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Abusadores dão presentes e fazem promessas a crianças na Grande Vitória

Abusadores dão presentes e fazem promessas a crianças na Grande Vitória

Toda semana casos de aliciamento de menores chegam à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA)

Publicado em 15 de julho de 2018 às 23:25

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Muitas vezes de origem carente, crianças são atraídas até por doces e brinquedos. (Bernardo Coutinho/Arquivo )

Aos 13 anos, João via a mãe trabalhar 12 horas por dia fazendo faxinas para conseguir, com sorte, um salário mínimo. Com mais dois irmãos em casa, ele nunca teve um pai. Sonhava em um dia ter dinheiro suficiente para comprar um lanche de uma rede de fast food. Mas com o que a mãe recebia, mal dava para pagar contas básicas. Sabendo dessas dificuldades, um homem de 60 anos ofereceu dinheiro ao menino. Em troca, ele seria obrigado a se prostituir.

A história de João, que tem nome fictício para preservar sua identidade, não é exceção. Toda semana casos de aliciamento de menores em troca de até R$ 20 em toda Grande Vitória chegam à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA).

“São crianças e adolescentes com um perfil de vulnerabilidade social, normalmente moradoras de periferia, com baixa escolaridade, famílias desestruturadas e que muitas vezes sofrem violência em casa. Os criminosos se aproveitam dessa vulnerabilidade para atrair as vítimas com promessas de dinheiro, presentes ou carreiras de sucesso”, explicou o ex-delegado titular da unidade, Lorenzo Pazolini.

Entre os casos de crianças aliciadas, há aquelas que foram estupradas em troca de R$ 20, lanche, doces ou até brinquedos, como pipas.

Os exploradores costumam ser homens de 25 a 45 anos, que trabalham de forma lícita, com família, e aparentemente fora de suspeita. Em maio deste ano, o ex-servidor público Diniz Horácio da Silva, 47, foi preso em flagrante por abusar sexualmente de uma menina de 12 anos. A vítima receberia uma quantia em dinheiro.

“Nós recebemos uma denúncia em 19 de abril narrando que, em uma residência de um bairro da Grande Vitória, tinha um grande ‘entra e sai’ de adolescentes, principalmente no período noturno. Essas meninas iam para a casa do acusado com a finalidade de se prostituir. Recebiam dinheiro para manter relações sexuais com o morador e com os amigos dele”, explicou Pazolini.

Embora casos de estupros contra crianças e adolescentes choquem a sociedade, o mesmo não acontece quando elas são aliciadas, ou seja, atraídas para a violência em troca de algo. Segundo o ex-delegado, é comum que as vítimas sejam julgadas como culpadas.

“Essa culpabilização da vítima é uma falsa conclusão. Em sua maioria, essas crianças e adolescentes são frutos de um sistema perverso de ausência de oportunidades. Toda a vulnerabilidade que enfrentam fazem delas vítimas. E o adulto que se aproveita disso é criminoso. Mesmo que a criança aceite, a lei entende que a vulnerabilidade faz com que elas não tenham discernimento para perceber que estão sendo vítimas de um crime.”

CÓDIGO PENAL

O artigo 217A do Código Penal diz que é considerado estupro de vulnerável ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos, com pena de 8 a 15 anos de prisão. Também é considerado vulnerável se a vítima tem problemas mentais, por algum motivo incapaz de oferecer resistência. Além da denúncia na DPCA, quem desconfia que uma criança está sendo aliciada pode denunciar no Disque 100 e no Disque Denúncia, pelo número 181.

TRAUMA

Aliciado desde os 13 anos pelo mesmo homem, um idoso que hoje tem 65 anos, o estudante João, que tem nome fictício para preservar sua identidade, vive escondido em outro Estado por medo das ameaças de morte que recebeu do estuprador. O acusado foi indiciado por estupro de vulnerável, mas responde em liberdade.

Como ele te abordou?

Foi em uma padaria do bairro onde eu morava, em Cariacica. Ele se interessou por mim, perguntou meu nome para a dona padaria. Depois, me procurou no Facebook e mandou mensagem me convidando para ir na casa dele. Ele dizia que eu podia confiar pois conhecia meus pais, que tinha vários brinquedos, que era dono de uma escola de futebol e perguntou se eu tinha interesse em ser jogador. Fiquei curioso e fui.

O que aconteceu?

Vi que não tinha brinquedo nenhum. Quis ir embora, mas ele abriu o armário e me mostrou malotes de dinheiro. Disse que se eu ficasse com ele, me daria dinheiro. Sempre quis comer um hambúrguer que via na TV. Isso era luxo pra mim. Minha mãe nunca teve condições de comprar nada além do básico. Aí eu aceitei. Na época, ele me deu R$ 50.

Se viram outras vezes?

Sim, ele disse que me daria R$ 100 cada vez que eu voltasse. Por cinco anos, nos vimos cerca de duas vezes por semana. Com o dinheiro, eu comprava lanches e roupas. Eu só tinha roupa velha.

Tinha ideia que aquilo era um crime?

Não fazia ideia. Na minha cabeça, ele estava me ajudando. Hoje eu vejo que eu era só uma criança inocente e ele acabou com a minha vida. Carrego os traumas até hoje.

Como o caso chegou à polícia?

Na última vez que nos vimos, ele não quis me pagar. Disse que não tinha dinheiro e ofereceu uns perfumes. Discutimos na porta da casa dele e a polícia passou. Ele me acusou de furto, mas depois os policiais viram que no lugar de acusado eu era a vítima.

Como é a vida agora?

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Um pesadelo. Quando fomos para a delegacia, ele me ameaçou de morte. Vivo escondido e com medo.

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