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Com um pé na cadeia e outro no Planalto: Lula será julgado por triplex

Com um pé na cadeia e outro no Planalto: Lula será julgado por triplex

Ex-presidente Lula será julgado no processo do triplex pelo TRF-4

Publicado em 21 de janeiro de 2018 às 01:46

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O ex-presidente Lula. (Instituto Lula | Divulgação)

O resultado do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), na próxima quarta-feira, não será o fim da linha para o petista, mas pode ser o motivo a impedi-lo de disputar as eleições de 2018, devido à Lei da Ficha Limpa. As consequências de uma eventual confirmação em segundo grau da condenação determinada pelo juiz Sérgio Moro iriam além do destino político do petista, que lidera as intenções de voto para comandar o Palácio do Planalto.

O bater do martelo na quarta-feira, seja pela absolvição, pela manutenção da sentença, pelo aumento ou redução de pena, abre a possibilidade de recursos, tanto por parte da defesa quanto por parte do Ministério Público Federal. Isso na esfera da Justiça criminal. E se nenhum dos três desembargadores que compõem a 8ª Turma do TRF-4 pedir vista, adiando o desfecho do caso.

Os meandros da Justiça, no entanto, são apenas parte do que vem a seguir. O PT já definiu que vai manter a candidatura de Lula “até as últimas consequências”.

O fato é que o primeiro ex-presidente da República condenado por corrupção no Brasil desperta reações apaixonadas tanto de seus seguidores quanto de seus detratores e leva a reboque o próprio Judiciário e figuras como Moro. Há muito em jogo.

O juiz federal condenou o petista a nove anos e meio de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex de Guarujá, no litoral de São Paulo. As 260 páginas da sentença, proferida em julho de 2017, apontam o pagamento de propina de R$ 2,2 milhões pela empreiteira OAS a Lula, em troca de contratos obtidos pela empresa na Petrobras.

O montante refere-se ao valor do apartamento triplex e à reforma feita no imóvel, que seria destinado ao petista, apesar de registrado no nome da empreiteira. A defesa do ex-presidente pede a absolvição e alega que a condução do processo foi “parcial e facciosa”. Os advogados argumentam que o magistrado “reconheceu que não há valores provenientes de contratos firmados pela Petrobras que tenham sido utilizados para pagamento de qualquer vantagem a Lula”.

LULA PODE SER PRESO?

Bonecos infláveis do ex-presidente Lula com roupa de presidiário não são argumentos jurídicos. O TRF-4 já informou que, mesmo se tiver a condenação confirmada na próxima quarta-feira, Lula não vai ser preso imediatamente. Condenados em segunda instância podem passar a cumprir a execução provisória da pena, mas somente depois que os recursos feitos ao próprio segundo grau, ou seja, ao TRF-4, forem julgados. Faltariam, então, vários passos para isso: a publicação do acórdão com a decisão da 8ª Turma, o julgamento dos recursos e a publicação destes.

Advogado e professor de Direito Penal da FDV, Jovacy Peter Filho acredita, no entanto, que o ex-presidente não vai ser preso. “Na minha opinião, o tribunal não vai prendê-lo, até por coerência, porque em momento algum no curso do processo ele foi preso”, argumentou.

A execução provisória da pena, apesar de ter sido chancelada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não é regra. O entendimento mais comum é de que a medida deve ser avaliada caso a caso.

O próprio Ministério Público Federal já disse não ver, no momento, motivos para tal. O procurador regional da República Maurício Gotardo Gerum, que deve defender o aumento da pena de Lula durante o julgamento, divulgou nota na última quinta-feira informando que avalia não haver razões “para formalizar” pedido de prisão contra o ex-presidente. Para Gerum, “em caso de condenação dos réus da referida ação penal, qualquer medida relativa ao cumprimento de pena seguirá o normal andamento da execução penal, não havendo razões para precipitá-la”.

Quando condenou Lula na primeira instância, o juiz Sérgio Moro chegou a mencionar a possível decretação da prisão preventiva do ex-presidente, mas, por “prudência”, recuou. “(...) até caberia cogitar a decretação da prisão preventiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entretanto, considerando que a prisão cautelar de um ex-presidente da República não deixa de envolver certos traumas, a prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extrair as consequências próprias da condenação”, escreveu o magistrado na sentença.

Na ocasião, o juiz também determinou que Lula fique impedido de ocupar cargo ou função pública por um período de sete anos. Esse dispositivo, no entanto, somente vai valer depois que o caso transitar em julgado, ou seja, quando não for mais possível recorrer da decisão. “Mas aí tem STJ, STF. Estima-se uns quatro anos de tramitação do processo”, pontuou Peter Filho.

Se o cumprimento da execução provisória da pena não é uma certeza, depois do trânsito em julgado, em tese, não há para onde correr.

O ex-presidente, no entanto, já tem 72 anos. Questionado sobre a possibilidade de a idade avançada livrar Lula do cárcere, no caso de a condenação ser mantida, o professor da FDV lembra do caso do deputado federal Paulo Maluf (PP-SP). Aos 86 anos e com problemas de saúde, ele cumpre pena definitiva de sete anos e nove meses por lavagem de dinheiro. A defesa do parlamentar já pediu que ele passasse à prisão domiciliar, mas a Justiça negou sob o argumento de que Maluf pode receber cuidados médicos mesmo no Presídio da Papuda, em Brasília.

CANDIDATURA EM XEQUE

A Lei da Ficha Limpa prevê que condenados por órgãos colegiados, como a 8ª Turma do TRF-4, por crimes como os atribuídos ao ex-presidente Lula (PT), fiquem inelegíveis. Esse efeito, no entanto, não é automático. É preciso que a inelegibilidade seja imposta pela Justiça Eleitoral, o que somente pode ocorrer após o pedido de registro de candidatura. O prazo para o registro vai até 15 de agosto. O PT deve procurar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) somente na data limite. Independentemente do resultado do julgamento na próxima quarta-feira, o pedido de registro pode ser feito. Se será ou não deferido, aí é outra história.

Advogados eleitorais consultados pela reportagem dizem que há duas correntes: os que avaliam que, se a 8ª Turma mantiver a condenação de Lula, basta a publicação do acórdão (a decisão) para que o TSE, após o pedido de registro, indefira a candidatura. Outros afirmam que seria preciso aguardar o julgamento de eventuais recursos ao próprio TRF-4, e a publicação destes, para que a Justiça Eleitoral possa considerar a confirmação da sentença e seus efeitos para a inelegibilidade. Isso se os recursos forem todos negados, claro. Se a condenação for unânime, cabem apenas embargos de declaração, para esclarecer pontos obscuros da decisão. Se for por 2 a 1 (a 8ª Turma é composta por três desembargadores), cabem os chamados embargos infringentes. Por meio deles, a defesa deve alegar que o voto perdedor é o correto.

Quando a etapa no TRF-4 estiver terminada e se a eventual condenação não for revertida, a defesa do ex-presidente pode apelar ainda a uma liminar (decisão provisória) para suspender os efeitos do que o tribunal decidiu. O ex-juiz Márlon Reis, conhecido como “o pai da Ficha Limpa” (ele mesmo pré-candidato, pela Rede, ao governo do Tocantins), diz que essa não é a melhor das saídas, embora uma das poucas possíveis. “Ele pode tentar essa liminar no STJ (Superior Tribunal de Justiça) ou não se candidatar. A Lei da Ficha Limpa prevê isso. Antes só o fato de recorrer já dava a elegibilidade. Agora, o STJ tem que deferir a liminar, mas o processo ganha prioridade em relação aos demais. Então é um risco. A defesa pode obter uma resposta negativa rapidamente”, avaliou.

Daniel Falcão, professor da USP e especialista em Direito Eleitoral, não conta com um desfecho tão rápido. “Não acredito que o TRF-4 demore para julgar os embargos. Mas aí acaba o problema do TRF-4 e não o problema do Lula. Lula pode se eleger e isso (todo o imbróglio) não estar resolvido ainda”, afirmou. Ele lembra que, mesmo após o indeferimento da candidatura, ainda é possível recorrer ao próprio TSE e ainda ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Vamos supor que ele tome posse sub judice e os votos sejam anulados. Haveria dupla vacância e teria que se fazer uma nova eleição. Isso nos dois primeiros anos de mandato. O que o Lula está apostando é que seria muito mais difícil, politicamente, os ministros tirarem a candidatura dele depois de eleito”, avaliou.

Karina Kufa, advogada eleitoral e professora do IDP, considera que “muito dificilmente” o ex-presidente continuaria na disputa sem uma liminar do STJ. “A não ser que o STF reconheça a inconstitucionalidade da Lei da Ficha Limpa.” Nunca se sabe. “Pode vir uma decisão de fora. Já há contestação com base no Pacto da Costa Rica na Corte Interamericana. Há precedentes de outros países no sentido de que não é válida lei que impede candidaturas a não ser por condenação transitada em julgado (quando não há mais possibilidade de recorrer)”, afirmou.

OS EFEITOS SOBRE O JOGO POLÍTICO

Um cenário com Lula duplamente condenado, a depender do que o TRF-4 decidir, tende a acirrar os ânimos da corrida eleitoral que o petista lidera em intenções de voto. Se o ex-presidente ficar fora da disputa, seja no início ou no final da campanha, ainda haveria muitas questões. O cientista político David Fleischer, da UnB, lembra que a última pesquisa Datafolha, de dezembro, mostra que, levando em conta os atuais pré-candidatos, os votos de Lula se dissipam um pouco para Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede), e até para Jair Bolsonaro (PSC), em menor grau. Mas o que aumenta mesmo é o percentual de brancos e nulos. Eles chegam a 15% nas simulações com o ex-presidente no páreo. E vão a 30% nas sem o petista. “É como se dissessem: se não for Lula, não voto em ninguém”, exemplificou Fleischer. Quem lidera todas as projeções sem o ex-presidente, entretanto, é Bolsonaro.

O cientista político avalia que novos nomes podem surgir. “O Haddad (ex-prefeito de São Paulo) e o ex-ministro Jaques Wagner, ambos do PT, são postes que o Lula pode colocar, mas que não têm densidade. O (ex-ministro) Aldo Rebelo foi para o PSB. Pode ser que ele seja candidato. E tem o (apresentador de TV) Luciano Huck, o (ex-ministro do STF) Joaquim Barbosa... Uma campanha sem Lula deixa as portas abertas”, projetou.

O PT, ainda de acordo com Fleischer, seria vitimado até em relação a outros cargos. “Se Lula não for candidato, não vai ter Lula para ‘puxar legenda’, então pior para o PT em busca de votos para candidatos a deputado federal e até para governador”, concluiu.

Já o também cientista político Antonio Mazzeo, da USP, faz coro aos apontamentos feitos por Lula e seus simpatizantes quanto à condução do processo: “Esse julgamento está conspurcado, contaminado por diversos elementos que retiram a legitimidade do processo jurídico. Não há provas. (Lula ser retirado da disputa) seria uma grande convulsão nacional. Não pensem que a coisa vai ser simples”.

“O Lula é o candidato que tem a maior força de intenção de voto. Uma eventual condenação, por unanimidade ou não, não alteraria os planos do presidente de registrar a candidatura. Como isso vai ser objeto de muitos recursos, nesse período ele vai continuar questionando a lisura do Ministério Público e do Judiciário, confrontando as instituições públicas com discurso político para mobilizar sua base de eleitores”, afirmou o cientista político e advogado constitucionalista Marcus Vinícius Macedo Pessanha.

Ele avalia como pouco provável que o caso chegue a um desfecho somente após as eleições. “Todos os julgamentos ligados à candidatura do Lula, tudo vai ser feito a tempo de ter decisão final antes das eleições. O Judiciário tem sensibilidade a isso. A rapidez não é perseguição. É prudência. Seria uma situação de caos institucional se tivéssemos um presidente diplomado e condenado posteriormente”, alertou.

Procuradora regional da República e professora da FGV, Silvana Batini já se debruçou sobre a hipótese e avaliou que se a condenação do TRF-4 (considerando o julgamento dos recursos feitos ao próprio tribunal) vier após o ex-presidente ser eleito nada mais poderia ser feito na esfera eleitoral. “Neste caso, na eventualidade de Lula ser condenado pelo TRF-4 depois de eleito, o TSE não teria como impedir que o candidato eleito venha a assumir a Presidência da República”, observou a especialista em Direito Eleitoral.

TRIBUNAL FICA SOB OS OLHARES DE TODO O PAÍS

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) ficou sob holofotes após a condenação em primeiro grau sofrida pelo ex-presidente Lula (PT). Desde julho do ano passado já se sabia que o próximo e mais relevante passo do processo caberia à Corte, sediada em Porto Alegre. O TRF-4 tem jurisdição nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. E é para lá que seguem os processos julgados pelo juiz federal Sérgio Moro.

A 8ª Turma, a que vai julgar o caso (Ação Penal 5046512-94.2016.4.04.7000), na próxima quarta-feira, é composta pelos desembargadores João Pedro Gebran Neto (relator da Lava Jato no tribunal), Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos Laus.

Se houver condenação por dois a um, serão cabíveis embargos infringentes (em que a defesa sustenta que o voto perdedor é o correto) e esse recurso deve ser julgado pela 4ª Seção, comandada pela vice-presidente do TRF-4, Maria de Fátima Labarrère, e composta por integrantes da 7ª e da 8ª Turmas.

Presidente

Já o presidente do tribunal, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, somente entra no circuito se a defesa do ex-presidente tentar um recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou um recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal (STF).

De acordo com Karina Kufa, advogada e professora do IDP, esses recursos têm que ser apresentados ao presidente do TRF-4 para que possam ser remetidos às outras instâncias.

“Os recursos vão para o presidente do TRF-4 para ver a admissibilidade. Ele tem que ver se houve afronta à Constituição ou à lei e ele mesmo, sozinho, pode dar uma liminar suspendendo os efeitos da decisão da 8ª Turma do TRF-4 e mandar esses recursos para o STJ ou STF”, disse.

Thompson Flores é o mesmo que, em agosto do ano passado, disse, em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, que a sentença de Moro contra Lula é “tecnicamente irrepreensível, fez exame minucioso e irretocável da prova dos autos e vai entrar para a história do Brasil”.

Transmissão

Na quarta-feira, o TRF-4 vai transmitir o julgamento de Lula ao vivo, pelo YouTube, no link https://www.youtube.com/TRF4oficial, a partir das 8h30.

TRÊS HOMENS E UMA SENTENÇA

Gebran Neto - Relator

Gebran Neto - Relator. (Tati Beling/Ales)

João Pedro Gebran Neto atua no TRF-4 há mais de quatro anos. É doutor honoris causa em Direito à Saúde. Foi promotor de Justiça e juiz federal antes de se tornar desembargador federal, nomeado pela então presidente Dilma Rousseff (PT), em novembro de 2013. Gebran se considera amigo de Sérgio Moro, que colaborou com sugestões e críticas para um de seus livros. Ambos fizeram mestrado com o mesmo orientador na UFPR, no início dos anos 2000. Gebran Neto já negou qualquer suspeição para atuar nos casos derivados de sentença de Moro.

Leandro Paulsen - Revisor

Leandro Paulsen - Revisor. (Sylvio Sirangelo/TRF-4)

Doutor em Direitos e Garantias do Contribuinte, Leandro Paulsen tornou-se juiz federal aos 23 anos e já foi auxiliar da ministra Ellen Gracie no STF. Dedicou toda a carreira ao Direito Tributário, tema sobre o qual já escreveu 11 livros, mas desde a posse no TRF-4, em 2013, também nomeado por Dilma Rousseff (PT), passou a atuar na área penal. Gaúcho, formou-se em Direito na PUC-RS e também é especialista em Filosofia e Economia Política pela mesma universidade.

Victor Laus - Mais antigo

Victor Laus - Mais antigo. (TRF-4)

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Vindo de uma família de advogados e desembargadores, e formado na Universidade Federal de Santa Catarina, Victor Luiz dos Santos Laus é ex-procurador da República no MPF e o mais experiente de sua Turma no TRF-4, onde trabalha desde 2003. Laus é famoso no meio jurídico por ser um juiz bastante rígido e de postura silenciosa. Além de analisar os recursos da Lava Jato na segunda instância, ele ainda julga os processos da Operação Carne Fraca, em que a JBS é investigada.

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