> >
Como ameaça de aluno fez professor pedir demissão no ES

Como ameaça de aluno fez professor pedir demissão no ES

Caso ocorreu em escola estadual na Serra; professor desabafa sobre os desafios da profissão

Publicado em 29 de março de 2019 às 21:49

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Aspas de citação

Há nove anos, eu estava aqui na Secretaria de Educação todo feliz tomando posse, achando que minha vida ia mudar. E nesses últimos nove anos só foi piorando. Hoje, estou aqui pedindo exoneração. Com certeza, é o dia mais triste da minha vida

Aspas de citação

O desabafo é do professor de Matemática pela rede estadual de ensino do Espírito Santo, Jerffeson Nunes de Morais, 37 anos. Ele decidiu pedir demissão na tarde desta sexta-feira (29), após ter sido ameaçado de morte por um aluno de 14 anos de uma escola estadual da Serra.

Na tarde de quinta-feira (28), o docente registrou a ameaça no 11º Distrito Policial, em Jacaraípe, na Serra. À Polícia Civil, ele relatou que, no início da aula, o aluno o ameaçou de morte e disse que, no horário de saída, mataria o professor.

Ele contou que procurou a direção da escola e foi orientado a registrar o boletim de ocorrência. "Estou há um mês tendo problemas de indisciplina com esse aluno. Quando voltei com o boletim de ocorrência e entreguei na escola, percebi que aquele documento seria mais um papel na gaveta. Voltei para casa decidido a não trabalhar mais lá. Todo professor está acostumado com ameaças. Eu não me acostumo com aluno falando: 'Eu e minha galera vamos te pegar e te matar'.

Aspas de citação

Não dá para desacreditar nele. Alguns alunos já foram presos, cometeram crimes ou traficam. Não preciso passar por isso. Preciso ter sossego

Aspas de citação

Na tarde desta sexta-feira, Jerffeson foi até a Secretaria de Estado da Educação (Sedu), no bairro Santa Lúcia, em Vitória, para pedir a demissão. No local, foi informado que a exoneração deve ser oficializada na Secretaria de Estado de Gestão e Recursos Humanos (Seger), no Centro da capital.

O professor também é funcionário concursado de uma escola da Prefeitura da Serra. No entanto, ele ainda avalia se continua na rede municipal. 

Jerffeson é casado, pai de uma jovem de 19 de anos e de um adolescente de 16. Atualmente, a mulher dele tem um trabalho temporário e recebe um salário mínimo.

Aspas de citação

Em relação às escolas municipais, ainda não tive grandes conflitos. Não sei o que vou fazer de agora para frente. Não tenho medo de trabalhar. Posso ser vendedor de picolé, engraxate. Quero preservar a minha integridade física e a da minha família

Aspas de citação

A ENTREVISTA

O senhor denunciou à polícia que foi vítima de ameaça de morte. O que aconteceu?

Esse enfrentamento com aluno nós sempre tivemos. Por alguma razão, as pessoas que são incumbidas de resolver, no caso a Sedu e o Estado, fazem vista grossa. E aí chega o momento de uma situação igual a minha. Nesse caso específico, há quatro semanas tive problema com um aluno de 14 anos. Eu tenho convocado os pais dele para conversar comigo e resolver esse problema. Afinal, é natural o professor chamar os pais. E parece que a escola ignorou isso e eu não conversei com esse pai.

O que aconteceu entre o senhor e o aluno?

A indisciplina em sala de aula é muito grande. Toda vez que acontece alguma coisa corriqueira, o aluno manda você tomar naquele lugar. Ou sua mãe tem vários adjetivos. Você ouve, fica calado e manda para coordenação. Geralmente, os alunos não vão. Quem os tira da sala é a coordenação. Por incrível que pareça, isso acontece todos os dias. O conflito básico é que ele estava ameaçando coisas banais: apedrejar meu carro e etc. Ontem (quinta-feira), ele me ameaçou de morte em sala. Eu registrei o boletim de ocorrência. Eu tenho chamado o pai desse aluno à escola há um tempão. Por algum motivo, eu acho que o pai não pode comparecer ou a escola não quis que eu conversasse com ele. Ou para me proteger ou para proteger a escola.

Mesmo após registrar ocorrência, pediu exoneração. Por quê?

Porque o aluno falou que vai me matar e ainda disse: 'Eu sei onde você mora, eu conheço sua filha e conheço sua esposa'. E isso é muito complicado. Quando eu cheguei na escola com o boletim de ocorrência e vi que seria só um documento que ia parar na gaveta, eu vim para casa desesperado e falei com minha esposa: 'A partir de hoje eu vou vender picolé na praia e não quero mais saber de sala de aula'. Temos bons alunos, mas o problema da escola da são os delinquentes que estão lá dentro. Os menores infratores que mandam mais na escola do que a própria escola deveria mandar. 

O que pretende fazer após a sua exoneração ser homologada?

O que sobrou disso tudo? Medo, desesperança, desistir da carreira… Não quero pisar na escola, mas não sei o que eu vou fazer. Estudei muito para passar no concurso e passei. Mas só que é melhor ficar com as minhas dívidas sem pagar e estar vivo do que pagar minhas dívidas e não saber se amanhã eu volto para casa. Eu tenho minha casa para voltar, tenho meus filhos para cuidar e tenho minha família para proteger. Enquanto isso, o Estado se cala diante de coisas tão graves como ameaças de morte, armas brancas dentro de escolas, drogas e etc.

Eles também levam armas de fogo?

Armas eu já vi há muitos anos atrás. Drogas e armas brancas, tipo faca, é muito natural encontrar.

Eles também comercializam drogas lá dentro?

Eu vejo usar.

Em sala de aula?

Eu tirei meu filho dessa mesma escola o ano passado porque ele não aguentou. Eu preferi tirar ele de lá porque os alunos usavam droga em sala de aula. Hoje ele estuda em outra escola que está muito mais tranquila.

O senhor voltou para a escola nesta sexta-feira, após ter registrado ocorrência?

Não. Ontem eu cumpri meu horário normal até 18h e hoje já não faço mais parte da equipe. 

Não considera a possibilidade de transferência para outra escola?

Eu não acredito em transferência porque eles fazem vista grossa. Não quero confrontar com alunos que ameaçam minha família e a minha integridade física. Nessa escola, já achamos uma faca numa lixeira. Como você se defende contra uma faca? O que eu posso fazer é ficar longe dessas pessoas. É triste, mas hoje tenho certeza que pedir exoneração é a melhor opção. O professor não serve mais, é uma figura descartável.

O senhor é professor há quanto tempo?

Há nove anos. Há nove anos eu estava aqui todo feliz tomando posse, achando que minha vida ia mudar. E nesses últimos nove anos só foi piorando. Hoje, estou aqui pedindo exoneração. Com certeza, é o dia mais triste da minha vida. O professor é importante, mas o professor só é importante na cabeça do professor. Na cabeça do governo, o professor não é importante, na cabeça da Sedu, o professor não é importante. O professor para essas pessoas é só alguém que vai tomar conta de criança, são babás com nível superior, pós-graduação, mestrado e doutorado. É assim que eles nos veem. O que importa é se você vai aguentar os xingamentos desse aluno, os desaforos dele, da família dele e tudo o mais. Se você for capaz de suportar isso, você é um ótimo professor! Se você não for capaz de suportar isso, existem milhões que estão querendo, mas meu diploma não foi pra isso.

Por que escolheu essa profissão?

Eu vim de Teixeira de Freitas, na Bahia, passei na universidade estadual de lá. Mudei porque acreditava na educação, na nobre função de ser professor. Trabalhava nos Correios lá, estava bem financeiramente, mas troquei tudo pelo sonho de ser professor, estudar meu mestrado. Passei aqui no Estado e mudei. No ano seguinte, passei no município também. Trabalho todos os dias, em dois turnos. Trabalho na prefeitura como professor, mas é outra realidade.

O senhor acredita que essa sua postura vai ajudar outros professores que vivem a mesma realidade que a sua?

Eu espero que sim. Apesar de que, quando eu olho de forma particular, eu é que vou sair prejudicado. Os massacres não são só com armas. Os massacres e as mortes acontecem a todo momento. Os professores estão morrendo, emocionalmente, todos os dias. Eu preciso reviver. Eu não posso continuar morrendo. Eu estou fazendo minha parte, não aceito mais isso.

O pedido de demissão deve causar prejuízo ao seu orçamento mensal...

Esse dinheiro não vale minha vida. Eu preciso voltar pra minha esposa e para meus filhos. Minha vida vale muito mais. Seja o salário que for, esse salário não vale o risco que eu corro. Viver disso tudo está muito perigoso. É muito melhor ter um prato vazio com sossego do que geladeira cheia sem saber se vou voltar para casa.

 

SEDU INFORMA QUE ALUNO FOI SUSPENSO

O aluno de 14 anos que ameaçou o professor Jerffeson Nunes de Morais, 37 anos, em uma escola estadual da Serra, foi suspenso. A informação é da Secretaria de Estado da Educação (Sedu). De acordo com nota enviada na tarde desta sexta-feira (29), a escola acionou a família e já dialogou sobre o ocorrido. Conforme prevê o Regimento Comum das Escolas, a direção da unidade de ensino levará o caso para o Conselho de Escola.

Quanto às questões de segurança, a Secretaria de Educação afirmou que a direção da escola atua tanto com ações preventivas de segurança e na condução de medidas pedagógicas que visam contribuir para um ambiente escolar seguro.

A nota esclarece que a escola “conta com o serviço de vigilância patrimonial, responsável pela garantia da preservação da unidade de ensino, e com a atuação da Companhia Especializada de Polícia Escolar (Patrulha Escolar), que atua de forma preventiva, realizando visitas às escolas, no mínimo, uma vez por semana, reunião com pais e palestras educativas. Em 2018, foram realizados mais de 8 mil atendimentos pela Patrulha Escolar”.

De acordo com a Sedu, paralelo às ações preventivas, a escola também trabalha com medidas pedagógicas que visam a conscientização do aluno quanto à valorização da vida, a capacitação dos professores para lidar com questões como bullying, condutas violentas e a inclusão da disciplina Projeto de Vida.

"PROFESSOR NÃO PODE SE PUNIR", DIZ SINDICATO

“É muito cruel quando um colega pede exoneração. Ele é a parte que está sendo lesada. Ele pode ser transferido para outra escola, cedido ao município ou até mesmo para outra secretaria onde ele possa trabalhar na função que ele já exerce."

A explicação é do diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes), Aguiberto Oliveira de Lima. Segundo ele, a garantia da segurança de Jerffeson Nunes de Morais, 37 anos, cabe à chefia imediata ou ao gestor dele, no caso a secretária de Estado da Educação.

Este vídeo pode te interessar

"O profissional da educação não pode se autopunir com a exoneração porque o local se tornou inseguro para ele. Ele não é o culpado por isso. Se isso não for garantido pelo seu gestor, ele pode ser afastado sem nenhum prejuízo remuneratório. O sindicato está à disposição para orientá-lo", disse.

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais