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'As pessoas transformam a vítima em errada', diz jovem agredida em festa

"As pessoas transformam a vítima em errada", diz jovem agredida em festa

Géssica de Sá Soto, 27 anos, foi agredida por três homens em uma festa em Nova Venécia, no ano passado. Onze meses depois, ela convive com as sequelas das agressões

Publicado em 4 de setembro de 2018 às 14:45

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Géssica em foto recente, após se recuperar de cirurgia. (Arquivo pessoal)

Na noite do dia 14 de outubro do ano passado, a enfermeira Géssica de Sá Soto estava em uma festa promovida por um time de futebol de Nova Venécia, na região Noroeste do Estado. Porém, o momento de diversão se transformou em um pesadelo. Ela foi agredida após uma discussão e saiu do evento direto para o hospital. Géssica teve o maxilar quebrado, perdeu três dentes e ficou com diversos hematomas pelo corpo.

Dois homens são acusados pelas agressões e respondem a processo na Justiça. Após meses de recuperação após uma complicada cirurgia no maxilar, a enfermeira tenta voltar à vida normal e conversou com a reportagem do Gazeta Online. No entanto, ela afirmou que não tem sido nada fácil retomar a rotina.

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As pessoas invertem os valores, colocam a vítima como errada. Julgam porque eu estava na festa, bebendo, de short curto. Passo muito constrangimento no trabalho, porque sempre perguntam se sou a moça que foi agredida. O que mudou mesmo na minha vida é o julgamento das pessoas

Géssica de Sá Soto, agredida em festa
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Segundo Géssica, tudo começou após uma discussão de uma amiga com outra mulher, que é casada com Allender Dona Paixão, um dos acusados de agredir a enfermeira. “Vi que minha amiga estava nervosa, chorando. Ela dizia que a outra tinha puxado o cabelo dela sem motivos, então me ofereci para conversar e descobrir o que tinha acontecido. Cheguei perto e só perguntei porque as duas brigaram, e a mulher do Allender perguntou porque eu queria saber disso e começou a me xingar e eu revidei verbalmente, mas não teve agressão física da nossa parte. Só que ela me ameaçou e eu saí correndo achando que ela estava atrás de mim, tenho 1,53m, não queria brigar”, alega.

Neste momento, Géssica afirma que sentiu um puxão de cabelo e um soco. "Era um rapaz que chegou a prestar depoimento na delegacia, mas foi inocentado. Pelo jeito, não consideram o que ele fez como agressão, mas foi agressão. Em seguida, o Allender me deu um soco e eu caí sentada. Mesmo caída no chão, ele continuou as agressões”, lembra.

Depois, de acordo com a enfermeira, virou uma confusão generalizada na festa. “As pessoas que viram que eu estava apanhando começaram a me defender e passaram a agredir os dois, virou uma confusão. Em seguida lembro que me colocaram sentada em uma cadeira de plástico. Eu sangrava muito, estava de blusa branca listrada. Eu olhava e via muito sangue. Eu segurava minha mandíbula”, contou Géssica.

IDA AO HOSPITAL

Algumas pessoas decidiram levá-la ao hospital. No caminho para o carro, novas agressões aconteceram. Teriam sido por parte de outro acusado, Braz Veloso Pianissoli, que também responde a processo na Justiça. “O Braz apareceu do nada me xingando e me deu um soco. Começou outra confusão, só me recordo de chegar no hospital sentindo muita dor. O médico diagnosticou quebra da mandíbula e disse que eu precisava ir a um especialista no Hospital Roberto Silvares (em São Mateus). Fui transferida horas depois”, recorda.

Géssica disse que foi atendida por um cirurgião bucomaxilofacial no dia seguinte. Foi constatada fratura nos dois lados do maxilar. “Aguardei a cirurgia por uma semana por estar muito inchada, e então operei. Foram colocadas quatro placas no maxilar e ficaram muitas sequelas. Não tenho 100% do paladar e fiquei sem sensibilidade da boca, não sinto direito o lábio inferior e queixo, tudo ficou dormente”, explicou.

Géssica passou por cirurgia no maxilar após as agressões sofridas em uma festa em Nova Venécia. (Arquivo pessoal)

Além disso, a enfermeira não pode começar um tratamento dental para corrigir os dentes quebrados. Por causa das placas no maxilar, ainda não tem como saber se vai dar certo a correção dos dentes. E como o valor do tratamento é alto, Géssica afirma que não tem como pagar. “Fui em vários dentistas, fizeram orçamentos, mas pediram um tempo para esperar a recuperação da cirurgia. Estou retomando minha vida agora, fiquei nove meses em casa e voltei a trabalhar há um mês. Estou esperando a Justiça para ver como será, porque não tenho condições de pagar o tratamento”, ressaltou.

AUDIÊNCIAS

Géssica contou que só encontra os acusados pelas agressões nas audiências. “Minha rotina é só casa e trabalho. Me dá uma sensação de impunidade. Quando encontro com eles nas audiências vejo que eles têm certeza que nada vai acontecer. Fora a sensação de medo. Sinto um desgaste emocional muito grande. Estou tentando fazer com que isso não me afete, mas é muto difícil, muitos olhares me julgando e invertendo valores. Minha sorte é que tenho uma família que me apoia, que tenta me passar segurança para superar tudo”, afirmou.

A enfermeira contou que o processo na Justiça tem se arrastado porque uma testemunha da defesa não estava comparecendo às audiências. “Isso causou uma demora, mas no dia 28 de agosto foi o interrogatório dos acusados. Agora falta a decisão do juiz, se o caso vai a júri popular ou se vai classificar como lesão corporal gravíssima. Faltam as alegações finais, vão usar o exame de corpo de delito e, então, o juiz vai tomar a decisão.”, disse Géssica.

Durante o interrogatório, segundo ela, Allender e Braz se mantiveram a maior parte em silêncio. “O que me deixa mais indignada é que, na última audiência, eles não quiseram responder as perguntas do juiz, da promotoria e da minha advogada, só responderam ao advogado deles. Os dois alegam que não fizeram nada e que só depois souberam que eu tinha sido agredida. Isso me dá uma sensação de incompetência tão grande, porque não posso ter nenhuma reação, mas tudo que sofri naquele dia passa na minha cabeça”, destacou.

JULGAMENTO DAS PESSOAS

Além de enfrentar os problemas de saúde decorrentes das agressões e o julgamento das pessoas, Géssica conta que duas amigas dela procuraram o Ministério Público e pediram uma medida protetiva contra ela. Entre as duas estava a amiga que a enfermeira comprou a briga.

“Eu não as procurei mais e não entendi porque fizeram isso. Talvez seja medo porque tudo começou por causa de uma delas, não sei. Então esperei encerrar minha recuperação física e esse ano entrei com processo de calúnia contra elas e também um processo pedindo indenização. Elas alegam que eu estava importunando as duas durante o tempo que eu estava no hospital, mas eu não conversava, não comia, só ficava na cama, não tinha como falar com ninguém”, defendeu-se.

Hoje, Géssica trabalha como professora de estágio e em um curso técnico da cidade. Ela tenta retomar a vida, mas afirma que é muito difícil. “O que incomoda mesmo é as pessoas julgarem a vítima. Escuto muito comentário maldoso. Luto para seguir em frente. Mas se posto uma foto sorrindo, eu sou julgada, por exemplo. Devem achar que eu ficaria deformada e nunca mais iria sair na rua. A cidade é muito pequena, não me sinto mais em casa em Nova Venécia".

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A sociedade é assustadora, eu achei que seria abraçada, mas fui julgada

Lamenta Géssica
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O OUTRO LADO

Acusados de espancar Géssica naquela festa, Allender Dona Paixão e Braz Veloso Pianissoli foram presos preventivamente no dia 17 de outubro do ano passado. No final de outubro, o Ministério Público do Estado (MPES) denunciou os dois por tentativa de homicídio por motivo fútil, emprego de meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vítima. Porém, em 20 de dezembro de 2017, conseguiram um habeas corpus e foram soltos.

Procurado, o advogado Kayo Alves Ribeiro, que defende os dois, disse que os clientes afirmam que são inocentes. “Eles têm convicção da inocência, não são autores das agressões contra ela. As audiências estão em andamento e confiamos em um resultado positivo”, destacou.

Segundo o advogado, Allender e Braz dizem que estavam na festa no dia 14 de outubro do ano passado e houve uma confusão. “Eles contam que uma amiga de Géssica discutiu verbalmente com a esposa do Allender. Géssica tomou as dores da amiga, foi tirar satisfação, jogou um copo de cerveja e sumiu na multidão. Começou uma briga, todo mundo bateu em todo mundo, foi uma aglomeração grande. Mas eles garantem que não participaram da agressão e não viram mais a Géssica. Foi uma briga generalizada. Eles foram embora e souberam depois que ela foi agredida e que os dois eram acusados”, defendeu.

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O terceiro acusado pelas agressões prestou depoimento na delegacia na época das agressões e foi liberado. Ele não foi indiciado.

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