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Vender estatais e cobrar pelo SUS: o papel do Estado em jogo

Vender estatais e cobrar pelo SUS: o papel do Estado em jogo

No debate das eleições 2018 será preciso discutir até que ponto o governo vai interferir na vida de todos

Publicado em 14 de janeiro de 2018 às 00:29

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Palácio do Planalto, onde as principais decisões políticas do país são tomadas. (Divulgação)

Além do nome que vai comandar a Presidência da República, as eleições deste ano podem definir até que ponto o Estado vai atuar – e como vai atuar – em aspectos que afetam a vida de todos. Os discursos dos pré-candidatos podem não conter a expressão “tamanho do Estado”, mas, em muitos aspectos, é disso que se trata.

Lula (PT) quer a volta do crédito farto para incentivar a economia, mas sem se comprometer em explicar como isso se daria. Jair Bolsonaro (PSC), após passar décadas defendendo até a ditadura militar, agora se diz adepto de um “Estado menor”, com acenos aos liberais, no campo da economia. Geraldo Alckmin (PSDB) já consegue defender privatizações.

Essas discussões se dão, acima de tudo, como resposta à crise e às demandas da população por soluções.

Há entre os economistas quem proponha uma mudança mais profunda. E outros que torcem o nariz para quem tenta aproveitar o momento para aprovar reformas como a trabalhista e a da Previdência, que contam com o apoio do governo Michel Temer (PMDB), mas não somente deste. São visões de mundo e de país opostas, mas que, em tese, visam a um Estado mais eficiente, que propicie serviços públicos de mais qualidade.

 

IMPOSTOS

“O Estado guloso que temos hoje ninguém quer, a não ser os políticos que vivem dele”, resume o cientista político Bruno Garschagen, autor do livro “Pare de acreditar no governo”. Conservador e monarquista, Garschagen defende a redução da carga tributária e é contra o termo “contribuinte” para se referir a quem paga impostos. “Não é contribuinte porque não é uma contribuição, não é voluntário. É pagador de imposto”, defende.

“O Estado brasileiro não é grande. Os números não comprovam isso. Nossa carga tributária este ano vai ser de 32% do PIB, um patamar médio. E ainda tem uma despesa muito grande para pagar juros da dívida pública. É um Estado com poucos recursos”, diz, por outro lado, o economista Marcelo Manzano, consultor da Fundação Perseu Abramo, do PT.

ESTATAIS

Mas o choque de ideias não para por aí. O que dizer das cerca de 150 estatais sob controle do governo federal? Para Manzano, elas são os “motores da economia” e se são palco de casos de corrupção, isso tem que ser combatido, mas sem “jogar o bebê fora com a água do banho”.

Para o professor de Economia aposentado da Ufes Arlindo Villaschi, substituir as estatais por empresas privadas não é garantia de melhoria no serviço. “Tiraram o capital público do sistema de telecomunicações. Estamos satisfeitos com o serviço de telefonia no Brasil? Não. É falso esse discurso de que se o Estado sair vai entrar uma empresa muito eficiente”, argumenta.

Professor da Fucape e presidente da ONG Espírito Santo em Ação, Aridelmo Teixeira discorda. “Quantos anos o governo gasta para construir uma rodovia, uma ponte, um aeroporto? Na iniciativa privada sai bem mais rápido”, ressalta.

Questionado sobre o caso da concessão da BR 101 no Espírito Santo à iniciativa privada, que também caminha para se transformar em uma novela, Teixeira pondera: “Mas nós fomos lá (falar com a concessionária Eco 101) e reclamamos. Na iniciativa privada, se não fizer a gente cobra, tem um contrato, se não fizer, dá para outro fazer. Em relação à BR 262 vamos reclamar com quem?”.

“A iniciativa privada é perfeita? Claro que não. Mas temos como cobrar para ser mais ágil. E isso faz toda a diferença”, complementa Teixeira.

LÁ NA NORUEGA...

Privatizações e redução de impostos não são os únicos temas recorrentes nesta discussão. É frequente que, ao se questionar se é possível um Estado que arrecada muito, administra bem e fornece serviços públicos de qualidade, os países escandinavos (como Suécia, Noruega e Dinamarca) sejam lembrados.

“Claro que há problemas nessa comparação, como o tamanho do país e homogeneidade biológica e cultural. Países escandinavos não são base de comparação para nada”, afirma Garschagen. “E esses países tiveram uma experiência de desenvolvimento econômico que o Brasil jamais teve. Tiveram anos de liberdade econômica, de um Estado que não atrapalhava, que só criava regras para potencializar o desenvolvimento econômico. Fica parecendo que esses países enriqueceram do nada, só aumentando a carga tributária”, pontua.

“Os países escandinavos são menores e têm uma história política diferente, sim. Mas do ponto de vista de modelo institucional deveríamos nos espelhar neles porque reduzir o tamanho do Estado não deu certo na história do século XX. Quem ampliou o tamanho do Estado se desenvolveu, quem reduziu, não”, rebate Manzano.

A ETERNA ESPERA

 “Ocorre uma coisa cruel: os políticos prometem e não cumprem. As pessoas continuam numa expectativa irreal de que vai ser cumprido. E aceitam os impostos escorchantes na esperança de que um dia os recursos sejam aplicados de maneira racional. Isso nunca vai acontecer”, declara Garschagen. Cenas dos próximos capítulos?

SUS E UNIVERSIDADES DIVIDEM ESPECIALISTAS

No final do ano passado, o Banco Mundial sugeriu o fim da gratuidade do ensino superior. A ideia está no relatório “Um ajuste justo – propostas para aumentar eficiência e equidade do gasto público no Brasil”. O governo continuaria subsidiando os estudantes que estão entre os 40% mais pobres do país. No entanto, os de renda média e alta poderiam pagar pelo curso depois de formados, por meio de um programa de crédito estudantil, como o Fies.

E essa é apenas uma das ideias que parecem controversas no debate sobre até onde o Estado deve ou é capaz de suprir as demandas da sociedade. E se o SUS não tivesse que atender a todos e sim apenas a pessoas de baixa renda? O ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP), já disse que um sistema universal e eficiente não passa de “um sonho”.

A partir daí não soaria estranha a ideia de cobrar de quem tem uma renda maior. Mas há quem veja problemas nesta equação. “Quanto vale a saúde? Se alguém precisa de uma cirurgia para salvar a vida do filho essa pessoa vai pagar o que for. A relação é desigual”, afirma o economista Marcelo Manzano, consultor da Fundação Perseu Abramo, do PT. “Nos Estados Unidos é assim. E quem não pode pagar morre ou se endivida. Esse é um modelo fracassado.”

Manzano diz que é usuário do SUS, nem tem plano de saúde. O cientista político Bruno Garschagen diz o mesmo. Mas as semelhanças param por aí.

Para Garschagen, o atendimento oferecido pelo SUS deve ser restrito. “O sistema é grande, caro e quem controla não conhece os problemas e não vai conseguir tomar decisões adequadas para tornar o sistema eficiente localmente. Quanto mais dinheiro colocar no sistema, maior será o desperdício. O SUS tem que deixar de ser universal e único”, sustenta. Ele pondera, no entanto, que não basta cobrar pelo SUS ou pelas universidades. Seria preciso mudar a forma como o Estado administra os recursos, hoje de forma muito centralizada na União.

CAMPANHA

Mas se algum candidato tratar desses temas sensíveis em plena campanha, vai contar com a simpatia dos eleitores? Pesquisa Datafolha mostrou, por exemplo, que sete em cada dez brasileiros se opõem à privatização de estatais.

“Acho fundamental falar a verdade para o eleitor. Na última campanha (2014) vimos que falar mentira não adianta. Você ganha, mas não consegue governar”, ressalta o professor da Fucape Aridelmo Teixeira, presidente da ONG Espírito Santo em Ação.

Já o professor de Economia aposentado da Ufes Arlindo Villaschi lembra que houve casos de políticos que se colocaram contra propostas liberais, mas não se fizeram de rogados ao votar a favor delas depois de eleitos. “O José Serra (PSDB) quando foi candidato à Presidência da República falou que não seria a favor das privatizações e outras questões. Quando assumiu o mandato no Senado, votou a favor. É lamentável”, critica.

No meio da conversa com a reportagem, Garschagen resume o debate a uma frase do economista norte-americano Thomas Sowell: “A primeira lei da economia é a escassez. A primeira lei da política é ignorar a primeira lei da economia”.

O ESTADO QUE ELES QUEREM

Lula (PT)

É um crítico frequente das reformas propostas pelo governo Michel Temer (PMDB), como a Trabalhista e a da Previdência, e chegou a dizer que, se eleito, pretende propor um referendo para revogar “muitas das medidas aprovadas” pelo atual governo, de tom mais “liberal”. Uma das propostas do petista, no entanto, seria a isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil. Lula evita, contudo, expor propostas concretas para a economia e, apesar de ser ligado à esquerda, já disse que prefere ser considerado “uma metamorfose ambulante”.

Jair Bolsonaro (PSC)

Deputado federal há 26 anos, Bolsonaro sempre foi a favor de um Estado forte. Chegou a defender publicamente o fuzilamento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pelas privatizações realizadas durante seu governo. Isso sem contar os elogios à ditadura militar. Agora, quer se vender como liberal na economia. “Temos que diminuir o peso desse Estado. Quando o Estado é mais pesado, é mais difícil para todo mundo”, disse em março do ano passado. “O mundo evolui. Hoje em dia você tem que diminuir a quantidade de estatais.”

Geraldo Alckmin (PSDB)

O governador de São Paulo pode ser anunciado como um candidato de “centro”, para fugir ao extremismo de Lula e Bolsonaro. O PSDB, o mesmo de FHC, defendeu historicamente, por exemplo, a venda de estatais. Alckmin não se arrisca a mencionar grandes empresas, como a Petrobras, na lista, mas diz que pretende privatizar a maior parte das 150 estatais federais. No mês passado, o tucano afirmou que um terço dessas estatais foi criado em governos petistas e, em boa parte, a participação do governo não tem sentido.

João Amoedo (NOVO)

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De pouca expressão, o ex-banqueiro e pré-candidato do Novo se diz abertamente de direita e liberal. Privatizar grandes estatais, como a Petrobras, para ele, não é tabu, é o objetivo mesmo. “Acreditamos que cada um é o melhor gestor de sua vida e o governo tem que atuar nas áreas essenciais, como educação básica, saúde e segurança, sem necessariamente precisar fazer a gestão disso tudo”, afirmou à Revista Istoé Dinheiro. Nas páginas da publicação ele pouco fala das questões sociais em si. O foco é na gestão fiscal equilibrada e em propiciar um ambiente positivo para o empreendedorismo.

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