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Pais ajudam a investigar o assassinato dos filhos

Pais ajudam a investigar o assassinato dos filhos

Mesmo com trauma, familiares ajudam a polícia a elucidar crimes

Publicado em 6 de agosto de 2018 às 18:12

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Clemilda Aparecida de Jesus, mãe da menina Thayná. ( Bernardo Coutinho )

Perder um filho para a violência causa uma dor irreparável para os pais e difícil de suportar. Mas existem aqueles que, a partir do trauma, buscam a superação e acabam até mesmo ajudando a polícia, de forma fundamental, na elucidação dos assassinatos. Casos recentes de famílias que realizaram "investigações" por conta própria foram registrados em crimes de repercussão no Estado.

O mais marcante deles foi a morte da menina Thayná Andressa de Jesus Prado, de 12 anos. A menor desapareceu no dia 17 de outubro de 2017, após sair de casa para ir a um supermercado. A mãe da estudante, a vendedora Clemilda Aparecida de Jesus, 39, descobriu que a adolescente não havia ido à escola e também não retornou para casa no horário de costume.

Ela fez o que é recomendado pelas autoridades e acionou o Ciodes 190. Depois ainda foi até a Delegacia de Pessoas Desaparecidas (DPD), onde registrou ocorrência. As investigações foram iniciadas, mas sem muitas respostas durante os primeiros 12 dias.

Até que Clemilda teve acesso a um vídeo, registrado pelas câmeras de videomonitoramento da Prefeitura de Cariacica, coletado pela Polícia Civil, que mudou os rumos da vida dela e iniciou uma incansável busca por mais informações do paradeiro de Thayná.

"Eles foram atrás e conseguiram somente o vídeo da Prefeitura. Esse mostrava minha filha perto de um carro, mas como a câmera é giratória, não pegou o que aconteceu depois. Doze dias depois eles me mostraram aquela imagem, que foi muito importante. Eu voltei para as ruas e fui atrás de mais informações e outra câmeras que pudessem ajudar. Deus me ajudou", afirmou a vendedora.

Durante a investigação própria, ela conseguiu achar dois vídeos que foram fundamentais para o trabalho da polícia. Um deles, o principal, coletado de um comércio, mostrava a menina Thayná entrando em um Gol prata. Clemilda pegou as imagens e entregou para a Polícia Civil, que conseguiu identificar Ademir Lúcio Ferreira de Araújo, de 55 anos, como suspeito do sequestro da estudante.

"Consegui chegar até a mulher, dona daquela câmera. Ela me disse que se eu tivesse demorado mais um dia, as imagens teriam sido apagadas, porque de 15 em 15 dias eles apagavam. Eu ainda achei outra câmera, perto da escola, que mostrava que ele ficou parado ali por 40 minutos. Eu consegui a imagem, a placa, o nome, depois levei as imagens ao delegado. Ele reconheceu o Ademir, pois ele já havia feito aquilo com outra menina", ressaltou Clemilda.

Naquela mesma data, Thayná acabou sendo estuprada, morta e ainda teve o corpo queimado pelo criminoso, preso quase um mês depois, após fugir para o Rio Grande do Sul. Para a mãe da vítima, todo o esforço foi válido, mas ela ainda não tem a sensação de dever cumprido.

"As família têm que correr atrás. Eles são os verdadeiros interessados. Eu percebi que a classe social manda muito. Eu era pobre e se eu não tivesse corrido atrás, talvez esse monstro estivesse aí nas ruas até hoje, cometendo outras atrocidades. Ainda não tenho a sensação de dever cumprido. É muito triste para mim saber que ele vai voltar para as ruas, mais perigoso, mais velho, com a face diferente", falou.

MORTE EM VILA VELHA

Outro caso em que um pai acabou se envolvendo profundamente nas investigações da morte de um filho foi o assassinato de Felippo Pelis Barbosa, de 29 anos. O jovem foi assassinado a tiros por dois criminosos, na garagem do prédio onde morava com a família, na Praia da Costa, em Vila Velha, em 10 de julho de 2015.

Desde então o advogado e policial federal aposentado Marcos Valério Barbosa passou a se dedicar todos os dias para ajudar colocar os envolvidos na cadeia. O primeiro a ser preso foi Georges Tannais Boueri, 22 anos, logo após o crime, na tentativa de fuga. Mas durou apenas nove meses a passagem dele pela cadeia. O acusado conseguiu fugir durante uma consulta médica, fato que deixa o pai revoltado até hoje.

"Ele foi ao hospital fazer um procedimento cirúrgico por conta da lesão que meu filho causou, brigando com ele para não ser morto, e acabou sendo resgatado por membros da facção criminosa que ele pertencia. Foi resgatado em dois minutos pela porta da frente", contou.

Marcos Barbosa não vai descansar enquanto não encontrar mandantes do crime. ( Ricardo Medeiros )

Em 2017, o pai chegou a colocar em um outdoor na Avenida Fernando Ferrari, em Vitória, o questionamento sobre o paradeiro do acusado de ter matado o filho dele. Em abril deste ano, Georges foi morto em Salvador, Bahia, onde estava escondido desde que fugiu. Um adolescente que também participou da execução de Felippo foi apreendido e cumpre medidas socioeducativas até hoje, segundo Marcos Barbosa. O advogado disse que não pretende descansar até conseguir incriminar as pessoas que acredita serem mandantes do assassinato do filho.

“Meu filho foi morto por vingança e queima de arquivo. Os dois mandantes contrataram um intermediário, que ainda está solto, e ele contratou os executores para matarem meu filho”, garante o ex-policial federal.

ASSASSINATO COVARDE NA SERRA

Era uma manhã de domingo, em janeiro, quando uma copeira, de 43 anos, viu o filho pela última vez. Após chegar de um turno de trabalho em um hospital, no início da manhã, ela se encontrou com adolescente de 16 anos rapidamente, antes dele ir para a roça ajudar o pai.

Ao retornar, a mãe estava dormindo, mas teve tempo de ouvir o menor falar que iria até o bairro vizinho, por volta das 12 horas, terminar uma tatuagem que havia começado a fazer. Por segurança, os nomes dos envolvidos e os bairros não serão informados.  Por volta das 15 horas, a irmã da vítima recebeu uma mensagem de uma amiga, com uma foto de um jovem morto e perguntando onde estaria o irmão dela naquele momento.

"Eu fiquei sabendo que meu filho morreu por causa das fotos. A gente estava em casa, tiraram a foto dele vivo e uma morto. Aí mandaram para a minha filha às 15h20. Uma amiga dela ligou, porque tinha visto a foto, e mandou a gente ligar pra ele. Eu liguei várias vezes e ele não me atendia. Quando eu olhei a foto vi que era meu filho", contou.

Naquele momento, ela saiu de casa e iniciou a investigação própria. Enquanto o marido foi até a polícia, registrar queixa do desaparecimento, a mãe tomou a direção do bairro onde o filho estaria. Na casa do tatuador, recebeu a notícia que o filho havia saído com alguns rapazes do local. A copeira iniciou uma busca incessante por informações e chegou a ser ameaçada.

“Eu não consegui achar o corpo do meu filho no domingo. Eu procurei tudo, falaram que estava no meio de uma mata. Uns me passavam uma informação, outros falavam que não estava ali. Os traficantes do bairro viram nossa movimentação e começaram a apontar armas para que a gente saísse", relatou.

Com a ajuda de moradores, a mãe acabou recebendo a informação de que o corpo da vítima estaria em uma fazenda. Ela e os familiares foram até o local, mas como estava escuro, visto que já havia anoitecido, não conseguiram encontrar o adolescente. Porém, no dia seguinte, veio a confirmação que a copeira menos queria ouvir.

 “À tarde, nós fizemos um protesto e recebi uma ligação anônima. Mais tarde meu cunhado achou o corpo na fazenda. Roubaram tudo dele. Chinelo, bicicleta, cordão, dinheiro. Bateram muito dele. Ele morreu por traumatismo craniano e pulmonar. Quando deram os tiros ele já estava morto”.

Para aumentar a tristeza da mãe, ela ficou sabendo depois que a morte do filho foi um mero engano.  “Prenderam dois dos executores. Apesar das prisões a justiça é muito falha. Ainda tem gente que matou meu filho que está solta. Meu filho não era vagabundo, era tranquilo, chegava a ser bobo. Tinha um menino daqui, com o mesmo nome do meu filho, que eles (os criminosos) queriam pegar. Ele foi confundido. A minha vida foi destruída. Eles me mataram junto com meu filho. Não tenho mais vontade de viver”, desabafou.

FAMÍLIAS AJUDAM, MAS TAMBÉM PODEM ATRAPALHAR

Chefe do Departamento Especializado de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e da Delegacia de Pessoas Desaparecidas (DPD), o delegado José Lopes ressaltou que a ajuda da família é fundamental para a elucidação de investigações.

“Temos 59% de resolutividade de crimes. A gente utiliza as ferramentas que temos. Na maioria dos casos a família sabe de problemas da vítima, a maioria sabe. Precisamos da família nesse ponto. É fundamental. Em todos os casos que trabalhei e a família ajudou, nós prendemos os autores. E aqui não tem diferença entre as vítimas, eu não estou aqui para julgar ninguém. Nós investigamos todos os crimes", afirmou.

Lopes explicou como funciona um processo de investigação de assassinatos. Segundo o delegado, tudo começa pela própria vítima, por isso é fundamental para a polícia saber de qualquer tipo de informação, por mais que pareça banal.

Delegado Jósé Lopes diz que traça perfil da vítimas. ( Fernando Madeira)

 “A gente tem que traçar o perfil da vítima para chegar à autoria. Para isso, necessito da participação efetiva da família. O profissional que mexe com homicídios é um perfilador. Tem que traçar o perfil da vítima. Ela sempre é o ponto inicial. Sempre tem uma motivação, mesmo que seja fútil, banal. Geralmente a família vem aqui com um pré-conceito, acha que não vamos fazer nada, e até tem vergonha de dizer quem realmente é a vítima”, disse.

ATROPELOS

Apesar de afirmar que a ajuda da família é fundamental, José Lopes ressalta que tão importante quanto o auxílio é não atrapalhar o trabalho da polícia. Ele cita um exemplo o caso da menina Thayná, mas também afirma que entende o lado da família, de uma mãe que perde o filho e está em desespero.

“A gente releva, porque eu costumo dizer que a mãe pode tudo. Pode me xingar, pois é mãe e está na dor dela. No caso da menina Thayná, eu estava perto de chegar ao Ademir, quando a mãe resolveu promover uma passeata. Aí ele se alarmou e fugiu para o Rio Grande do Sul. A sorte é que ele não conseguiu chegar ao Paraguai. Algumas coisas precisam ser coordenadas conosco. A gente entende o desespero. A família quer ir atrás, mas é diferente coletar informações como chefe da Divisão de Homicídios e uma pessoa comum, desesperada”.

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O delegado deixou claro que a polícia entende o anseio de uma família de vítima em ver a justiça sendo feita, mas afirma que a polícia sempre está trabalhando. “As pessoas podem achar que o inquérito está parado, mas está caminhando. Muitas vezes a família sabe de tudo, vamos atrás, mas nós temos que provar aquelas informações. Como você vai levar alguém a júri se não consegue indícios suficientes? Temos que trabalhar da maneira correta”.

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