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Rio registrou média de 20 tiroteios por dia em janeiro

Rio registrou média de 20 tiroteios por dia em janeiro

Levantamento mostra que Região Metropolitana teve 640 confrontos só em janeiro

Publicado em 1 de fevereiro de 2018 às 10:27

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(Pixabay)

Amparada por um homem, uma mulher aos prantos, grávida, corre para escapar de um tiroteio na Linha Amarela. Os dois sentidos da via expressa estão fechados: morteiros são disparados contra veículos, enquanto chamas consomem pneus e pedaços de madeiras jogados no asfalto. O cenário de terror tomou forma na manhã desta quarta-feira, depois que um dos chefes do tráfico da Cidade de Deus foi morto, durante uma operação policial. Às margens da pista, moradores da comunidade, assustados, buscam refúgio em casas que não oferecem tanta proteção, já que estão cheias de buracos de balas, abertos ao longo de três meses de confrontos quase diários.

Situações como a de ontem na Linha Amarela — fechada quatro vezes entre 11h e 13h devido a confrontos entre PMs e traficantes — se repetiram 640 vezes em janeiro na Região Metropolitana, segundo um levantamento da equipe responsável pelo aplicativo Fogo Cruzado, que registra informações oficiais e denúncias da população. Houve, portanto, uma média de 20 tiroteios por dia. A estatística mais que dobrou em relação ao mesmo mês do ano passado, quando foram contabilizadas 317 ocorrências.

A Cidade de Deus, sozinha, teve 42 tiroteios em janeiro deste ano, mais que o triplo do total registrado no mesmo mês em 2017: 13. Ontem, de acordo com investigadores, a confusão na Linha Amarela foi uma reação violenta à morte de três homens durante uma operação da PM, entre eles Rodolfo Pereira da Silva, o Rodolfinho, apontado como um dos chefes do tráfico na Cidade de Deus. Desesperados em meio aos confrontos, vários motoristas começaram a dirigir na contramão, enquanto outros simplesmente abandonavam seus carros.

De acordo com Cecília Oliveira, gestora do Fogo Cruzado, a situação da Cidade de Deus, este ano, é semelhante à da Rocinha: os tiroteios são quase diários e acontecem a qualquer hora, o que afeta a vida de milhares de moradores dessas comunidades. Além disso, os confrontos vêm causando impacto na rotina de todo o Rio.

— Essa situação está arrasando com a vida dos moradores da Cidade de Deus. Muitas vezes, eles não conseguem ir para o trabalho, e, quando saem de casa, ficam presos na via expressa. A violência na região ainda atrapalha cariocas que vivem em outros bairros porque causa um reflexo numa via de grande fluxo, a Linha Amarela. Os confrontos frequentes estão mexendo na rotina de grande parte da população — afirmou Cecília, que defende mais investimentos em trabalhos de inteligência policial para restringir o que chama de “explosão de tiroteios no Rio”.

MORADORES DE VÁRIAS REGIÕES SOFREM

Um levantamento feito pelo GLOBO no perfil do Twitter da concessionária Lamsa, que administra a Linha Amarela, mostra que, ao longo do ano passado, a via teve 15 dias de paralisações no trânsito por causa de confrontos em comunidades. Oficialmente, no entanto, a empresa diz que houve três interdições “motivadas por questões de segurança pública” em 2017.

Morador do Engenho Novo, Francisco Erivaldo Nascimento, de 52 anos, ficou preso em uma das retenções de ontem, dentro de um ônibus da linha 614 (Del Castilho-Alvorada). Ele contou que a viagem transcorria normalmente pela Linha Amarela até o momento em que um grupo de policiais militares passou correndo em frente ao veículo, fazendo disparos com fuzis em direção à Cidade de Deus.

— O ônibus parou, os bandidos revidaram e, de repente, estava em uma guerra. Todos os passageiros se jogaram ao chão, ouvimos muitos tiros. Foi um milagre o ônibus não ter sido atingido. Muita gente pedia para a motorista abrir a porta, o pessoal queria sair correndo, mas ela avisava que isso seria muito perigoso. Não deixou ninguém descer e, em certo momento, acelerou, colocando fim a quase dez minutos de desespero.

Segundo um aposentado que mora há 44 anos na Cidade de Deus, a comunidade vive um dos períodos mais críticos de sua história.

— O primeiro tiroteio de hoje (ontem) começou às 7h. Graças a Deus ainda estamos no período de férias escolares, caso contrário, haveria muitas crianças saindo de casa na hora em que a guerra explodiu. Um dos bandidos mortos pela polícia era o segundo mais importante da hierarquia do tráfico, com certeza veremos mais retaliações — disse o morador, pedindo anonimato.

Vera Lúcia Fabris vive a alguns quilômetros da Cidade de Deus, no Recreio, mas também sofre com a violência desenfreada da comunidade.

— Sempre passo pela Linha Amarela, e vejo que a situação está ficando fora de controle. Vi as duas pistas paradas, policiais armados no asfalto, gente chorando. Hoje, qualquer carioca está com medo de sair de casa — afirmou Vera Lúcia.

O governador Luiz Fernando Pezão também comentou a violência na Zona Oeste:

— Hoje, a gente paga um preço pela omissão anterior. Desde 2014, quando entrei no governo, a primeira coisa que pedi em Brasília foi apoio (à segurança pública). O tráfico tem arsenal em várias comunidades, na Cidade de Deus não é diferente.

Já o secretário de Segurança, Roberto Sá, disse que as cenas vistas na Linha Amarela são imagens de uma pasta que luta “com os recursos que tem”:

— O fechamento da Linha Amarela foi uma resposta do tráfico a uma ação da polícia contra o crime. É lamentável ver, mais uma vez, uma via tão importante parar devido a uma situação de violência. Mas isso aconteceu porque a polícia está ali, trabalhando para tentar evitar delitos contra a nossa sociedade.

POLICIAMENTO ESCASSO DURANTE A MADRUGADA

No período da madrugada desta quinta-feira, após um dia em que foram registrados tiroteios, protestos e interdições, a situação era aparentemente mais tranquila na Linha Amarela. Motoristas que trafegavam pela via expressa, porém, se deparavam com um policiamento escasso na pista. A reportagem percorreu duas vezes o sentido Barra da Tijuca e também o sentido Fundão e, ao menos neste período (cerca de duas horas), não foram vistas patrulhas da Polícia Militar no trecho da Cidade de Deus da Linha Amarela. No dia anterior, a corporação havia informado que o policiamento seria reforçado na região.

Bem verdade é que havia veículos da Polícia Militar em vias próximas à Linha Amarela: como na Avenida Ayrton Senna, perto do antigo Barra Music; nos arredores de uma unidade do Sesc localizado na região; e próximo à Vila Pan Americana. Além disso, havia um carro da PM posicionado nua rua lateral a um conjunto habitacional, nos acessos para a Cidade de Deus.

Durante o percurso, a equipe de O GLOBO flagrou veículos da PM em outros pontos da Linha Amarela. Pouco antes das 2h, por exemplo, havia uma patrulha parada na altura da Freguesia. Outros veículos da corporação trafegavam, em diferentes momentos, pela via expressa nos trechos de bairros da Zona Norte como Bonsucesso, Inhaúma e Del Castilho.

Sobre a comunidade, havia relatos em redes sociais dando conta de que moradores teriam voltado a ouvir barulhos de disparos na Cidade de Deus, no fim da noite desta quarta-feira. A informação foi confirmada pela Polícia Militar. Segundo informou o 18º BPM (Jacarepaguá), não houve acionamento para tiroteios a região da comunidade naquele período.

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