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Jacques Chirac crítico da invasão ao Iraque e ícone dos millennials

Jacques Chirac crítico da invasão ao Iraque e ícone dos millennials

Jacques Chirac, presidente da França de 1995 a 2007, morre aos 86 anos

Publicado em 26 de setembro de 2019 às 09:51

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Jacques Chirac. (Divulgação/Mosaique)

Figura maior da política francesa, a primeira encarnação de Jacques Chirac foi a de jovem tecnocrata na fase final da presidência de Charles De Gaulle (1959-1969). Em maio de 68, posicionou-se como mediador entre o governo, os empresários e os sindicatos nos acordos que selaram o fim das grandes greves que paralisaram a França. Quando De Gaulle faleceu em 1970, Chirac saiu na frente para reivindicar a herança do grande líder francês do pós-guerra.

Foi nessa condição que Chirac aderiu ao governo Giscard D'Estaing, eleito em 1974. Como primeiro-ministro, Chirac teve um papel fundamental na votação da lei Veil, que legalizou o aborto na França e marcou uma virada na batalha pelos direitos da mulher na Europa. Mas o governo D'Estaing, que pode ser visto como um precursor do projeto centrista de Emmanuel Macron, não vingou. Liderados por François Mitterrand, os socialistas chegaram ao poder em 1981, e Jacques Chirac emergiu como patrão da direita francesa.

Ele chegou a primeiro-ministro em 1986, depois de seu partido vencer as eleições legislativas convocadas por Mitterrand para fazer frente à crise de identidade da esquerda, traumatizada pelas políticas pró-mercado do governo. Dado como favorito nas eleições de 1988, Chirac foi desfeito por Mitterrand nos debates televisivos. A reeleição de Mitterand selou o fim da primeira encarnação de Chirac.

Afastado do executivo, Chirac reassumiu a prefeitura de Paris, conquistada em 1977. Nesse ano, a eleição para o posto tinha sido restaurada quase um século depois da Comuna de Paris (1871), insurreição que levou o Estado a retirar os poderes municipais da capital.

A relativa ausência de enquadramento institucional na prefeitura permitiu a Chirac fazer das suas, aparelhando a máquina pública e desenvolvendo esquemas que o permitiram se reeleger como prefeito por duas décadas. E o envolveram em escândalos que o perseguiram durante muito mais tempo.

A partir dessa posição privilegiada, Chirac fez a sua travessia do deserto, observando à distância o segundo mandato de Mitterrand. Quando se aproximavam as presidenciais de 1995, ele era tido como carta fora do baralho, a ponto de um de seus adeptos mais em vista, Nicolas Sarkozy, declarar apoio a Édouard Balladur, um aristocrata visto como ultraliberal. 

No papel de azarão, Chirac montou uma campanha pioneira baseada no conceito de "fratura social", elaborado pelo sociólogo Emmanuel Todd. Ultrapassou Balladur no primeiro turno e venceu o segundo contra o socialista Lionel Jospin, dando início à sua segunda encarnação, desta vez como presidente da República.

O primeiro mandato foi globalmente ruim; o seu primeiro-ministro e braço direito, Alain Juppé, acabou fritado por uma reforma da educação que sufocou o governo durante ano e meio. A iniciativa de convocar eleições legislativas para colocar água na fervura, sugerida por Dominique de Villepin, precipitou o regresso dos socialistas ao poder, com Jospin assumindo como primeiro ministro.

Ao lado de estrelas como Dominique Strauss-Kahn e Martine Aubry, Jospin ocupou todo o território. Nesse período, Chirac é mais lembrado pelos seus festejos efusivos na final da Copa de 1998 do que pelos seus posicionamentos políticos. Notoriamente diletante, Chirac era um presidente fraco e um homem feliz.

O começo do segundo mandato foi provavelmente o momento mais importante da sua carreira política. Depois do catastrófico desempenho da esquerda na presidencial em 2002, Chirac, reeleito no segundo turno com mais de dois terços dos votos, formou um governo que dignificou um país humilhado pela ascensão de Jean-Marie Le Pen ao segundo turno das presidenciais.

Num primeiro movimento, Chirac reorganizou a direita republicana para fazer frente à extrema-direita, liderada pela Frente Nacional de Le Pen. Num segundo e mais importante movimento, reconstruiu a imagem internacional do país. A sua oposição à invasão do Iraque, hoje amplamente reconhecida, colocou a França no lado certo da História. Dominique de Villepin, ministro francês das Relações Exteriores, ganhou o respeito do mundo ao enfrentar os Estados Unidos na ONU.

Com problemas de saúde, Chirac atravessou a fase final do seu segundo mandato assistindo à violenta disputa pela sua sucessão, entre o bonapartista de Villepin e o orleanista Sarkozy, tema de um filme obrigatório para aprendizes políticos -A Conquista", de 2011. Diante da renovação dos quadros políticos completada pela eleição de Sarkozy em 2007, Chirac parecia condenado a terminar a sua trajetória política num relativo esquecimento.

A terceira encarnação de Chirac começa alguns anos depois de sua retirada da vida política. Os millenials, que curiosamente mal conheceram Chirac como presidente, o elegeram como ícone vintage da política francesa. Os seus discursos são remixados em músicas eletrônicas, o seu rosto, estampado em camisetas, e suas fotografias viajando de terno e mocassins geram todo tipo de memes. Para a surpresa de todos, Chirac se tornou embaixador da "french touch" no mundo digital.

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É possível que o lado bonachão de Chirac sirva de conforto para uma geração cansada de Sarkozy, desacreditada com François Hollande, enojada por Marine Le Pen e enfadada por Emmanuel Macron. Por conta das tiradas em inglês macarrônico, da paixão pelo sumô, da intimidade com vinhos e champanhes e da cumplicidade com a esposa Bernadette, Chirac sempre despertou entre os jornalistas um sentimento que se faz cada vez mais raro com relação aos políticos: a vontade de convidá-lo para tomar uma cerveja.

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