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'Não foi coincidência', diz negra que teve reserva negada em Vitória

"Não foi coincidência", diz negra que teve reserva negada em Vitória

Promoter da casa foi indiciado por racismo; ele nega ter dado atendimento diferenciado a clientes brancos e negros

Publicado em 5 de novembro de 2018 às 19:19

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Estudante e amiga negras não conseguiram reserva para comemorar o aniversário; duas amigas brancas delas testaram pedir a reserva e conseguiram. (Pixabay | Imagem ilustrativa)

A estudante de 25 anos que acusa o promoter de uma casa noturna de Vitória de racismo disse que não foi coincidência a forma como ela e uma amiga tiveram vagas negadas para entrar no local no dia do seu aniversário e, ao mesmo tempo, duas amigas brancas tiveram reservas aceitas.

A jovem, que prefere não se identificar, lembra que mandou a mensagem pedindo reserva para comemorar o aniversário no dia 13 de junho, com 15 dias de antecedência e teve o pedido negado pelo promoter André Luiz Neves Leão Borges, de 32 anos - que atende os clientes no aplicativo de WhatsApp. Com uma dúvida na cabeça, ela pediu que uma amiga branca enviasse uma mensagem para ele, o que aconteceu no dia seguinte - quando a vaga estava disponível para ela.

Aspas de citação

Para não ter dúvidas eu pedi que uma amiga negra também mandasse a mensagem e a resposta foi a mesma que tive. Ao mesmo tempo uma terceira amiga branca mandou pediu a reserva e a mensagem foi exatamente a mesma que minha primeira amiga branca tinha recebido

Estudante de 25 anos
Aspas de citação

Além dessa situação, a estudante recebeu a informação de que não poderia comemorar o aniversário durante a semana, no dia 28 de junho e que as comemorações só acontecem no fim de semana, que no caso dela estava com a agenda lotada. “Quando minha amiga branca ligou disseram, no entanto, que ela poderia comemorar no próprio dia da semana que caía o aniversário. Foram respostas diferentes, não foi coincidência”, relatou a estudante.

RECEIO DE DENUNCIAR

A estudante declarou que ficou com medo de denunciar no início - logo quando ocorreu a situação - mas foi incentivada por vários amigos a ir atrás da Polícia Civil com os prints que serviram como provas no inquérito que foi finalizado contra o promoter. Ela lembra que a mãe é militante de um movimento negro no Estado e que a família tem histórico de luta pela igualdade e inclusão dos negros.

Aspas de citação

A gente tem muito medo, mas tem que denunciar. É difícil falar sobre isso, mas entendo a importância para que outras pessoas negras como eu que passam por essa situação denunciem. No Brasil e no nosso Estado matam muitos jovens negros

Aspas de citação

A estudante lembra que o advogado dela está entrando com um processo na área cível pedindo indenização por danos morais da casa noturna. Ela espera uma punição que sirva como exemplo e lembra que o que era para ser uma comemoração quase virou um tormento.

“Eu quase desisti de comemorar, mas minhas amigas me ajudaram. Fiz a festa em uma casa noturna de Cariacica e tive muitas homenagens e foi tudo de bom. As pessoas ficaram sensibilizadas com essa situação, algo muito diferente do que eu estava passando”, pontuou.

PROMOTER NEGA ATENDIMENTO DIFERENCIADO 

Além de informar que não tinha como visualizar as fotos no perfil do Whatsapp e de dizer que no perfil da casa noturna havia fotos de pessoas negras, André declarou para a polícia que recebe centenas de mensagens por dia no aplicativo e que a possibilidade de reserva depende do momento em que a pessoa envia a mensagem.

Em depoimento à polícia, André declarou que, em determinado momento, quando a estudante negra e a outra amiga da mesma cor entraram em contato, poderia não haver vagas, mas por algum cancelamento, em outro momento, as amigas brancas conseguiram.

Na delegacia, o promoter também afirmou que não recebeu nenhuma orientação da direção da casa noturna para agir de forma diferenciada e que todas as mensagens são respondidas por ele. “Ele como responsável pela análise assumiu ser o responsável pelas mensagens”, explicou o delegado.

O promoter vai responder o processo por racismo, por negar o serviço ao estabelecimento por causa da cor da vítima. A pena pode variar de um a três anos e ele também pode ser processado na área cível e ter que pagar indenização por danos morais à estudante.

OUTRO LADO

A reportagem do Gazeta Online tentou contato com André por meio do Instagram e aguarda um posicionamento.

O estabelecimento publicou uma nota sobre o caso na rede social. Veja na íntegra:

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"A direção do Let’s Steak Beer vem por meio desta prestar os devidos esclarecimentos quanto às acusações de racismo que circularam na imprensa nos últimos dias. Em meados de setembro do corrente ano, o estabelecimento foi intimado a prestar esclarecimentos sobre uma acusação de racismo realizada por uma cliente. Em sua narrativa a cliente informa que entrou em contato com o estabelecimento por meio do aplicativo WhatsApp e solicitou uma reserva de mesa. Cabe esclarecer que o estabelecimento disponibiliza 10 (dez) mesas para reserva de comemorações de aniversários, mas que as demais mesas podem ser ocupadas de acordo com a ordem de chegada, assim como foi informado pelo promoter André Leão. Consta da denúncia que uma amiga da cliente e a seu pedido, solicitou no dia seguinte (14/06/2016) uma reserva para a data solicitada e que a referida havia sido confirmada. A solicitação realizada pela amiga da cliente denunciante se deu 24 horas após a solicitação da mesma, tempo mais que suficiente para que houvesse um cancelamento de reserva, sendo o normalmente acontece. Cancelamentos são realizados a todo momento e é comum que surjam vagas e cancelamentos no decorrer do dia. O estabelecimento repudia qualquer atitude racista e/ou discriminatória de qualquer gênero e recebe diariamente inúmeros clientes de diversas etnias, não fazendo qualquer distinção de tratamento. O Lets possui em seu quadro laboral inúmeros colaboradores negros, distribuídos em todos os setores: segurança, garçons, administrativo, gerência, entre outros. O Lets recebe a informação do indiciamento de forma surpresa e incrédula, até porque até a presente data não recebeu qualquer intimação formal, obtendo conhecimento do referido indiciamento por meio da imprensa, o que foge aos preceitos legais. O Lets lamenta a exposição indevida e negativa da imagem do estabelecimento e do funcionário André Leão. O Lets confia totalmente na lisura e inocência do Promoter André Leão e disponibiliza todo o seu corpo jurídico para assessorar em sua defesa, confiando sobretudo na sobriedade da justiça"

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