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Dez anos após morte em queda de ponte, destroços viram briga na Justiça

Dez anos após morte em queda de ponte, destroços viram briga na Justiça

Ponte Getúlio Vargas estava desativada desde 1991, porém moradores usavam o local para caminhar. No dia 19 de janeiro de 2009, parte dos vãos da ponte caíram. Uma pessoa morreu

Publicado em 17 de janeiro de 2019 às 17:30

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Ponte Getúlio Vargas, em Linhares: 10 anos depois, destroços da estrutura não foram retirados. (Loreta Fagionato)

Uma tragédia que marcou a cidade de Linhares, na região Norte do Estado, completa 10 anos neste sábado. No dia 19 de janeiro de 2009, às 6h30, a Ponte Getúlio Vargas desabou e duas pessoas caíram no Rio Doce. Uma conseguiu se salvar. Já a manicure Devani Farias de Souza, de 43 anos, que caminhava pela ponte, não conseguiu sair das águas e morreu.

Mesmo após tantos anos, as ruínas continuam no local. O que restou da antiga travessia da BR 101 acima do Rio Doce é hoje alvo de processos por parte do Ministério Público Federal (MPF) contra o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e a União. O MPF pede que os órgãos federais façam a remoção do que restou da estrutura e a retirada dos destroços no Rio Doce.

Em nota, o MPF informou que a ação foi recebida pela Justiça em setembro de 2018, os réus foram citados e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) foi intimado para manifestar interesse nos autos. “Depois de encerrado o prazo dado ao Ibama, deve ser marcada a primeira audiência”, diz a nota.

JOGO DE EMPURRA

Ponte Getúlio Vargas, em Linhares: 10 anos depois, destroços da estrutura não foram retirados. (Loreta Fagionato)

Já o Ibama afirmou que encaminhou uma manifestação ao Ministério Público Federal em 26 de dezembro de 2018. No documento, o instituto defende primeiro que, após a concessão da BR 101 no Espírito Santo à Eco101, o responsável pelos processos de licenciamento ambiental da rodovia junto ao Ibama deixou de ser o Dnit para ser a concessionária. Por conta disso, a retirada da ponte seria responsabilidade da Eco101.

No entanto, a empresa justificou ao instituto que a ponte não está incluída na relação de bens arrolados à concessão e que se encontra fora da faixa de domínio da rodovia, Portanto, não seria responsável pelo passivo ambiental.

Por conta disso, o Ibama pede que não seja incluído na ação do MPF, já que o Dnit não é mais titular dos processos ambientais da BR 101 e a ponte antiga não é incluída no rol de passivos ambientais da Eco101.

Em nota, a concessionária informou que a Ponte Getúlio Vargas não faz parte da BR 101. "Quando a concessionária assumiu o trecho da BR 101/ES/BA em 2013 (4 anos após a queda), a referida ponte, que já havia sido substituída pela atual ponte de Linhares, não foi incluída pelo Dnit ao Termo de Arrolamento de Bens (Anexo 1, do Contrato de Concessão), não integrando, portanto, o inventário de bens sob gestão da Eco101", diz o texto.

Além disso, a Eco101 explica que os destroços estão fora da faixa de domínio da rodovia, situação que já foi demonstrada ao Ibama por meio de ofício. "Desta forma, cabe aos responsáveis pela área efetuarem a limpeza do local. A concessionária esclarece que as atividades da Eco101 seguem as determinações do contrato, como é o caso da atual ponte de Linhares, estrutura que a Eco101 faz as manutenções necessárias", conclui a nota.

Procurada, a Prefeitura de Linhares explicou que a ponte fazia parte da BR 101 e, portanto, é uma rodovia federal. Com isso, o Executivo municipal não pode interferir na questão.

O Dnit foi procurado pela reportagem, mas não respondeu.

OUTROS DESABAMENTOS

Ponte Getúlio Vargas, em Linhares: 10 anos depois, destroços da estrutura não foram retirados. (Loreta Fagionato)

Menos de um mês após a queda de parte da Ponte Getúlio Vargas, em 10 de fevereiro de 2009 outro vão do final da estrutura também caiu no Rio Doce. Ninguém ficou ferido porque o local estava interditado. Dois anos e meio depois, em 27 de novembro de 2011, outro vão desabou. A parte já estava abalada desde a última queda, no dia 13 de fevereiro de 2011.

HISTÓRICO

A ponte foi construída em 1954 e fazia a ligação entre a rodovia federal e o Centro de Linhares. Em 1991, 37 anos depois, a estrutura foi desativada para o tráfego de veículos, já que havia sido inaugurada uma nova ponte. Com a desativação da antiga ponte para a passagem de automóveis, moradores passaram a usá-la para se exercitar e fazer caminhadas.

CONDENAÇÃO

Ponte Getúlio Vargas, em Linhares: 10 anos após a queda, destroços continuam no local. (Loreta Fagionato)

O ex-superintendente do Dnit, Élio Bahia Souza, foi responsabilizado pela queda da ponte e pela morte da manicure Devani. Ele foi condenado a três anos e quatro meses de detenção. Em sua sentença, o juiz Roberto Gil Leal cita uma denúncia do MPF, que afirmava que o Élio Bahia era responsável pela análise e monitoramento da ponte, que era administrada pelo Dnit.

A ele também cabia a supervisão do cumprimento das atribuições do supervisor local em Linhares, como forma de garantir a segurança da estrutura. O magistrado ainda citou que a população só caminhava na ponte porque acreditava que não haveria risco de queda. O ex-superintendente ainda foi condenado a indenizar a família da vítima e teve o bloqueio de ativos financeiros. 

Também ficou decidido, na sentença, que o réu deveria prestar serviços à Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Vitória, além de pagar multa de R$ 20 mil à instituição de caridade.

A DOR DA FAMÍLIA

Devani Farias de Souza morreu após cair no Rio Doce com o desabamento da Ponte Getúlio Vargas, em Linhares. (Arquivo da família)

As ruínas da Ponte Getúlio Vargas representam a dor da família da manicure Devani Farias de Souza. A vítima caminhava na ponte para se exercitar quando parte da estrutura desabou. Ela caiu no Rio Doce e morreu. Devani deixou quatro filhos e sua morte inesperada causou um enorme sofrimento a todos. Dez anos depois, a filha Wenna de Souza, de 26 anos, reconstrói a vida. A estudante de Enfermagem conta que a saudade é grande e que foi difícil viver sem sua mãe.

“Ela era o nosso alicerce, nosso porto seguro. Foi uma mulher guerreira que lutou até na hora da morte. Não podemos mais tê-la ao nosso lado, só podemos sentir a saudade e a revolta de que, se a ponte fosse interditada, hoje ela estaria conosco. Para os culpados é apenas mais um caso, para nós é uma grande perda e a saudade nunca vai passar”, lamentou Wenna.

A filha da vítima contou que ainda é muito difícil passar no local onde aconteceu a tragédia. “Os destroços da ponte já foram um grande incômodo em nossas vidas. Mas, fazendo ou não a retirada, não resolverá nada para nossa família. Toda a vida saberemos que foi naquele lugar, onde havia uma ponte, que nossa mãe partiu”, afirmou Wenna.

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Corre na Justiça um processo de indenização para a família de Devani por conta da morte da manicure. Segundo Wenna, eles ainda não receberam nenhum dinheiro. “Se eu terminei o ensino médio e sobrevivi foi porque clientes da minha mãe e minha diretora de escola na época me ajudaram, porque se fosse depender de algum órgão culpado eu nem sobreviver conseguiria. Sabemos que temos direito a uma indenização, mas isso não foi solucionado até hoje”, explicou a jovem.

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