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'Só mais duas mortes de jovens da periferia', diz irmã de vítimas

"Só mais duas mortes de jovens da periferia", diz irmã de vítimas

O desabafo é de uma das irmãs de Damião e Ruan, mortos no morro em março

Publicado em 22 de abril de 2018 às 00:21

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Ruan Reis (à esquerda) e Damião Reis (à direita): irmãos mortos na madrugada deste domingo com mais de 20 tiros cada. (Reprodução/Facebook)

Os tiros romperam o silêncio e acordaram os que dormiam no morro da Piedade, em Vitória, na madrugada do dia 25 de março deste ano. À 1h50, não só duas, mas 15 vidas de uma mesma família se quebraram. Morreu Damião, morreu Ruan. Mataram os irmãos Reis.

Quase um mês após o crime, parentes das vítimas e uma comunidade inteira tentam seguir adiante, calados e com medo. “Não podemos nem chorar a morte deles, muito menos pedir justiça. Fomos ameaçados. Talvez pelas mesmas pessoas que tiraram as vidas dos meus irmãos”, desabafa uma das irmãs das vítimas.

O professor de capoeira e pedreiro, Damião, 22 anos, e o irmão dele, Ruan, 19, foram executados com 20 tiros cada um, a poucos metros de casa, por um grupo de quatro homens que invadiu o quintal da residência deles. O crime, que deixou um rastro de devastação e revolta, segue sem solução.

Aterrorizada, a irmã de Ruan e Damião aceitou conversar com a reportagem, mas sem se identificar e longe do bairro onde nasceu e cresceu com os meninos. Ela conta como a família tenta se reerguer após o assassinato brutal dos jovens e diz que só quer “saber de paz.”

RECOMEÇAR 

“A gente estava todos os dias juntos, uma proximidade grande. Só Deus mesmo para nos ajudar a seguir adiante. Foi uma violência muito grande, não tinha necessidade de terem feito o que fizeram e nem da forma que fizeram.”

SUSTENTO

“Eles eram o ganha-pão da casa até porque não temos uma renda fixa. A mãe deles tem problemas de saúde e não consegue trabalhar diariamente.”

UNIDOS

“Eram muito companheiros, parceiros incríveis. Eram do tipo: ‘Eu dou minha vida pelo meu irmão’. E foi o que aconteceu.”

DAMIÃO

“Sempre foi muito família e o que sempre deu a cara para bater. Ele nunca ia deixar um irmão cair sozinho, sem fazer nada por ele.”

RUAN

“Era um cara caladão, na dele. Era muito reservado e de poucas palavras, mas era um amor. Fazia o que podia para ajudar alguém. Não tinha tempo ruim. Gostava muito de mexer com plantas e com animais. Nós é que cuidamos dos bichos dele agora. O mundo do Ruan era o quintal dele.”

CAPOEIRA

“Os dois eram apaixonados por capoeira e estavam envolvidos no projeto com as crianças. Damião dava as aulas, mas o Ruan sempre que podia ia junto para ajudar. Fizeram as cordas para as crianças. Isso vai ficar marcado para sempre, nada vai apagar o que fizeram.”

SAMBA PAIXÃO

“Damião era apaixonado pelo samba, ele amava dançar. Tinha esperança que isso ia ajudá-lo a crescer na vida e ajudar nossa família. Era a vida dele.”

DESESPERO

“Estava dormindo na hora em que morreram, isso maltrata. Quando acordei vi minha mãe chorando, mas ela não quis dizer o que tinha acontecido. Foi quando abri o grupo de mensagens da família que descobri. Meu mundo veio abaixo. Foi desesperador. Perdi os dois de uma vez só.”

GRANDE FAMÍLIA 

“Nosso pai teve 25 filhos, tenho muitos irmãos. Alguns moram em outras cidades e estados, longe de nós. Mas os dois eram os mais grudados com a gente. Próximos, morando perto, somos em 15.”

DOR

“A forma com que eles foram mortos, de forma violenta, dói demais. A dor é muito pior do que perder alguém que se ama para uma doença, por exemplo. Não existe explicação para essa brutalidade. Não existe.”

SILÊNCIO 

“Não podemos nem expressar nossa dor, viver nosso luto. Nem a faixa deles de capoeira a gente pode pendurar do lado de fora da casa, com medo de represália ou alguém achando que é uma afronta.”

ROTINA

“Minha mãe não deixa a gente nem colocar a cara na rua direito mais. Nossos irmãos que estudam, não saem mais sozinhos. Temos medo de tudo, pavor de virem atrás da gente.”

SEGURANÇA 

“A polícia só vai no bairro quando tem uma denúncia ou quando algo acontece. Ficam rodando, mas só na rua principal, por uns três dias e depois somem. A polícia não sobe o morro. Nem ambulância. Morador quando quer atendimento médico tem que descer a ladeira.”

SEM EXPLICAÇÃO

“Acredito que foram só mais duas execuções de jovens de periferia em Vitória. Sem um porquê, uma motivação. Como já aconteceu na comunidade, só para “acordar o morro”, que é meter medo. Não estavam sofrendo ameaça de nada.”

ESPERA

“Eu não posso dizer que espero a justiça dos homens porque sei que ela vai demorar. Nem posso desejar que aconteça com as pessoas que mataram meus irmãos o mesmo que aconteceu a eles. Os dois eram muito maiores do que isso. Nunca iam querer vingança. Só espero que coloquem a mão na consciência e vejam que não mataram só duas pessoas, mas destruíram uma mãe, um pai, um filho, uma família toda.”

FILHO

“Meu sobrinho, filho do Damião, está com dois anos, era muito apegado a ele. A criança olha para o berimbau do pai e aponta chamando por ele. É de doer.”

ESPERANÇA

“Só queremos viver em paz. Tentar reconstruir nossas vidas. Nada vai trazer os dois de volta.”

LEGADO

“Os dois deixaram o maior presente que puderam, que foi manter a família unida. Principalmente o Damião, era o que ele mais prezava e insistia: ‘Não importam as dificuldades, a família é o pilar de tudo’. Queria a gente sempre unido. E assim vai permanecer.”

POLÍCIA NÃO FALA SOBRE INVESTIGAÇÃO 

A dor da família dos irmãos Ruan e Damião segue acompanhada de perto de dois questionamentos: quem assassinou os dois rapazes? Por que? Às vésperas de completar um mês do crime, a Polícia Civil ainda não se pronunciou sobre o caso.

O que se sabe sobre a madrugada do dia 25 de março é de que quatro homens armados, sendo dois com touca ninja e colete, invadiram o quintal da casa dos irmãos perguntando “cadê o patrão?” Ruan respondeu que não sabia quem eles procuravam. Os criminosos disseram que o jovem deveria acompanhá-los para conversar e ser revistado. Ele obedeceu a ordem e saiu com o grupo de casa.

Ao perceber que Ruan estava sendo levado, Damião foi atrás pedindo para soltarem o irmão. Nesse momento, os dois foram executados. Foram disparados mais de 60 tiros contra os irmãos, segundo a polícia.

Na semana que sucedeu o crime, dois protestos em homenagem aos irmãos, e também pedindo para que os assassinatos não ficassem impunes, levaram muitas pessoas para as ruas do Centro de Vitória.

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A reportagem procurou por duas vezes, na última semana, o delegado Marcus Vinícius Rodrigues, titular da Delegacia de Crimes Contra a Vida (DCVV) de Vitória. Ele não recebeu a equipe. A Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) também foi procurada e, por nota, disse que as investigações estão em andamento e pediu à população que colabore com denúncias pelo telefone 181 (Disque-Denúncia).

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