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Os bairros mais violentos do Espírito Santo nos últimos 15 anos

Os bairros mais violentos do Espírito Santo nos últimos 15 anos

No último ano, 21% dos homicídios ocorreram nestes locais

Publicado em 12 de agosto de 2018 às 23:16

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Não posso abandonar tudo o que temos, mas, se pudesse, iria embora daqui

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O desabafo é de uma administradora, moradora de Feu Rosa, na Serra. O bairro dela faz parte de um conjunto de bairros - aglomerados urbanos - que há pelo menos 15 anos lidera o ranking de mortes violentas no Estado.

Nesta condição estão quase 150 bairros que foram divididos pela Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) em 20 aglomerados urbanos. São bairros muito próximos um do outro, onde o número de mortes violentas são mais frequentes.

No último ano, por exemplo, neles ocorreram 21% dos homicídios registrados no Estado. Se forem consideradas somente as mortes violentas da Grande Vitória (GV), essas localidades responderam por 37% delas. Um detalhe: esses aglomerados concentram menos de 15% dos bairros da região da Grande Vitória.

O aglomerado de Feu Rosa, que reúne ainda o bairro de Vila Nova de Colares, no ano passado registrou 34 mortes. Ficou em segundo lugar no ranking da morte, perdendo a liderança do ano anterior.

O RODÍZIO

Esta é uma característica entre eles. Ao longo dos últimos 15 anos eles mantêm uma rotatividade em relação ao primeiro posto. Mas são fixos quando o assunto é onde mais se mata no Estado.

No ano passado a liderança foi de Carapina, que reúne cinco bairros. Foram 46 mortes em um ano. O que significa dizer que os moradores de lá tiveram que conviver com pelo menos uma morte por semana.

Outro aglomerado que também está sempre nas lideranças dos casos de morte é o de Terra Vermelha, em Vila Velha. É um dos maiores, com onze bairros. Lá, em 2017, foram registrados 30 homicídios.

São locais que impõem aos moradores uma convivência frequente com os assassinatos de vizinhos, amigos, familiares ou até de pessoas desconhecidas em frente a suas casas ou nas imediações delas.

Foi o que aconteceu com a administradora, que pediu para não ser identificada por questões de segurança, e que perdeu o pai assassinado há cerca de um ano. Nos meses seguintes, outras duas pessoas foram mortas em frente a sua casa. “Nas ruas laterais, já perdi a conta”, revela.

Ao contrário de sua família, que não conseguiu se desfazer do patrimônio, sua vizinha foi embora na semana seguinte à morte de seu pai. “Só voltou para buscar a mudança”, acrescenta.

Um ritmo de vida que é marcado ainda pelos conflitos com o tráfico, que resultam em tiroteios, confrontos com a polícia, toques de recolher e mais violência. “Não é fácil viver em bairros como o meu”, diz a administradora.

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Se escuto um tiro, já fico apreensiva. Trato todos muito bem, você não sabe quem é o bandido. Não dou bobeira na rua com celular. Não fico muito tempo na rua, não frequento nem a praça local

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MOTIVOS

De acordo com o professor do mestrado de Segurança Pública da UVV, Pablo Lira, a urbanização rápida da Grande Vitória ocorrida nos últimos 20 anos, com a ocupação irregular do solo e sem infraestrutura adequada, acabou distanciando os aglomerados urbanos de receber investimentos nas áreas de educação, saúde, assistência social.

Foi o que gerou, aponta, as condicionantes sociais e econômicas que estimularam o aumento da violência. “E sem contar que são áreas com um processo acirrado de desigualdade: desemprego, renda precária, educação que não acompanham as exigências do mercado. Uma população mais vulnerável, principalmente os jovens, que sem oportunidade, vão para o tráfico”, destaca.

São áreas com um processo acirrado de desigualdade: desemprego, renda precária e educação que não acompanham as exigências do mercado, diz o professor Pablo Lira. (Fernando Madeira | GZ | Arquivo)

Outra preocupação, segundo o professor, é que com a expansão do processo de desenvolvimento, estes mesmos padrões começam a se repetir no interior. “Municípios polos, como São Mateus, Colatina e Linhares começam a passar por este processo, também com aumento das taxas de violência em seus aglomerados”, alerta.

MORADORES CONVIVEM COM O MEDO

Em bairros mais violentos, o medo está presente a todo instante, como contam moradores que vivem há muito tempo nessas localidades. Apesar do convívio diário com a violência, há o temor de que alguma guerra do tráfico possa acontecer a qualquer momento.

Em Feu Rosa, na Serra, um morador de 43 anos, que prefere não ser identificado por temer represálias, diz que adolescentes e crianças convivem e começam cedo no tráfico na rua onde mora. Por várias vezes ele percebe a presença de criminosos armados, que andam nas ruas normalmente.

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Quando chega um certo horário, várias pessoas ficam armadas na rua perto de casa. Eles têm respeito por moradores, mas mandam todo mundo entrar em um certo horário, nós entramos e vamos dormir

Morador de 43 anos
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O morador diz que hoje até consegue chegar mais tarde em casa por conhecer os traficantes, mas o medo é de aparecerem criminosos de fora do bairro. “A convivência com os vizinhos é normal, mas ficamos cismados de vir alguém de fora e trazer um risco para a comunidade. Traz insegurança porque não sabemos o que pode acontecer”, explicou.

Em Terra Vermelha, Vila Velha, um morador que está há 42 anos no bairro, e também não quer ser identificado, afirma que chegaram a oferecer para seu filho a função de entregador de drogas. Ele morava em um conjunto residencial da região de Jabaeté e acabou se mudando por causa da situação.

Morador de Terra Vermelha conta que ofereceram a seu filho trabalho no tráfico. (Kaique Dias)

“Queriam fazer meu filho de dez anos de mula (quem faz a entrega das drogas). Para não ter problemas e não brigar eu me mudei do prédio, não fiquei. Dentro desses conjuntos residenciais está cheio disso. Segurança quase não temos. Está pior, não mudou nada em 42 anos. Na verdade, no início era até melhor”, declarou.

OPORTUNIDADES

A presidente da associação dos moradores de Terra Vermelha, Eliane Simões, acredita que a percepção da insegurança está presente no bairro. Para ela, falta oportunidade. “Somos menos discriminados por quem não é daqui, mas ainda tem muita violência. Falta emprego, o que gera o tráfico. Não temos como fugir”, explicou.

Em Feu Rosa, a presidente da associação de moradores do bairro, Denize Jesuíne, disse que muitas das ideias de associações e de outros projetos sociais não vão em frente porque falta colaboração e financiamento por parte do poder público.

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A droga entra porque falta cultura e educação. Fica como uma maré, vem e vai, melhora e piora. O poder público precisa investir mais. Tem muitos projetos que agregam muito. Não é só policiamento. O adolescente e a criança tendo um projeto para ir depois da escola não vai acompanhar o tráfico

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'VIOLÊNCIA NESSAS ÁREAS JÁ FOI PIOR'

A violência em bairros da Grande Vitória já foi muito pior, relata o secretário de Estado da Segurança, Nylton Rodrigues. “Entre os anos de 2005 e 2017 houve uma redução de 40% no número de homicídios nestas áreas”, destacou.

Ele pondera que para mudar a situação destes locais é preciso de atuação e investimento do município, do Estado e da União. O município, relata, precisa oferecer pavimentação, iluminação, limpeza pública, saneamento básico, sinalização, educação infantil e fundamental. “Um ambiente organizado gera um ambiente mais seguro”, salienta Rodrigues.

Relata ainda que o Estado tem investido em políticas públicas na região, áreas que foram ocupadas de forma desordenada. E para mudar este cenário, pondera, o foco tem sido nos jovens, por intermédio do programa Ocupação Social.

Coronel Nylton, secretário de Estado da Segurança Pública: entre os anos de 2005 e 2017 houve uma redução de 40% no número de homicídios nestas áreas. (João Paulo Rocetti)

São projetos, relata, que visam dar oportunidades aos jovens para que não sejam cooptados pelo tráfico. “O projeto tem dois grandes objetivos: reduzir a evasão escolar, porque o jovem fora da escola acaba se envolvendo com o tráfico; e criar oportunidades de emprego, capacitação técnica, além de oferecer cultura e esporte.”

Outra ação diz respeito a atuação policial nestas regiões, com aumento do policiamento ostensivo. “O foco do nosso efetivo militar está voltado para estes 20 aglomerados com atuação da Força Tática”, relata Rodrigues.

Em paralelo, relata o secretário, também houve investimentos na Polícia civil, melhorando e intensificando a atuação nestas regiões por intermédio das delegacias de homicídio e do Departamento de Narcóticos, com o apoio ainda do serviço de inteligência da PC e da PM, para que tenham mais efetividade na localização dos grandes traficantes. “O tráfico é o que impacta na quantidade de homicídios nestes bairros. É ele que mata, mata quem deve, os usuários que não pagam, por disputa de território, como foi o caso do bairro Piedade, ou por ciclo de vingança”, explica.

Rodrigues pontua que, apesar da redução do números de homicídios nos últimos anos, ainda não há o que comemorar. “Conseguimos uma melhora, mas o cenário ainda precisa mudar. E precisamos do apoio todos”, disse.

AÇÕES POR UM FUTURO MELHOR

Clelia Cristiane de Almeida, 41 anos, coordenadora do projeto de Taekwondo em Feu Rosa. (Bernado Coutinho | GZ)

Enquanto a violência se perpetua nos bairros citados pelo ranking e o poder público não consegue frear a situação, projetos sociais tentam amenizar o problema tirando crianças e adolescentes da ociosidade no período em que não estão estudando. Tem futebol, bodyboard, karatê, kickboxing e até teatro nos bairros de maior vulnerabilidade social.

O Centro de Treinamento de Vila Velha (CTVV) existe desde 2001, mas está atuando desde 2010 na Grande Terra Vermelha com várias atividades, incluindo teatro. O presidente, Alexandre Martins Matos, de 47 anos, conhecido pelo apelido de Ed Motta, relata que são aproximadamente 600 crianças atendidas em Morada da Barra, Cidade da Barra, Barramares, Normilia da Cunha e no bairro Terra Vermelha.

Alexandre comanda projeto na Grande Terra Vermelha. (Bernardo Coutinho | GZ)

Alexandre ainda pontua que a procura é alta e que cerca de 200 meninos e meninas estão na lista de espera. “Tem muitas crianças querendo entrar. Nosso trabalho é feito com o objetivo da inclusão social. O garoto faz as atividades ocupando o tempo dele, ficando fora do foco da criminalidade e das drogas”, explica.

Todas as atividades são gratuitas. E tem que ter nota boa para continuar. Para Alexandre, as mudanças em bairros da região só vão acontecer de fato quando houver mais investimento em ações como as oferecidas no projeto. “A mudança só vem com investimento na educação, no esporte e na cultura”, acrescentou.

 

Já em Feu Rosa, na Serra, há bem menos tempo – cerca de dois meses – a faxineira Clelia Cristiane de Almeida, de 41 anos, tem ensinado a crianças e adolescentes o taekwondo. Ainda atendendo em um espaço bem modesto, ela acredita que os garotos podem ter um futuro diferente.

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“Queremos tirar essas crianças da rua. Esse negócio de tráfico está muito forte. Minha ideia é colocar o projeto funcionando o dia todo”, explicou.

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