> >
Traficante da Piedade tinha aparelho de choque, coletes e armas

Traficante da Piedade tinha aparelho de choque, coletes e armas

João Paulo Ferreira Dias foi preso na manhã desta quinta-feira (12) durante uma operação policial no bairro Canaã, em Viana

Publicado em 12 de julho de 2018 às 16:47

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura

Coletes à prova de balas, camisetas com nomes da Polícia Civil e até aparelho de choque foram encontrados com o traficante João Paulo Ferreira Dias na manhã desta quinta-feira (12). O "dono" do morro da Piedade foi preso durante uma operação da Delegacia de Crimes Contra Vida de Vitória (DCCV) em Viana. Junto com ele, a polícia ainda encontrou uma pistola calibre .380, munições e drogas (as quantidades estão sendo apuradas pela equipe de investigação).

João Paulo foi encontrado ao lado da irmã, Elisângela Ferreira Dias, que tinha mandado de prisão em aberto pela prática de crime de tráfico de drogas e também foi presa na operação. 

Contra o chefe do tráfico no Morro da Piedade existiam quatro mandados de prisão em aberto até esta quinta-feira (12). O último mandado foi expedido no dia 05 de julho por homicídio qualificado, crime cometido em 18 de janeiro deste ano.

Por nota, a Polícia Militar informou que "o flagrante está sendo lavrado na Delegacia de Crimes Contra Vida Vitória e posteriormente os presos serão conduzidos para as unidades prisionais competentes". Um coletiva de impressa para falar sobre a prisão de João Paulo e Elisângela está marcada para às 14 horas na Chefatura da Polícia Civil.

Em junho, o Gazeta Online publicou uma matéria mostrando a movimentação de João nas redes sociais. Ele, juntamente com outros integrantes da família Ferreira Dias, são apontados por moradores como os traficantes que comandam o Morro da Piedade, em Vitória. Veja a publicação. 

Com perfil em rede social, "dono" da Piedade desafia e promete vingança

Drogas, armas, bebidas caras e o local de trabalho, a tal "firma milionária". Sem medo de se expor e fazendo questão de ostentar poder, criminosos usam as redes sociais para mandar recados aos rivais, fazer ameaças e demonstrar sentimentos pelos membros do bando. Fontes ligadas ao Gazeta Online, que conhecem o horror imposto pela família Ferreira Dias no Morro da Piedade e região, mostraram perfis no Facebook atribuídos ao atual chefe do tráfico: o João Ferreira Dias.

No perfil mais atualizado na rede social, João se apresenta com um codinome, que faz referência a um personagem de novela "A Força do Querer", que era dono do morro. Ele também usa a sigla que representa uma das facções do crime organizado no Centro de Vitória. O Gazeta Online não vai citar os nomes dos perfis por terem imagens de crianças em postagens públicas.

Com perfil em rede social, dono da Piedade desabafa e promete vingança

João publicou nos últimos dias mensagens de luto e de vingança pela morte do seu braço direito, o traficante Walace de Jesus Santana, 26 anos, que é um dos seus amigos na página. Em 10 de junho, na data da morte do comparsa, às 13h37, ele postou: "Vai ter volta...Volta 'er' triste". Três dias depois, em 13 de junho, João escreveu, também com fundo vermelho e chamativo, o recado: "E a tropa do Neguin Walace... Us crias ta sou cpt (os crias estão só os capetas) brota".

Na mesma mensagem, há o comentário de um perfil relacionado ao Morro da Piedade: "Grt só ú ódio brota CPT (grita só o ódio capeta)". Ainda de acordo com fontes do Gazeta Online, esse perfil é de uma pessoa envolvida com o crime na Piedade. De maneira geral, eles quase não usam vogais ao escrever.

Neguin, segundo moradores da região, era o apelido de Walace, que se revoltou após a morte da prima a pauladas e da tia por bala perdida na mesma semana, em 2010, e entrou no mundo do crime.

Já no dia 16 deste mês, João fez sua publicação mais recente: "Saldade du neguin W...". A frase demonstra a ideia de 'família' dos integrantes do tráfico de drogas da mesma facção, que, no caso deles, é o Primeiro Comando da Piedade (PCP) e o Comando de Vitória (CDV). Pelo morro, a reportagem do Gazeta Online flagrou inscrições no chão com as iniciais de João Ferreira (JF) e do PCP. A sigla também está pichada na parede de algumas casas.

PCP E CDV

Além da vida real, as siglas que indicam os grupos criminosos estão presentes nos perfis de amigos de João e Walace no Facebook. De acordo com o professor universitário e Mestre em Segurança Pública, Thiago Andrade, esses nomes fazem alusão a facções de São Paulo e do Rio de Janeiro, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV).

"Inspiram, mesmo que negativamente, que jovens do Espírito Santo, em especial da Grande Vitória, usem terminologias para fazer associações com as suas respectivas representações. É uma tentativa de marcar um território, de rotular um bairro ou um pedaço específico da boca deles. Fazem isso para impor determinado respeito, que eles entendem", pontua.

FIRMA MILIONÁRIA

A expressão firma milionária também está no perfil de João e de várias amigos em comum. O termo, que ganhou projeção nacional com o funk "Firma Milionária" - do Menor do Chapa -, existe há mais tempo e retrata a ostentação, promovida com o dinheiro do crime.

"É uma terminologia em Estados como Rio de Janeiro e São Paulo, que faz alusão a uma firma do tráfico de drogas. Como se fosse uma empresa, e esse cidadão pertencesse a essa empresa em determinada função, como gerente ou dono. A firma rende lucro, que é a firma milionária. Esse lucro faz com esses donos e gerentes comecem a conquistar motocicletas, ostentem dinheiros, mulheres. É um termo que já existia".

O professor destaca que os traficantes usam a expressão com absoluta propriedade. "Quem não é do tráfico, pode, eventualmente usar, para se inserir, para dizer que faz parte. Mas esse termo é utilizado especificamente para quem faz parte dessas organizações. Tiram fotos com bebidas caras, relógios, motocicletas, com mulheres em festas, que representam essa ideia da firma milionária".

Em relação à música, Thiago destaca que o funk é um retrato do que vem sendo feito naquela determinada comunidade. A letra diz: "Pra que guardar dinheiro, se eu morrer não levo nada. Por isso eu gasto mesmo que a minha firma é milionária". O clipe do funk tem mais de 10 milhões de visualizações. 

De acordo com o professor, é considerado apologia ao crime postar fotos com armas, drogas e plantas de maconha. A pena prevista é de três a seis meses de prisão ou multa. Escrever no perfil que faz parte da firma milionária, apesar de ser uma atitude até comum entre jovens, pode ser interpretado como crime, pois o termo se refere ao tráfico de drogas.

NOMES DE NOVELAS E FILMES

Traficantes usam nomes da ficção que retratam poder, dinheiro, drogas e armas na internet. "Fazem uso desse nome por ser de conhecimento público e de abrangência nacional. Eles vinculam nomes fictícios para que possam ter ainda mais uma sensação de autoridade", explica Andrade.

IRMANDADE

O especialista afirma que a perda de membros do grupo é, de fato, um sentimento de perda familiar, como é possível ver nas mensagens de João sobre Walace. 

Aspas de citação

Há um pacto entre os elementos do grupo de irmandade, de que vão defender até a morte. Quando eles são presos, vem aquele velho jargão de paz, justiça e liberdade. Quando são mortos, tem a vingança com a morte de um outro rival, para que seja feita a justiça, no entendimento deles

Thiago Andrade
Aspas de citação

RECADO ABERTO

Um detalhe chama a atenção no perfil de João. Ele parece fazer questão de ser visto. Andrade diz que o objetivo é esse mesmo. "A disputa pelo controle do tráfico de drogas envolve justamente essa questão de você desafiar, desafiar as autoridades públicas e também o grupo rival, mandando esse recado da forma mais desafiadora possível. Ou seja, quanto mais explícita uma arma, o recado do cometimento do crime, a facção passa a ideia de ser mais forte. Tá aqui o recado, a gente não tem medo de nada. Talvez a certeza da impunidade leve esses elementos a fazer isso".

GUERRA NA PIEDADE

Desde a morte dos irmãos Ruan e Damião, em 25 de março, a guerra do tráfico na Piedade se intensificou. O pesadelo dos moradores ganhou contornos ainda piores após a morte de Walace de Jesus, em 10 de junho. Pelo menos 40 famílias já saíram da comunidade. 

Este vídeo pode te interessar

Para o Mestre em Segurança, em linhas abertas, há um conflito entre traficantes rivais, de morros vizinhos, que querem tomar o controle. "Mas, como não estou investigando o caso, não tenho propriedade para apontar nomes", diz. Andrade afirma que a polícia utiliza as redes sociais para identificar e investigar esses criminosos.

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais