa e difícil pergunta. Nós trabalhamos com um modelo de deixar o cliente escolher. Para mim, pessoalmente, o benefício maior não é a tela, e sim a disponibilidade de baixar o livro quando quiser, ou de ler apenas uma amostra de graça. Nós, na verdade somos um grande intermediário, que pode ser dispensado eventualmente. Se um dia, descobrirem um jeito de chegar direto ao leitor com boa qualidade, os intermediários não precisarão mais existir. Fica a cargo do usuário escolher a forma em que vai ler.

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(Com colaboração de Siumara Gonçalves)

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