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'É injusto tentar criminalizar a magistratura', afirma Medina Osório

"É injusto tentar criminalizar a magistratura", afirma Medina Osório

Para o ex-advogado-geral da União, não basta apenas discutir o auxílio-moradia, mas também os penduricalhos pagos a juízes estaduais

Publicado em 27 de fevereiro de 2018 às 00:01

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(Marcelle Secchin)

Palestrante do seminário "Diálogos sobre Integridade", realizado nesta segunda-feira (26) pela Rede Gazeta, em parceria com a Unimed Vitória, a ArcelorMittal e o governo do Estado, o ex-advogado-geral da União, Fábio Medina Osório, afirmou que "é injusto tentar criminalizar a magistratura" pelo recebimento do auxílio-moradia. Advogado da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Medina Osório preferiu não abordar tecnicamente o assunto, ao responder a uma pergunta da plateia.

Ele lembrou que não apenas o auxílio-moradia, de R$ 4,3 mil mensais, pago a magistrados de todo o país, até mesmo aos que têm imóvel próprio na cidade em que trabalham, devem ser discutidos, mas também penduricalhos vários, muitos destes pagos a juízes estaduais.

"Às vezes ocorre um massacre midiático. Tem que ter razoabilidade de não atacar uma categoria como se (os membros do Judiciário) fossem iguais aos que dilapidam o patrimônio público", ressaltou. Ele destacou, ainda, que os juízes recebem o benefício de boa-fé.

Após a palestra, Medina Osório concedeu entrevista para A GAZETA e falou ainda sobre outros temas, como o foro privilegiado, cujo fim, de acordo com ele, tem sido tratado como uma "panaceia" para resolver problemas do Judiciário. "Imaginar que o vilão é a prerrogativa de foro é um equívoco", sentenciou.

Num momento da palestra o senhor citou a expressão "corrupção branca", aquela que não se baseia em um ato estritamente ilegal, mas que tem um pano de fundo ... Quais exemplos podemos citar de corrupção branca no Brasil? O auxílio-moradia seria um deles?

Não. Eu entendo que o auxílio-moradia, não. Exemplos são venda de medidas provisórias, leis aprovadas para atender interesses espúrios. Aprovações legais com um pano de fundo ilícito seriam os casos de corrupção branca. Mesmo o financiamento de campanha eleitoral. O financiamento eventualmente permite que a pessoa atenda a interesses específicos de um setor e não de toda a sociedade, visando atender interesses privados e não públicos. Pode ser uma corrupção branca isso.

Foi possível perceber que o senhor concorda em alguns pontos com o ministro do STF, Luís Roberto Barroso, como na visão otimista sobre o combate à corrupção, mas discorda em outros, como na questão do foro privilegiado.

Também tenho um ponto de vista diferente sobre o financiamento de campanha. Sempre defendi que foi um erro do Supremo (banir o financiamento feito por empresas). O financiamento sem a participação das pessoas jurídicas pode favorecer o crime organizado. Vai favorecer o caixa dois e eventualmente a participação de outras formas menos transparentes. Como eles (os candidatos) vão captar recursos?

A pessoa jurídica poderia ter sido regulamentada a participação dela, não precisaria ter sido banida do processo democrático. Bastariam regras mais transparentes. Quando a pessoa jurídica foi banida você simplesmente permitiu ... um Marcola da vida precisa do que para participar? Ele vai participar. O crime organizado, o narcotráfico não precisa de regras.

Antes eles também já não precisavam de regras.

Mas com a pessoa jurídica você permitia que os candidatos pudessem ter um apoio legítimo. Não precisariam recorrer a isso. Hoje você abriu a porteira para esses caras para ter mais gente se infiltrando com dinheiro maciço na campanha. Vão poder aportar mais dinheiro em candidatos com mais chances de concorrer porque os outros não vão ... está muito criminalizada a política.

E em relação ao foro privilegiado?

O foro privilegiado foi eleito como uma bandeira equivocada, não deveria ser uma bandeira prioritária. Não se comprovou que ele é a causa da impunidade no Brasil. Poderia ter uma redução pequena, talvez. Poderia ter o fortalecimento da instituição que julga o foro privilegiado, mas achei que foi uma bandeira um pouco demagógica que o Supremo pegou. Não o Supremo, o Ministério Público Federal pegou essa bandeira e a radicalização. Vai botar tudo na primeira instância? Vai demorar muito mais para ser julgado.

As pessoas têm a ideia de que na primeira instância vai andar mais rápido pelo exemplo da Operação Lava Jato, em que os casos tramitam rapidamente na primeira instância e não ocorre o mesmo no Supremo...

A Lava Jato não tem representatividade para o Brasil inteiro. Só tem a Lava Jato como espelho de que na primeira instância anda rápido. Mas tem o resto do país, você não tem ideia de como a Justiça é lenta.

Mas por que a Lava Jato, especificamente, anda rápido na primeira instância e não no STF?

Me dá vontade de dizer que tem que perguntar para a procuradora-geral da República. Por que o Ministério Público atua com mais lentidão no STF?

A lentidão no STF então deve ser creditada ao MPF ou mais ao MPF que ao STF?

Exatamente. Ficou mais parado no Ministério Público do que no STF.

Mas tem casos de ministros que pedem vista dos processos e levam anos para devolver, não falando da Lava Jato, mas de vários casos. Isso não é culpa do Ministério Público.

Isso dá para consertar. E não vai se resolver com a questão do foro privilegiado. A gente tem que corrigir de modo geral dos pedidos de vista. É uma disfunção no STF você não ter um mecanismo para corrigir os abusos nos pedidos de vista. É uma questão que independe da prerrogativa de foro. Deveria haver tempo para a prerrogativa de foro. Não poderia haver pedido de vista abusivo.

Por que o senhor disse que o Supremo às vezes é achincalhado injustamente?

Às vezes é culpa de outra instituição, por exemplo o Ministério Público. O Ministério Público tinha que ser mais fiscalizado lá. Será que o MP está trabalhando com celeridade? Como foi a gestão do Janot? Tem que averiguar. Se o Supremo rejeita uma denúncia será que tinha elementos para receber essa denúncia?

O senhor criticou denúncias apresentadas com baixa probabilidade de serem recebidas

Por exemplo, o caso do senador Renan Calheiros. Deu margem a discussão porque teve pedido de afastamento dele da presidência. Nessa denúncia, o (ministro) Teori Zavascki estava vivo ainda. Eles receberam a denúncia dizendo que recebiam apesar de ela ter só leves indícios. Ficou sete anos na PGR. Com sete anos não reuniram provas para propor uma denúncia séria contra ele? O Ministério Público tem que investigar a fundo.

Está faltando medir a eficiência das instituições. Você tem que cobrar que as instituições ao oferecer denúncia ou ação de improbidade contra alguém que elas tenham provas robustas contra essa pessoa. Você não pode aceitar que se ofereça uma denúncia sem forte probabilidade de êxito. Ou você destrói a vida de uma pessoa.

As denúncias apresentadas pelo então procurador-geral da República Rodrigo Janot se enquadram nesse caso? (Medina Osório foi chefe da AGU no governo Michel Temer, até setembro de 2016. O presidente foi denunciado somente em 2017)

Não conheço as provas apresentadas e as denúncias. Temos que saber quem mede a eficiência dessas instituições.

Mudando de assunto, o senhor escreveu um artigo no jornal "O Globo" recentemente, em que defendeu os mandados coletivos. Esse é um tema em voga agora com a intervenção no Rio e que frequentemente causa polêmica. Esse expediente já foi utilizado aqui no Espírito Santo também.

Esses mandados coletivos... você tem regiões. Não é um mandado para a favela inteira, é para uma determinada região dando as justificativas. É uma área dominada pelo crime. Se não o sujeito vai arrombando porta, ele domina aquilo ali. As pessoas (moradores) não têm o direito de propriedade.

Você pode ter alguém dos direitos humanos acompanhando se quiser. O pessoal tem medo de morrer, mas poderia botar uma ONG acompanhando. Pela lei processual penal os juízes poderiam até participar das operações. A legislação permite que o juiz, presente na operação, dê a ordem verbal e entre nas residências. Se o Judiciário quiser pode organizar uma força-tarefa e acompanhar a operação. Poderiam dar as ordens de mandado de busca e apreensão verbalmente.

Acho que a preocupação de que acompanhar é perigoso é porque é perigoso mesmo.

É perigoso mesmo. Então ninguém quer ir lá. Quem é dos movimentos de direitos humanos ninguém quer levar tiro. A verdade é essa. O mandado é necessário. O pessoal do Exército entra lá e é desacatado. São comunidades controladas e as pessoas têm que abrir a porta do criminoso. Se você morasse lá ou eu morasse lá estaríamos vulneráveis, o cara bate na porta e você tem que deixar ele entrar. Se você não tem controle sobre a sua propriedade privada perante quem detém o poder paralelo...

Há quem defenda que não existe no ordenamento jurídico essa possibilidade de mandado coletivo, que teria que ser para um endereço específico

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A lei fala "com a maior precisão possível". A maior precisão possível dentro de um território dominado pelo crime, em que a pessoa não tem domínio sobre seu patrimônio privado ... não é possível. Tem que dar vários mandados para várias áreas. Provavelmente vai ser isso que eles vão fazer. Vão pedir vários mandados para várias áreas. Ele não pode pedir um mandado para uma área inteira. São múltiplos mandados, por ruas, por área. Os pedidos são feitos ao juiz estadual, de primeira instância.

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