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Sydney Sanches: 'Juiz não deve falar de processo que ainda vai julgar'

Sydney Sanches: 'Juiz não deve falar de processo que ainda vai julgar'

Ex-presidente do STF se espanta com a exposição dos ministros e diz que hoje eles são mais conhecidos que jogadores da Seleção Brasileira

Publicado em 11 de fevereiro de 2018 às 14:36

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(Rovena Rosa | Agência Brasil)

Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e último ministro da Corte indicado durante a ditadura militar, Sydney Sanches já tem uma perspectiva quase histórica ao olhar para o Supremo e para os caminhos e descaminhos do Judiciário atual. Ele evita comentar posturas pontuais relativas a magistrados específicos, mas deixa claro: “Os juízes têm que ter compostura compatível com seu equilíbrio e imparcialidade”. Quanto a questões atuais, como a manutenção da prisão após condenação em segunda instância, o ministro aposentado recorre mesmo ao passado, quando isso já era certo e aponta para uma tentativa de esvaziar o primeiro e o segundo graus.

Juiz em pleno regime militar, Sanches chegou ao STF em 1984, nomeado pelo general João Baptista Figueiredo. Permaneceu lá até 2003. Nesse período, foi o responsável pela primeira transmissão ao vivo de uma sessão da mais alta Corte do país, presidiu o impeachment do então presidente da República, Fernando Collor, e hoje se espanta com a exposição a que são submetidos – ou se submetem – os atuais ministros do Supremo. “São mais conhecidos do que jogadores da Seleção Brasileira”, resume, em tom de brincadeira (mas até que é verdade).

E se o “ativismo judicial” é a bola da vez, para o bem ou para o mal, o ex-presidente do STF destaca que o Judiciário não pode invadir o território de outro Poder, mas se o faz, ironicamente, é muitas vezes a pedido dos outros Poderes.

Há quem critique o chamado “ativismo judicial”, mas também quem defenda um Judiciário mais proativo para garantir o combate à impunidade. Qual a opinião do senhor?

O ativismo judicial é mais resultante da provocação que os Poderes Executivo e Legislativo fazem ao Judiciário para resolver questões políticas quando a função do STF é resolver questões jurídicas. Às vezes, mas somente às vezes, nas questões políticas há questões jurídicas. Mas se o Judiciário se dispõe a resolver questão política invade a área de outro Poder.

Se uma pessoa tem ou não o direito a receber tal remédio que não existe no país, no fundo, é também uma atitude política, ainda que seja bem-vinda, porque, no desespero, as pessoas procuram a única saída que possuem. Mas isso reflete também no orçamento do Estado, do município ou do país, afinal não há previsão para algo que a Justiça determinou comprar imediatamente.

Outra situação: preço de passagem, se aumenta ou não aumenta. Isso não cabe. Somente se há ilegalidade ou inconstitucionalidade, mas não sobre se convém ou não fazer tal coisa.

E o caso da nomeação da deputada federal Cristiane Brasil (PTB-RJ) como ministra? A posse dela foi barrada por um juiz federal de primeira instância, liberada por um ministro do STJ e suspensa pelo STF...

Quem nomeia ministros é o presidente da República e ele é que tem que avaliar se a pessoa tem ou não os requisitos. Não compete ao Judiciário interferir. Mas tem a questão da moralidade, da dignidade. Como o STF é o guardião da Constituição, surge a questão se pode ou não o STF tratar disso. O STF vai tratar acho que pela primeira vez.

Teve o caso do ex-presidente Lula. Quando a então presidente Dilma tentou torná-lo ministro, o STF impediu.

Com Lula era outro aspecto. É que, na verdade, a nomeação do Lula não tinha outra finalidade se não evitar que a competência do juiz Sérgio Moro incidisse sobre ele e que ele ganhasse o foro privilegiado. O STF entendeu que era desvio de finalidade. A rigor, também aí o STF não poderia fazer isso, mas o fato é que fez. A jurisprudência é o STF ter um poder maior do que o que está previsto na Constituição. Mas quem decidiu o caso do Lula foi o ministro Gilmar Mendes, e não chegou a haver o julgamento do mérito no plenário.

O STF decidiu pela possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, mas os próprios ministros divergem em decisões monocráticas sobre casos específicos.

Quando o Supremo fixa entendimento de que a sentença condenatória confirmada em segunda instância já permite a execução da pena, isso volta à opinião da composição antiga, a nossa. Nossa composição também admitia a execução provisória da pena. Não se pode esvaziar a 1ª e a 2ª instâncias. De que adianta passar pela 1ª e a 2ª instâncias se não pode executar a pena? É tornar ineficazes as duas instâncias.

A ministra Cármen Lúcia já disse que não vai pautar o tema novamente.

A ministra Cármen Lúcia não pretende, mas outro presidente pode levar isso à pauta (o próximo presidente, Dias Toffoli, assume em setembro). E não se sabe se isso estará resolvido antes do final do caso do Lula. Mas estou de acordo (com Cármen Lúcia). Se não, onde fica a imagem do Supremo?

Por falar em imagem do Supremo, como o senhor avalia os ministros que, constantemente, falam fora dos autos?

A Loman (Lei Orgânica da Magistratura) não permite que o juiz emita opinião sobre processo sob sua jurisdição ou de qualquer outro juiz. A consequência é invalidar a participação dele (no julgamento). Mas nunca vi isso no Supremo, de impedir a participação. Os ministros aceitam proferir palestras e lá falam sobre Direito e Justiça mas falam também, e não deveriam falar, sobre processos em andamento e permitem a conclusão de quem ouve de que a posição do conferencista é X ou Y.

Quem emite opinião sobre processos que vai participar é suspeito, não pode mais votar. Tem que acabar com essa história. Nenhum juiz deve falar sobre processo que ainda vai julgar. Só se deve dizer isso nos autos e no momento próprio.

E quando os ministros se exaltam e trocam insultos, como Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso?

Não quero personalizar. Se dois ministros se ofendem pessoalmente no plenário, isso não é objeto de julgamento, não são os dois ministros que estão em julgamento. É o caso concreto. Os juízes têm que ter compostura compatível com seu equilíbrio e imparcialidade. Quando parte para ofensa pessoal quer dizer que não estão se segurando. Nunca vi isso no meu tempo. Havia divergências sobre as ideias, interpretação da Constituição, uns ministros mais veementes e outros menos falantes. Mas nunca violência pessoal. À ofensa moral nunca assisti em 19 anos. Só depois que saí do STF que vi, mas não vou dizer. Vocês da imprensa sabem. É bom que não aconteça muito porque prejudica a imagem da instituição.

Tem ministro sendo aplaudido ou atacado nas ruas. Gilmar Mendes foi a vítima mais recente.

Nunca tinha visto uma coisa dessas. É uma prova de quem se expõe corre riscos e quem se expõe muito dando opiniões polêmicas acaba contrariando alguém que pensa o contrário. Aí as pessoas emitem opinião pelas redes, incitam vaias, manifestações populares. É uma mudança recente. No meu tempo não havia nem redes sociais.

Como foi sua indicação para ministro do STF? O senhor era próximo do general Figueiredo?

Eu tinha tido um contato com ele quando era presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, mas só para falar sobre a entidade. Fui incluído em lista do Tribunal de Justiça de São Paulo, uma lista informal, que o presidente do STF da época pediu para que fosse indicado um magistrado de carreira de São Paulo. Isso porque mais da metade dos processos no Supremo era de São Paulo, queriam alguém que conhecesse o Judiciário do Estado. Eu era desembargador. Muitos nem queriam ir para o Supremo, para Brasília, já estavam em fim de carreira e as esposas não queriam ir para lá. Minha esposa concordou e eu aceitei. Acabei escolhido a partir da lista tríplice informal.

Teve sabatina no Senado?

Não. Naquela época não tinha. Não cheguei a falar com nenhum senador. O Senado tinha que aprovar o nome enviado pelo presidente, mas sem sabatina. Depois da Constituição de 1988 todos são submetidos à sabatina e percorrem os gabinetes de senadores, vão até a barco para sustentar que são bons candidatos. (No ano passado senadores realizaram uma “sabatina informal” com Alexandre de Moraes, hoje ministro, no barco do senador Wilder Morais, do PP). Mas havia até senadores biônicos, escolhidos pelo regime como senadores e não eleitos.

Como foi ser juiz de primeiro grau durante a ditadura militar?

Fiz concurso em 1961 e entrei em 1962 na magistratura, em São Paulo. Fiz carreira no interior, na capital e depois me tornei desembargador do Tribunal de Justiça. O Judiciário tinha suas limitações por causa dos atos institucionais, que não permitiam às vezes nem habeas corpus. Ou o juiz cumpria a Constituição em vigor ou era cassado. Não havia independência. Mas eu nunca sofri um constrangimento desta ordem. Não havia tanta pressão sobre juízes de primeira instância. O regime fez a revolução... o golpe, para impedir o comunismo. Se foi bom ou não para o país fica a critério da história, mas sob o aspecto jurídico, foi um golpe. Foi uma decisão de força que se impôs.

Muita coisa mudou depois da Constituição de 1988. O que o senhor acha das sessões do STF serem televisionadas? Os ministros ficaram famosos.

Agora são mais conhecidos que os jogadores da Seleção Brasileira. A TV expõe mais as pessoas e algumas querem se aproveitar, fazem votos longos, para ficar mais tempo sendo exibidos na TV. Outros são mais discretos, falam menos. Foi no meu tempo que pela primeira vez se realizou uma sessão pública com transmissão integral. Eu era o presidente. Foi em 1992. Havia o pedido de impeachment do Collor apresentado na Câmara dos Deputados. O presidente impetrou mandado de segurança contra a Câmara dizendo que não podia se defender em prazo tão curto, 10 sessões. Ele queria o aumento das sessões e que o voto dos deputados fosse secreto e não aberto.

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Na ocasião havia um grande movimento popular pelas ruas, muitas ameaças. As pessoas diziam que iriam lá para a Praça dos Três Poderes e poderia haver até um conflito com a polícia. Eu entendi que era melhor me comunicar com a opinião pública dizendo: não precisam comparecer à praça. Se quiserem, assistam pela televisão, em casa. Se fossem à praça não iriam ver nem ouvir nada. Teve gente que foi, mas esvaziou um pouco. Foi uma atitude que tomei para aquele caso. (O Supremo acabou estendendo o prazo para a defesa de Collor, mas manteve o voto aberto na Câmara). Mas nunca mais comigo na presidência nem os demais estabeleceram essa possibilidade. Somente na presidência do ministro Marco Aurélio passou-se a transmitir todas as sessões. Isso tem seus prós e contras.

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