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Ex-líder do tráfico de Vila Velha vira escritor e cria canal na internet

Ex-líder do tráfico de Vila Velha vira escritor e cria canal na internet

Em 2011, aos 19 anos, o Leozinho Prostituto era suspeito de envolvimento em cerca de 60 tiroteios, assassinatos e tráfico

Publicado em 6 de abril de 2019 às 22:59

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“A paz, irmão. Pode entrar”. Foi assim que Leonardo Moraes de Souza, de 26 anos, recebeu a reportagem na casa onde ele mora com a esposa, em um bairro da Grande Vitória. De óculos e usando paletó e gravata, a imagem dele é muito diferente daquela que o tornou conhecido.

Em 2011, aos 19 anos, Leonardo estampou as capas de jornais por conta dos seus crimes. Conhecido como Leozinho Prostituto, era suspeito de envolvimento em cerca de 60 tiroteios, assassinatos, além do comando do tráfico de drogas na Grande Santa Rita, em Vila Velha. Muitos do crimes atribuídos ao Leonardo foram cometidos quando ele era adolescente e, por isso, os processos seguem em sigilo.

O apelido de Prostituto era, na verdade, uma tatuagem no braço direito. Para não chamar a atenção da polícia, antes de ser preso, Leonardo chegou a tatuar novos símbolos no lugar do antigo nome. No entanto, acabou atrás das grades e ficou encarcerado por quase seis anos. “Eu cheguei no presídio e, menos de um mês depois, me entreguei para Jesus”.

Após ser solto, em maio de 2017, Leonardo decidiu contar sua história de uma maneira um pouco diferente. Além do trabalho de missionário da igreja Assembleia de Deus, Leonardo escreveu o livro “Relatos de um sobrevivente”, em que narra sua história no mundo do crime, e também aposta em um canal no Youtube. O canal, que leva o nome do missionário, foi criado em março deste ano. “O objetivo é ajudar as almas que levam a vida que eu levei”, revela.

Por que criar um canal no Youtube?

Muitas pessoas que presenciaram o que eu fui no passado, hoje assistem aos vídeos como inspiração. A gente sabe que o povo tá acompanhando e então eu sempre procuro postar o meu trabalho para alcançar e incentivar cada vez mais pessoas daqui e de fora do Espírito Santo. Não escondo minha história, eu sou ex-bandido. Jesus me chamou para eu trazer às pessoas o que Ele fez comigo. Os vídeos são gravados por mim ou então peço alguém que está no culto para gravar para mim. Além do canal, também posto fotos e vídeos no Facebook e no WhatsApp.

Como foi seu início na vida do crime?

Minha mãe era doméstica e meu pai ajudante de pedreiro. Tenho cinco irmãos. Eu era do Conjunto das Crianças, chamado Jardim de Deus, da Igreja de Santa Rita. Fui criado no chão da igreja com minha mãe. Com 13 para 14 anos, eu comecei a perceber que minha família não tinha condição de me dar aquilo que eu queria, como roupas e tênis de marca que os meus amigos da rua tinham.

O diabo criou uma fantasia e comecei como aviãozinho, depois virei vapor e com 16 anos já era dono da minha boca de fumo. Aos 18 anos, eu estava com mandado de busca e apreensão. Era procurado no Estado todo.

Você estudou? Trabalhou em algum lugar?

Estudei até a 6ª série e depois parei. Quando mais novo, fiz frete e alguns serviços. Mas quando eu era pequeno, pensava em como seria minha vida como pregador. Nunca pensei em ter uma profissão específica.

Quando você foi preso, em maio de 2011, a Polícia Civil informou que você era suspeito de envolvimento em 60 tiroteios, de ter assassinado 14 pessoas, além do tráfico de drogas. Desses, quantos você confessa participação?

Na época, fui acusado de 26 homicídios contando quando eu era menor e maior de idade. Também fui acusado de 60 trocas de tiros, tráfico de drogas, associação para o tráfico de drogas e aliciamento de menor.

Mas desses todos, quantos você assume de fato?

Rapaz, eu não gosto de ficar falando dessa coisa de morte, homicídio… Eu ainda tenho processos por envolvimento no tráfico, tentativa de homicídio, mas a maioria é de quando eu era menor de idade.

De acordo com o que você relatou, mesmo com as referências religiosas da sua mãe, você se tornou um criminoso. Como se deu a conversão?

Na época de adolescente, eu fui preso também, mas fui solto. Deu dois anos quando era menor e seis anos maior de idade. Ao todo, deu quase oito anos. Quando fui preso em 2011, eu já era maior. Aos olhos da sociedade, eu ia pegar mais de 80 anos de cadeia. Eu tinha um mês de preso e me entreguei pra Jesus. Na época que eu cheguei na cadeia, eu tive muita oportunidade de fazer conexão com bandidos de outros lugares, só que meu coração ansiava por isso. Eu já estava tranquilo quanto à cadeia.

No CTV (Centro de Triagem de Viana), eu lia de 40 a 60 capítulos da Bíblia por dia. Fui batizado pelo Espírito Santo dentro de uma cela. Comecei a pregar numa galeria com 25 presos. E dentro do presídio fui batizado nas águas. O pastor foi fazer trabalho fora da unidade e ganhei a oportunidade de conduzir os cultos. Dali fui transferido para uma galeria com mais de 200 presos. Todo mundo comentava: ‘o Leozinho tá aí’. Lá eu topava com meus inimigos, todo mundo me olhando de rabo de olho, mas eles falavam: “não, rapaz. Nossa guerra acabou…”

O que você pregava no presídio?

Pregava sobre a Bíblia. Sobre meu passado eu não falava porque tinha gente de tudo quanto é canto que sabia minha história. Minha prisão e minha conversão foi um impacto para muita gente. O meu trabalho começou dentro dos presídios, não começou aqui fora.

Cadeia é um lugar terrível. A sociedade tem uma visão que na cadeia é um lugar onde se guarda monstros e tal. Eu estou conversando com você aqui hoje, mas é a mesma pessoa que antigamente era considerado monstro aos olhos da sociedade. Hoje eu tenho uma mentalidade diferente, tenho o coração transformado, só que eu sou uma pessoa que antigamente tinha uma arma na mão. Eu já puxei o gatilho, eu já fiz crueldades. Hoje Deus mudou a minha história.

Você comentou sobre os inimigos na cadeia. Acredita que ainda estaria vivo se não tivesse se convertido?

Se eu não tivesse me convertido, eu não tinha saído da cadeia, isso é óbvio. Talvez, nem estivesse vivo. Eu busquei muito a Deus. Se eu não tivesse me apegado a Deus, eu não teria recebido um alvará de soltura e saído pela porta da frente. Sem Jesus, de 1 a 100, a chance de ficar com vida é zero. Eu tinha morrido.

Então você só se converteu para permanecer vivo?

Fé e espiritualidade cada um tem a sua. Se acreditar, Jesus muda a história de qualquer bandido e perdoa os pecados dele. Quanto a minha intimidade com Deus eu tenho convicção, estou tranquilo quanto a isso. O sangue do ex-bandido é quente. Na sua natureza, é olho por olho e dente por dente. A gente é correto.

O cara vai ser sempre amoroso, mas o inimigo tem 1.300 formas de fazer te trazer de volta àquela pessoa de antes. O cara fica no limite, tem que ficar vigilante. É uma luta constante. A gente tem que ser realista. Todo mundo sabe que Deus mudou minha história. Eu sei de onde Deus me arrancou.

E como surgiu a ideia de escrever um livro?

Foi escrito ano passado. Quis contar um pouco da minha história e também sobre a conversão. O “Relatos de um sobrevivente” tem um valor simbólico de R$ 15. Pode ser encontrado em clínicas de recuperação e nas igrejas onde eu vou. Tem familiar de preso que me procura e pede também. A previsão é lançar “Relatos de um sobrevivente - Parte II” neste ano. O livro me dá um suporte. O povo compra e eu vivo assim. A igreja também dá um suporte. Assim a gente vive e paga o aluguel.

- Foto: Bernardo Coutinho"/>

HISTÓRIAS DO CRIME EM 40 PÁGINAS

O início de uma vida criminosa marcada pelo tráfico de drogas, compra de armas, assassinatos e fuga da prisão. Esse é o contexto do livro “Relatos de um sobrevivente”, escrito por Leonardo Moraes de Souza, 26 anos. Aos 17 anos, Leozinho Prostituto, como era conhecido, já era considerado o chefe do tráfico na região da Grande Santa Rita, em Vila Velha.

As 40 páginas do livro contam a trajetória no crime do então garoto, filho de uma doméstica e de  um ajudante de pedreiro, que morava na Ilha da Conceição. “Fui criado em um bairro onde o índice de criminalidade é muito alto. A cerca de 30 e 40 metros da minha casa moravam traficantes e homicidas, e eu via, diariamente, eles passando com carros bonitos e motos”, diz um trecho da obra.

Após ter assumido as funções de aviãozinho e vapor na boca de fumo, Leozinho revela que ficou “responsável por recolher o dinheiro de todos os traficantes e entregar aos policiais que estavam na rotina. Isso se chamava arrego. Fiquei conhecido dos policiais e comecei a ter condições de comprar roupas, joias”, conta.

Em entrevista concedida à reportagem no dia 18 de março, o ex-bandido, como ele se autointitula, preferiu não revelar quantos pessoas executou. No entanto, no livro, ele assume autoria em pelo menos 13 homicídios. “Me tornei um jovem maldoso, andava drogado, e qualquer motivo ofensivo era motivo para eu querer matar. A partir daí comecei a cometer muitos homicídios. Quando encontrava alguém que roubava na comunidade, eu assassinava. Sei que é triste dizer isso, mas já assassinei pessoas por me responder mal”, diz um trecho da obra.  O autor planeja lançar a segunda parte do livro ainda este ano.

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