> >
Partidos políticos não doam nem o mínimo para mulheres

Partidos políticos não doam nem o mínimo para mulheres

Em 2016, 12 siglas não destinaram 5% dos recursos a candidatas

Publicado em 30 de abril de 2018 às 23:54

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura

As tentativas de reverter o problema histórico da baixa representatividade feminina na política têm demonstrado que mais do que alterações na legislação, é preciso um maior rigor na fiscalização e uma mudança na cultura interna dos partidos para que as regras possam ter algum tipo de eficácia no país.

Hoje, os cargos eletivos ocupados por mulheres no Brasil estão no patamar de 10%, nas esferas municipal, estadual e federal, apesar de a lei eleitoral estabelecer que pelo menos 30% das candidaturas lançadas pelos partidos sejam femininas.

Sola de sapato | A mais votada entre as vereadoras eleitas de Vila Velha, em 2016, Tia Nilma (PRP) não recebeu recursos do seu partido. "Não tem incentivo para a mulher", critica. (Chenilton Carvalho | CMVV)

Para que elas se viabilizem, a minirreforma eleitoral de 2015 estabeleceu uma “cota”, para que seja reservado no mínimo 5% e no máximo 15% dos recursos do Fundo Partidário para o financiamento das campanhas eleitorais de mulheres.

E em março deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o mínimo deveria ser de 30%, para que houvesse uma maior proporcionalidade.

Essa última decisão foi considerada um avanço para as mulheres, mas enfrenta barreiras para sua aplicação. É possível que este novo entendimento da Corte ainda não seja aplicado nas eleições de 2018, pois o TSE não tem previsão de quando a nova norma será regulamentada.

O panorama é ainda mais grave quando são analisadas as práticas das eleições anteriores. No pleito de 2016, para prefeito e vereador, o primeiro em que já estava em vigor a exigência de uma cota de recursos para as mulheres, 12 dos 30 partidos que disputaram as eleições no Espírito Santo não destinaram nem mesmo o mínimo de 5% para as campanhas femininas.

Houve ainda dois partidos, Rede e PPL, que não transferiram nada para candidatas.

As informações são de um levantamento feito por A GAZETA com base nos dados das prestações de contas dos candidatos disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Considerando os R$ 6,4 milhões gastos nas campanhas de todos os partidos do Estado em 2016 com recursos do Fundo Partidário, somente R$ 499,4 mil, ou seja, 7,7% foram para campanhas femininas, enquanto 92,23% foram para as masculinas.

DIVISÃO

Ao analisar a forma como homens e mulheres receberam esses recursos do Fundo, que são dinheiro público, depreende-se que a maior parte foi destinada para as campanhas ao Executivo municipal. Dos R$ 499,4 mil transferidos às candidatas, R$ 334,9 mil foram para 11 mulheres que galgavam chegar às prefeituras.

Mesmo assim, houve casos de candidatas com pouco apoio financeiro de suas legendas, como Edenir Reis Pereira (PSDB), candidata a prefeita de Iúna, que recebeu R$ 178,50 do Fundo Partidário.

A realidade das doações para as candidatas ao cargo de vereador é ainda mais crítica. Ao todo, somando todos os partidos, foram doados R$ 164 mil para 260 concorrentes no Estado, o que significa uma média de R$ 300 para cada. Há registro de doação até de R$ 0,02.

Já entre os homens, os candidatos a prefeito receberam, juntos, R$ 5,3 milhões em doações, e os candidatos a vereador obtiveram R$ 549 mil.

O QUE DIZ A LEI

Cotas

Candidaturas

A lei em vigor atualmente prevê que pelo menos 30% dos candidatos lançados pelos partidos devem ser do sexo feminino. No entanto, muitos partidos ainda lançam “candidaturas laranjas”.

Fundo Partidário

A partir das eleições de 2016, os partidos estavam obrigados a utilizar de 5 a 15% dos recursos do Fundo Partidário para as campanhas de mulheres.

STF

Em março deste ano, o STF decidiu que o percentual mínimo deveria ser de 30%. Se o percentual de mulheres entre as candidaturas do partido for maior que 30%, o valor do Fundo Partidário para essas candidaturas deve seguir este percentual.

FILIADAS PRECISAM COMANDAR AS LEGENDAS

Uma maior obediência dos partidos políticos no cumprimento das normas eleitorais que determinam a destinação de recursos para campanhas femininas provavelmente só vai ocorrer se as mulheres passarem a compor mais efetivamente a direção dos partidos, já que a fiscalização pela Justiça Eleitoral é falha.

Karina Kufa, professora e advogada, estuda a participação das mulheres na política. (TV Cultura)

Esta é a análise feita pela advogada e professora de Direito Eleitoral da Escola Paulista de Direito, Karina Kufa, que estuda o tema.

Segundo ela, a existência da norma é um primeiro passo, mas é preciso mais rigor para poder avançar, pois ainda é comum e simples burlar a determinação.

“Para qualquer pessoa ser eleita, homem ou mulher, é preciso dinheiro e visibilidade. E para a mulher ainda é mais difícil, porque há uma questão cultural envolvida, que já a prejudica. Hoje, os diretórios dos partidos são formados praticamente por homens, e são eles que decidem para quem destinar os recursos. Enquanto não houver cotas na composição das diretorias, a gente não vai conseguir ter uma distribuição e um cumprimento da norma e para tornar a situação mais equilibrada”, comentou.

Exemplificando, um partido pode mandar fazer santinhos em uma gráfica para os candidatos homens, mas depois fazer a nota fiscal constar na prestação de contas de uma mulher. Ou ainda cumprir a cota destinando todos os 30% para uma única candidatura, como por exemplo para uma candidata à Presidência, ou ao governo.

Outro ponto ainda controverso para as eleições de 2018 é que apesar de existirem as cotas para o Fundo Partidário, que representa R$ 888,7 milhões em todo o país, os partidos vão contar pela primeira vez com um Fundo Eleitoral, também de recursos públicos, no valor de R$ 1,7 bilhão.

No entanto, para este novo fundo, que é quase o dobro do valor, não há nenhum tipo de destinação obrigatória para as mulheres. Uma consulta sobre o tema foi protocolada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em março, e está sob relatoria da ministra Rosa Weber.

“Se essa consulta não for julgada a tempo, fica uma dúvida se os partidos cumprirão a regra agora ou somente em 2020. Como agora o modelo de financiamento brasileiro é predominantemente público e este Fundo é específico para campanhas, faz até mais sentido que ele também tenha uma cota para as mulheres”, afirmou Karina.

RESULTADOS

Em 2014, 10% das cadeiras na Câmara dos Deputados foram para deputadas. No Senado, o percentual foi de 18%. As deputadas estaduais, por sua vez, somaram 11% no país. No Executivo, havia apenas uma mulher eleita entre os governadores. Já nas eleições municipais de 2016, as cadeiras femininas representaram 13,5% das vereadoras e 12% das prefeitas.

Os números mostram que ainda é preciso uma alteração na legislação de forma mais efetiva, segundo a especialista.

“É preciso punições mais drásticas ou cotas para a ocupação de cadeiras. Em outros países, como a Argentina, só isso que funcionou: em vez de exigir que haja 30% de candidatas, que sejam 30% de eleitas”, disse.

A vereadora de Vila Velha mais votada entre as mulheres, Tia Nilma (PRP) conseguiu se eleger sem a ajuda do partido, mas considera que a falta de incentivo é um problema. “Se tivesse uma melhor distribuição de recursos, mais mulheres seriam eleitas”, acredita.

Reconhecimento. A vereadora de Guarapari Paulina Pinna (PP), que está no 5º mandato, recebeu R$ 10 mil do partido para sua campanha e considera um estímulo importante. (Câmara de Guarapari | Divulgação)

JULGAMENTO

Os partidos políticos que descumpriram a norma da destinação mínima de 5 a 15% de recursos para mulheres ainda não receberam nenhum tipo de sanção, pois segundo o Tribunal Superior Eleitoral, as contas de 2016 ainda não foram julgadas. Haverá uma avaliação no âmbito dos diretórios nacionais, estaduais e municipais.

Também ainda não está bem definido o tipo de punição que o partido pode ter por esse descumprimento. Em tese, de acordo com a Justiça Eleitoral, as contas do partido poderão ser desaprovadas, o que pode gerar posteriormente a suspensão do recebimento do Fundo Partidário ou o pagamento de uma multa.

SIGLAS PROMETEM MAIS RECURSOS A CANDIDATAS

Os partidos políticos que descumpriram totalmente a determinação de aplicar pelo menos 5% dos recursos nas campanhas femininas, nas eleições de 2016, se justificaram pelo fato de serem legendas pequenas e que, por isso, ainda recebem uma fatia pequena do Fundo Partidário, e também por serem praticamente estreantes nas eleições.

O presidente do PPL, Vasco Alves, alegou que o pleito passado foi o primeiro disputado pelo partido no Espírito Santo, já que a legenda tem nove anos. O partido utilizou R$ 1.308 dos recursos do Fundo Partidário somente em campanhas masculinas.

“Nós ainda nem sequer tínhamos quadros. A distribuição entre os partidos é muito desigual. Mas nas eleições deste ano estamos com um setor feminino muito atuante no partido, e estaremos vigilantes para valorizar a mulher”, disse.

A Rede, que contou com R$ 44 mil do Fundo para campanhas, e somente de homens, também promete agir diferente em 2018.

“Estamos garantindo a participação maciça de mulheres nas chapas para deputado estadual e federal, e criamos um elo estadual de mulheres, para descentralizar as decisões. O partido inclusive considera que seja mais justo uma destinação de 50% dos recursos”, afirma o porta-voz estadual do partido, André Toscano.

Este vídeo pode te interessar

O PSD, que destinou somente R$ 20 para candidatas, o que significa 0,01%, afirmou que foi por concentrar os repasses nas candidaturas a prefeito.

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais