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Tiroteios e toque de recolher já deixaram 6 mil sem aulas na Grande Vitória

Tiroteios e toque de recolher já deixaram 6 mil sem aulas na Grande Vitória

Um levantamento das Prefeituras de Vitória, Vila Velha, Serra e Cariacica apontou que 6.022 alunos ficaram sem atividade escolar em 11 bairros por causa de toque de recolher imposto por traficantes

Publicado em 27 de maio de 2019 às 10:04

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Tiroteios, correria, medo e rotina escolar alterada. Essa foi a realidade em 12 escolas das Grande Vitória que tiveram aulas interrompidas, somente neste ano, por causa da violência.

Um levantamento das Prefeituras de Vitória, Vila Velha, Serra e Cariacica apontou que 6.022 alunos ficaram sem atividade escolar em 11 bairros por causa de toque de recolher imposto por traficantes.

Quando isso acontece, bandidos, geralmente em motos ou bicicletas, ordenam que nenhum morador circule pela rua e que nenhum comerciante abra sua loja.

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A maioria dos casos foi registrada em Cariacica: de fevereiro a maio, 4.486 estudantes, crianças e adultos, não puderam frequentar a escola.

No dia 13 de março, cerca de 2.800 estudantes ficaram sem aulas. De acordo com moradores, criminosos determinaram um toque de recolher nos bairros: Jardim de Alah, Campo Belo, Piranema, Jardim Botânico e Rio Marinho. A ação teve início após o assassinato de um homem em Rio Marinho.

Uma dona de casa de 38 anos tem uma filha de 9 anos matriculada na Eurídes Gabriel. A escola ficou fechada nos dias 13 e 14 de março por causa da violência na região.

“Eu moro em um bairro vizinho, mas levo minha filha a pé todos os dias. São pelo menos 30 minutos de caminhada. Quando os traficantes passam de moto avisando, ninguém sai de casa. Prefiro não arriscar”, disse a mãe.

Ainda em Cariacica, também houve escola fechada nos bairros Liberdade, Flexal II e Mucuri. Em Vila Velha, de acordo com a Secretaria Municipal de Educação, somente a escola Amilton da Silva, localizada no bairro Ataíde. No dia 20 de março, 210 alunos, de 2 a 5 anos, ficaram sem aulas após um tiroteio ter sido registrado na região na tarde do dia anterior.

O titular do Departamento Especializado em Narcóticos, delegado Fabrício Dutra, explicou que os casos de Cariacica estão relacionados à disputa por pontos de tráfico de drogas instalados nos bairros apontados .

“O toque de recolher é uma decisão do chefe do tráfico, que geralmente, está relacionado à guerra por mais pontos de comercialização de entorpecentes com outra comunidade. Invariavelmente, temos o microtráfico, há uma disputa em determinadas áreas . Em Cariacica, tem bairro com até quatro gerentes de tráfico diferentes”, destacou.

OUTROS MUNICÍPIOS

Na Serra, no dia 5 de abril, dois jovens armados invadiram a escola Aureníria Correa Pimentel, no bairro Novo Horizonte.

Segundo testemunhas, os criminosos pularam o muro da instituição, agrediram um estudante e ameaçaram meninas que estavam no pátio escolar. A ação aconteceu pela manhã, no recreio. À tarde e durante a noite, 1.100 estudantes ficaram sem aulas.

Já em Vitória, no bairro São Benedito, 226 alunos ficaram em casa porque a Escola Municipal Paulo Roberto Vieira Gomes não executou atividades curriculares nos turnos vespertino e noturno.

PROFESSORES AFASTADOS PARA TRATAR DOENÇAS

Raio-x das escolas atingidas. (Infografia | Marcelo Franco)

A violência nas escolas deixa os professores com depressão, insônia, síndrome do pânico e até mesmo transtorno de personalidade. A afirmação é do diretor de saúde do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes), Aguiberto Oliveira de Lima. Na avaliação dele, a insegurança registrada nas ruas é a mesma vivenciada pelos professores dentro do ambiente escolar.

De acordo com a Secretaria de Estado da Educação (Sedu), por meio da Lei de Acesso à Informação, 2.425 professores foram afastados após pedido de licença médica em 2018. A violência teve destaque entre as queixas.

“O principal sintoma que afeta os professores é a depressão. Ela destrói a autoestima. Além disso, tem também a insônia, labirintite e personalidade bipolar. Essa violência não atinge só um indivíduo, mas degenera todo tecido social onde ela ocorre”, analisou Aguiberto. Segundo ele, cabe ao gestor público garantir a segurança e a manutenção de um ambiente saudável para atuação dos profissionais da educação e também aos estudantes. “Tem escola que convive toda semana com tiroteio na vizinhança. A avaliação do nível de vulnerabilidade social onde a escola está inserida tem que ser um definidor de políticas de segurança pública, mas não é assim que funciona”, comentou.

“ELES SÃO COMO TERRORISTAS, NOS COLOCAM MEDO"

À espera do filho de 7 anos em frente à Escola Municipal Eurídes Gabriel, no bairro Campo Belo, em Cariacica, uma dona de casa de 27 anos disse que já deixou de levar o menino à unidade de ensino duas vezes neste ano por medo de sofrer represálias de traficantes.

Nos dias 13 e 14 de março, ao menos 128 alunos ficaram sem aula por causa de toque de recolher imposto por traficantes nos bairros Rio Marinho, Campo Belo, Jardim de Alah, Piranema e Jardim Botânico. Mesmo não morando em nenhum dos bairros afetados, a dona de casa de também foi atingida pela violência.

“Eles são como terroristas, conseguem nos colocar tanto medo que a gente não vê alternativa a não ser obedecer o que eles estão falando. Quem vai se colocar na frente de alguém com arma na mão?”, questiona a mãe.

Neste ano, quantas vezes a senhora já deixou de levar o filho para a escola por causa de toque de recolher?

Eu não moro aqui em Campo Belo, mas a única escola para o meu filho fica aqui. Então, a opção é trazê-lo. Só neste ano meu filho já deixou de estudar duas vezes por causa disso. Alguns pais insistem em trazer as crianças. Eu já trouxe algumas vezes, mas hoje tenho medo. A escola diz que abre, mas quem vai sair de casa e pagar para ver?

Como funciona a ordem?

Olha, acontece sempre quando tem alguma morte, suspeita de ataque de gangue ou operação da polícia. Eles passam de moto e tocam o terror dizendo que é para fechar tudo e ordenam que ninguém saia de casa.

E os moradores obedecem?

Eles são como terroristas, conseguem nos colocar tanto medo que a gente não vê alternativa a não ser obedecer o que eles estão falando. Atacam e nos intimidam por medo. Quem vai se colocar na frente de alguém com arma na mão?

E como a senhora se sente tendo de conviver com essa violência?

 

A gente se sente fraca, sem poder fazer nada para evitar isso. Meu filho só tem 7 anos e está em uma fase importante de aprendizado, mas quando tem essas coisas no bairro, ninguém ousa sair de casa. O toque de recolher não costuma durar muito, mas eu sempre levo meu filho a pé para a escola e tenho medo que no caminho aconteça alguma coisa com ele, comigo. Por isso, prefiro evitar e esperar passar. A gente conversa com os vizinhos, liga para um, manda mensagem no celular para outro... Quando as pessoas confirmam que é seguro sair, a gente volta à rotina.

Na sua opinião, por que casos como esse de toque de recolher ainda acontecem?

Acho que falta mais segurança nos bairros e nas escolas. A gente se sente inseguro nas ruas, assim como os professores e os alunos também não estão seguros.

PRISÕES PARA IMPEDIR TOQUE DE RECOLHER

Delegado Fabrício Dutra: "Toque de recolher é usado para oprimir a comunidade. (Arquivo 12/03/2019)

Polícia aposta em prisões de chefões do tráfico para diminuir disputas de gangues nos bairros Para evitar a imposição de toque de recolher e combater o tráfico de drogas na Grande Vitória, a Polícia Civil trabalha com a identificação e a prisão dos chefes do tráfico.

A Patrulha Escolar, que faz rondas frequentes nas unidades de ensino, também é uma alternativa no trabalho preventivo e garantia da segurança no ambiente escolar.

O titular do Departamento Especializado em Narcóticos (Denarc), delegado Fabrício Dutra, explicou que toque de recolher, na maioria dos casos, é uma ferramenta adotada pelo tráfico com o objetivo de oprimir a comunidade.

“Essa opressão do tráfico ocorre, historicamente, com traficantes que cresceram no bairro onde operam. Fazem isso na tentativa de imposição do medo daqueles que não aceitam a atuação criminosa”, pontuou o delegado.

De acordo com Dutra, o tráfico de drogas é um problema que envolve segurança pública, saúde e educação. Por isso, deve ser tratado e combatido de forma integrada.

“Cabe à polícia a identificação desse microtráfico: quem são os traficantes que estão em guerra para tirá-los de circulação. Outro ponto é a prevenção, quando há patrulhamento policial para levar a sensação de segurança às comunidades”.

Segundo ele, também é importante o trabalho junto às prefeituras. “Deve haver um trabalho pedagógico nas escolas para explicar como o tráfico opera. Assim, essa geração poderá ajudar no combate com denúncias.”

O secretário de Defesa Social e Trânsito de Vila Velha, Oberacy Emmerich Júnior, informou que o grupamento escolar da Guarda Municipal faz visitas diárias às escolas municipais para prevenir conflitos. “Atuamos de forma integrada com as polícias”, disse.

A prefeitura de Cariacica afirmou que “que dias letivos serão repostos ao longo do segundo trimestre escolar. No que se refere às comunidades, algumas escolas da rede foram contempladas com o Programa de Enfrentamento e Resistência às Drogas (Proerd), da Polícia Militar”.

Ainda segundo a prefeitura, o projeto deve retornar no segundo semestre e a sugestão da Secretaria de Educação é priorizar as escolas das regiões que tiveram os toques de recolher.

Já a Prefeitura da Serra afirmou, em nota, que em “caso de interrupção das aulas, os alunos não são prejudicados, pois, por lei, as escolas devem cumprir 200 dias letivos e carga horária de, no mínimo, 800 horas.”

O QUE DIZ A SEDU

A Secretaria de Estado da Educação (Sedu) garante que “diante a qualquer eventualidade em que não seja possível ter aula, a escola, juntamente com a superintendência de educação da região, reorganizam as atividades pedagógicas para reposição do dia letivo”, diz a nota.

“Cabe à polícia a identificação desse microtráfico: quem são os traficantes que estão em guerra para tirá-los de circulação. Outro ponto é a prevenção” Fabrício Dutra delegado tv gazeta/ reprodução Delegado Fabrício Dutra: “toque de recolher é usado para oprimir a comunidade”

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