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Segurança pública: planos não mudam realidade nacional

Segurança pública: planos não mudam realidade nacional

Nunca houve mobilização eficaz no país para enfrentar a violência

Publicado em 18 de março de 2018 às 00:55

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Muro pichado no bairro Canaã, em Cariacica, com mensagem de bandidos. (Fernando Madeira)

As mortes brutais da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, no Rio de Janeiro, na última quarta-feira, expuseram um flagelo da população, não somente daquele Estado, que sofre com a violência e não conta com políticas públicas para a área de segurança.

Há pelo menos três décadas, o governo federal não tem sido protagonista no combate à criminalidade, e os presidentes que se sucederam se limitaram a lançar programas com poucas medidas estruturantes.

Com isso, por mais que essas políticas tenham sido aperfeiçoadas ao longo dos anos, foram sempre descontinuadas.

Os próprios números traduzem como está posta em xeque a capacidade do Estado para enfrentar a criminalidade. Em 2016, foram registrados 61.619 homicídios, o maior número da história, ao passo que o Brasil tem a terceira maior população prisional do mundo, com 726.712 pessoas.

A participação federal voltou ao foco após o presidente Temer decretar intervenção na segurança do Rio. Mas o problema é comum a todos os Estados, inclusive o Espírito Santo, onde criminosos também impõem medo a comunidades inteiras, como nos recentes episódios em Central Carapina, na Serra, e no bairro Canaã, em Cariacica.

Para estudiosos no tema, as iniciativas desenvolvidas até agora não trouxeram resultados justamente porque os planos para a área costumam ser lançados em resposta a crises.

“A maioria deles foi reativa. No governo Fernando Henrique, a política lançada foi pouco tempo após o caso do ônibus 174, também no Rio, e que chocou o mundo. A segurança precisa ter uma política de Estado, e não programas de governo, com princípios e linhas de atuação bem definidos, principalmente pelo fato de que as soluções são a longo prazo, têm que ser planejadas para 15, 20 anos”, analisa o professor do mestrado de Segurança Pública da UVV, Pablo Lira.

Outro entrave é que como a Segurança não possui determinação legal para a aplicação de recursos e não tem fonte de receita definida, como ocorre com Saúde e Educação, costuma ser alvo de cortes da União. O Fundo Nacional de Segurança Pública, por exemplo, perdeu 30,8% dos recursos de 2015 para 2016.

“Em muitos casos a participação do governo federal se resume a comprar viaturas e oferecer treinamento para os policiais. Isso não é uma política de segurança. Passa a impressão de que o emprego da Força Nacional é hoje a única estratégia do governo federal na área da segurança, pois é a única frente que tem recebido uma injeção de recursos. Tem mais efeito midiático do que prático”, ressaltou o doutor em Sociologia da UNB, Antônio Flávio Testa.

Integração

Como a principal responsabilidade pela Segurança Pública é assumida pelos Estados, através das polícias Civil e Militar, se a União não assumir o papel de articuladora, cada região continuará aplicando políticas com eficácia limitada, na avaliação do especialista em direito penal Fábio Pedroto.

“Cada órgão de segurança trabalha com um mundo de informações, sem haver uma coordenação de inteligência. Até hoje não há um banco de dados unificado sobre violência em todo país, o que dificulta realizar operações, principalmente contra os grandes criminosos”, afirma.

PLANOS E PROGRAMAS DE SEGURANÇA PÚBLICA LANÇADOS NO BRASIL

1991

Governo Collor

Plano Nacional de Segurança Pública

Falava genericamente em reestruturar e reaparelhar a polícia.

2000

Governo FHC

O Brasil Diz Não à Violência

Propostas para integrar políticas de segurança, políticas sociais e ações comunitárias. Criou a Secretaria Nacional de Segurança e o Fundo Nacional de Segurança Pública e, pela primeira vez, tratava da necessidade de criar um banco de dados unificados sobre a violência em todo o país.

2003

Governo Lula

Projeto Segurança Pública para o Brasil

Feito com pesquisadores da área, abordava circunstâncias históricas, condições institucionais e relações sociais violentas; incentivava o policiamento comunitário e propunha a integração da inteligência das polícias. O projeto previa a unificação das polícias Civil e Militar, mas a proposta não foi adiante. Fez a estruturação da Força Nacional.

2007

Pronasci (Programa Nacional de Segurança com Cidadania)

Teve o objetivo de articular ações de prevenção e repressão do crime em regiões metropolitanas, estabelecendo políticas sociais e ações de proteção às vítimas. Foco em jovens, pobres e egressos de prisões.

2012

Governo Dilma

Não houve um plano único, mas programas temáticos.

Brasil Mais Seguro

Principal programa, centrado no Nordeste, visava a redução da criminalidade violenta, com melhoria das investigações, do controle de armas e combate a grupos de extermínio.

2015

Plano Nacional de Redução de Homicídios

Com a meta de reduzir homicídios dolosos, o foco seria atuar nas áreas com índices mais altos, articulando Estados, demais Poderes e sociedade numa política de combate a homicídios

2017

Governo Temer

Plano Nacional de Segurança Pública

Lançado em 2017, visa reduzir homicídios, feminicídios e violência contra a mulher, modernizar o sistema penitenciário e combater de forma integrada a criminalidade transnacional.

ESPECIALISTAS DEFENDEM INTEGRAÇÃO E OLHAR SOCIAL

Até agora, o governo federal se mostrou tímido na tarefa de induzir reformas e buscar instrumentos que melhorem a segurança pública como um todo.

E mesmo que a solução seja a longo prazo, é preciso dar um pontapé nas primeiras iniciativas, principalmente no tocante à criminalidade violenta. Para especialistas, isso precisa passar por uma reavaliação sobre a forma como o Brasil tem feito o combate às drogas.

“A população cobra soluções imediatistas por causa do medo, e sempre que elas vêm, são uma resposta, mas não uma solução. O norte não pode ser o reforço ao processo de militarização da segurança, que se traduz em ações essencialmente ostensivas. A proibição das drogas se tornou um instrumento de populismo penal dos políticos, que criminaliza a pobreza. Enquanto isso, grandes traficantes se beneficiam da impunidade”, defende o doutor em Ciências Sociais e professor da UVV Pablo Rosa.

O especialista em Direito Penal e delegado Fábio Pedroto também defende que, no caso das drogas, a atividade repressiva não resolve o problema, e sim agrava.

“O quadro de combate às drogas, da forma que é feito hoje só gera problemas, guerra dentro das gangues, entre gangues adversárias, aumento da corrupção policial. É preciso quebrar o braço financeiro do tráfico com uma revisão da política proibicionista. A que está aí não dá resultado. Só incrementa a violência, o domínio de comunidades e o empoderamento de milícias”, frisou.

Para Pablo Lira, professor do mestrado em Segurança Pública da UVV, o governo precisa formular políticas públicas consistentes que visem não apenas aumentar a percepção de segurança, mas prover segurança de fato.

“Tem que haver uma política que garanta uma integração das ações do governo federal, estadual e municipal com suas frentes de enfrentamento da violência. Polícia federal, militar, e guardas realizando uma repressão qualificada”.

Essas medidas, no entanto, precisam ser casadas com um olhar voltado para o social, aponta.

“É também mostrar que o Estado tem serviços públicos a oferecer, como educação, esporte, lazer, cultura. É preciso dar dignidade a pessoas que só conhecem a face repressiva do Estado”, disse.

PROPOSTAS PARA FORMAR UM PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA

Competências

Como é

Os Estados concentram a maior parte dos esforços e gastos com segurança pública, formulando programas isolados. Enquanto isso, a União se responsabiliza apenas pela patrulha de fronteiras, estradas e tráfico de drogas, e municípios implantam guardas municipais

Ideias

Compartilhar as responsabilidades entre União, Estados e municípios, compartilhando também dados, indicadores, metas e resultados. Que a União também ajude mais ativamente os outros entes com dinheiro e assistência técnica

Inteligência

Como é

Não há uma coordenação de inteligência, e cada órgão de segurança trabalha com dados isolados

Ideias

Melhorar o sistema de informações e estatísticas criminais é fundamental para que os gestores públicos saibam como aplicar os recursos de forma mais eficiente. Aproveitar melhor o aparato dos órgãos federais, como a Agência Brasileira de Inteligência (Abin)

Política de Estado

Como é

Até hoje, cada presidente implantou um plano de segurança diferente, sendo alguns deles lançados em resposta a crises

Ideias

Criar uma política de Estado e não de governo, com metas de curto, médio e longo prazo, para que não sejam descontinuadas.

Drogas

Como é

O Estado atua de forma repressiva. O tráfico de drogas é responsável por um terço das prisões, e está por trás do cometimento de grande parte dos crimes contra a vida e o patrimônio.

Ideias

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Rediscutir a política de drogas, suas punições e focar na atuação dos grandes traficantes.

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