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Acordo Mercosul-UE foi resposta a guerra comercial, diz ministro argentino

Acordo Mercosul-UE foi resposta a guerra comercial, diz ministro argentino

Dante Sica afirmou também que encontro entre Macron e Bolsonaro foi mediado por Macri

Publicado em 9 de julho de 2019 às 10:00

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Dante Sica. (Divulgação)

Um dos elementos fundamentais que permitiram o fechamento do acordo foi "a necessidade de a Europa dar uma resposta à guerra comercial entre a China e os EUA", disse o ministro da Produção e do Trabalho argentino, Dante Sica, 61, sobre o que chama de "sprint final" do fechamento do acordo entre União Europeia e Mercosul. Assim como o chanceler Jorge Faurie, Sica participou da negociação final e também chorou com a finalização do tratado.

Em entrevista à reportagem em seu gabinete, no centro de Buenos Aires, Sica disse também que o presidente argentino conversou pessoalmente com Bolsonaro e Macron e convenceu o primeiro sobre a permanência no Acordo de Paris, e o segundo sobre a necessidade de superar a preocupação dos produtores franceses com o tratado.

"Foi Macri quem armou a reunião entre Bolsonaro e Macron para que acertassem suas diferenças", disse o ministro da Produção e do Trabalho argentino, Dante Sica, 61, sobre o que chama de "sprint final" do fechamento do acordo entre União Europeia e Mercosul.

Em cinco ou dez anos, em que estará diferente a vida de argentinos e brasileiros por conta desse acordo?

Quando olharmos à distância para este momento, vamos vê-lo como um episódio transcendental no que diz respeito às nossas economias. Até sexta-feira (28), o Mercosul era um dos blocos regionais mais fechados do mundo. Tínhamos acordos de livre-comércio com menos de 9% do PIB mundial. Hoje podemos dizer que temos acordo de livre-comércio com 30% do PIB mundial. É certo que vai haver um período de um ano e meio a dois anos até que o acordo entre em vigência. Mas alguns efeitos serão sentidos de imediato. Já estamos sentindo.

Por exemplo?

Estamos num momento em que há um grande debate sobre multilateralismo e protecionismo no comércio internacional. E o fato de que dois grandes blocos assinarem um acordo como esse, reafirmando o multilateralismo, é muito importante.

O segundo efeito é que, para países como a Argentina, que até hoje foi um assassino em série de contratos, assinar um tratado, no qual aceitamos regras com relação às normas de origem, de proteção aos investimentose e de adequação de normativas regulatórias é excepcional.

Isso reduz muito a incerteza para as empresas internacionais, não só as já instaladas em nosso país, mas também as que querem se instalar aqui.

Para a Argentina e para o Brasil já haverá um impacto no processo de investimentos estrangeiros, seremos vistos com outros olhos, com mais confiança.

O fato de termos fechado esse acordo vai impactar positivamente na tomada de decisões daqueles que planejam investir em nossos países

Mas é algo que o consumidor-médio perceberá imediatamente?

Não creio que este consumidor vá sentir agora, mas ele verá que se gerou uma nova expectativa, uma mudança de rumo, e que se consolidou uma orientação com relação ao multilateralismo que me parece importante. Os quatro países do Mercosul já têm agora a obrigação de acelerar nosso programa de reformas e de melhoria de competitividade.

Quais são os desafios imediatos?

Tanto a Argentina como o Brasil têm desafios porque precisam baixar custos, em especial os custos logísticos. Estamos numa parte muito isolada do mundo, longe dos principais centros, e portanto temos que integrar mais nosso território em matéria de infraestrutura econômica e digital.

Também há muito o que avançar em termos de modernização de normas trabalhistas. Estamos fechando um acordo com um parceiro que tem critérios trabalhistas muito similares ao da região, mas ambos terão de trabalhar para se adequar a um novo mundo do trabalho, com inovações tecnológicas que o impactam.

O governo Macri tentou aprovar uma reforma trabalhista, mas houve uma reação muito grande dos sindicatos que o impediu. Como avançar nessa área?

A Argentina tem dois grandes desafios. O primeiro é que o equilíbrio de nossa política econômica é muito medíocre, e isso gerou uma baixa taxa de emprego formal. Hoje temos um piso de 35% de informalidade, ou seja, 4 milhões de trabalhadores que não têm garantidos os direitos trabalhistas mínimos.

Nosso primeiro desafio é como dar direitos a esses trabalhadores que não os têm. O segundo é nos adaptarmos a essas mudanças tecnológicas que geram novas formas de emprego.

E o Brasil?

O Brasil avançou e fez uma reforma importante na área trabalhista, mas agora, e estamos olhando isso com muita atenção, vemos que há um processo de judicialização grande. Muito do que se levou adiante foi muito disruptivo e gerou processos de judicialização que afetaram sua produtividade.

Queremos levar adiante um programa de modernização trabalhista. Queremos reduzir, em geral, todo o sistema de judicialização do mercado de trabalho. Há um enxame de leis e de multas trabalhistas que empatam o avanço da modernização nessa área, nos dois países.

Nos últimos dias o presidente-executivo da Fiat Argentina disse que se tivesse de escolher entre um carro brasileiro e um europeu, escolheria o europeu, se estivessem ambos com o mesmo preço. Esse tipo de declaração não é preocupante?

Não, Brasil e Argentina avançaram muito no processo de integração dos nossos mercados. Nós acreditamos que conseguimos um acordo muito bom em matéria automotriz, que dará a essa indústria o tempo que ela requeria para se adaptar às novas regras da competição.

Como foi essa aceleração final no fechamento do acordo? O que pesou mais foi a competição entre EUA e China?

Sim, este foi um dos fatores mais importantes. Mas nos últimos três anos e meio, com a gestão do presidente Macri, houve um impulso grande para que a Argentina fizesse acordos internacionais desse porte.

O presidente avançou não apenas na iniciativa de conversar com todos os países do bloco, mas também de telefonar pessoalmente para Merkel, para Macron, para quem fosse necessário para falar de assuntos específicos que estivessem empacando o tratado.

Os movimentos que fez na última semana, promovendo a reunião entre Bolsonaro e Macron, no Japão, foi decisivo. Depois das declarações de Macron sobre a posição de Bolsonaro e o Acordo de Paris, Macri conversou com ambos para que conversassem e dissipassem suas dúvidas de um com relação ao outro.

Também foi importante para a aceleração final a mudança de governo no Brasil. Não é que Temer não tenha liderado, mas ele estava num momento de transição, então a velocidade que podia imprimir ao processo não fez com que a estrutura burocrática do Brasil o acompanhasse.

Já Bolsonaro e sua equipe técnica, com quem começamos a falar a partir do dia 16 de janeiro, na visita que fizemos ao Brasil, permitiram que se pusesse rapidamente na agenda a necessidade de fechar esse acordo.

Isso fez com que, na primeira reunião que tivemos com a União Europeia em março, pudéssemos colocar pontos finais em capítulos muito importantes.

Esse sprint [aumento na velocidade] apenas teve de definir pontos muito específicos do setor agrícola, porque muitos dos outros já estavam fechados.

Mas, é preciso reforçar que a Europa, de fato, estava ansiosa para dar uma resposta a essa guerra comercial entre EUA e China. Isso foi essencial. Portanto houve um conjunto de fatores que contribuíram para que tivéssemos esse desfecho

A saída do Reino Unido da União Europeia diminui a importância do acordo?

Não, na verdade nos cria uma oportunidade. Esse acordo vai fazer com que o Reino Unido coloque o Mercosul como prioridade, já que grande parte do que exportávamos para a Europa antes ia para o Reino Unido.

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Ter esse acordo pronto simplifica as coisas. Se em outubro, de fato, eles saírem da União Europeia, vamos apresentar-lhes esse mesmo acordo e usá-lo como ponto de partida para trabalhar em um tratado separado com eles.

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