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Traição, brigas e reviravoltas: saiba o que acontece na Câmara da Serra

Traição, brigas e reviravoltas: saiba o que acontece na Câmara da Serra

Reuniões secretas, bate-boca e idas e vindas já viraram rotina entre vereadores da Casa

Publicado em 20 de abril de 2018 às 10:21

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Filho do vereador Nacib Haddad tenta arremessar regimento interno contra Mesa Diretora da Câmara da Serra durante posse do grupo em janeiro de 2017. (Edson Chagas)

Acusações de traição, quebras de alianças, brigas e reviravoltas. Este poderia ser um enredo de ficção se o cenário não fosse a Câmara Municipal da Serra e os protagonistas, os vereadores eleitos em 2016 para fiscalizar e legislar. Com direito a episódios de reuniões secretas em sítios e de boicotes às sessões, há mais de um ano a disputa pelo comando da Mesa Diretora da Casa saiu dos bastidores para ocupar o centro das discussões políticas, ao mesmo tempo em que escândalos de corrupção são levados à Justiça.

Hoje, a bancada é dividida em dois grupos, cuja linha de cisão está nas mãos de Neidia Pimentel (PSD): ao seu lado, a vereadora, agora afastada, possui 14 aliados, enquanto outros sete legisladores apoiam o atual presidente da Mesa, Rodrigo Caldeira (Rede).

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O racha teve início em janeiro de 2017, durante a eleição para a Mesa Diretora. Naquela época, Neidia fazia parte de uma chapa, cujo acordo era eleger Basílio da Saúde (PROS) à presidência. No entanto, minutos antes da votação, a vereadora se inscreveu em outra chapa, na qual se elegeu presidente sob protestos e palavras de baixo calão. Nacib Haddad (PDT), que antes era seu aliado, acusou-a de traição, enquanto Basílio tentou empurrar um extintor de incêndio contra a vereadora, numa sessão marcada por confusões.

Em julho de 2017, a eleição foi anulada pela Justiça e em poucos dias uma nova Mesa foi eleita, colocando Caldeira – que era vice-presidente na gestão de Neidia – na presidência. Mas o novo comando durou só cinco dias, até que a juíza Telmelita Guimarães Alves, da Vara da Fazenda Pública da Serra, suspendeu a liminar de anulação. Na volta ao posto mais alto da cúpula, Neidia se ajoelhou no chão da Casa.

Neidia agradeceu de joelhos a volta à presidência da Casa depois de ser afastada. (Câmara da Serra/Divulgação - 02/08/2017)

Mas seu reinado voltou a ser abalado em janeiro deste ano, quando o Ministério Público Estadual (MPES) a denunciou pelos crimes de peculato e de concussão (que correspondem a desvio de bem público por parte de servidores e exigência de vantagens indevidas, respectivamente), além de associação criminosa. O MPES acusa Neidia e o ex-controlador da Casa Flávio Serri de comandarem um esquema de rachid, com contratação de funcionários fantasmas.

Como consequência, desde março, Neidia está afastada provisoriamente do mandato e da presidência por ordem da Justiça Criminal da Serra. Nesta época, seus opositores entraram com recurso contra a eleição de janeiro de 2017. A 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça (TJES) considerou que o pleito foi ilegal.

A decisão colocou Caldeira como chefe permanente do plenário e a insatisfação tomou conta dos adversários. Vereadores do grupo do presidente, como Aécio Leite (PT) e Pastor Ailton (PSC), garantem que os 14 vereadores passaram a se reunir em um sítio, em Santa Teresa. Curiosamente, oito deles compunham a chapa que Neidia “traiu” em janeiro. Até Basílio da Saúde, do extintor, agora está ao lado da vereadora afastada. “O objetivo é se articularem para eleger uma nova Mesa Diretora”, afirma Ailton.

Em cerca de duas semanas, cinco sessões consecutivas da Câmara – três ordinárias e duas extraordinárias – não aconteceram, devido à falta do grupo. Em duas delas, eles foram à Câmara, registraram presença e saíram antes das votações.

O boicote mobilizou o MPES, que entrou com uma ação na Vara da Fazenda Pública da Serra, solicitando que os vereadores deixem de receber R$ 575,52 a cada sessão sem votação. Ainda não há decisão. Desde o dia 11 de abril o suplente de vereador Fábio de Souza Rosa (PSD) foi convocado para substituir Neidia.

(Infografia/AG)

História antiga

O suposto rachid encabeçado por Neidia não é o único alvo das investigações. Suspeitas de improbidade administrativa rondam a Câmara da Serra há pelo menos 10 anos. No final de março, o juiz Mário da Silva Nunes Neto, da 3ª Vara da Fazenda Pública de Vitória, determinou o bloqueio de R$ 63,7 milhões em bens do ex-vereador Raul Cezar Nunes (Rede), ex-servidores, empresários e empresas.

"Não pode haver um mandato voltado para interesses de grupos", diz Wilson Zon, empresário que faz parte do grupo Monitora Serra, que acompanha os trabalhos da Câmara. ( Arquivo pessoal)

Eles foram denunciados pela 13ª Promotoria de Justiça Cível da Serra por envolvimento em um “esquema fraudulento” de direcionamento de contratos públicos entre 2009 e 2010. Em suma, de acordo com o MP, havia prévio acordo entre as empresas “interessadas” em participar das licitações, de forma a antecipar a vencedora.

Integrante do movimento Monitora Serra, Wilson Zon acompanha as movimentações da Câmara e afirma que as disputas políticas comprometem os serviços. “A Casa tem um custo para a sociedade. Não pode haver um mandato voltado para interesses corporativos e de grupos”, afirma.

PRESIDENTE FICA, MAS TENSÃO ESTÁ LONGE DO FIM

Presidente da Câmara da Serra, Neidia Pimentel (PSD), ao lado do vereador Rodrigo Caldeira (Rede), 1º vice-presidente da Mesa Diretora. Em sessão ordinária. (Tom Paparazzy/CMS)

Enquanto isso, uma nova eleição da Mesa Diretora se avizinha. Mais confusão? Proferida no dia 12 de abril, uma decisão da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça (TJES) pôs fim às dúvidas quanto ao futuro da Mesa Diretora da Serra, ao menos este ano: Rodrigo Caldeira (Rede) permanecerá na presidência até dezembro, afastando possibilidade de que Neidia (PSD) ou um de seus aliados volte ao comando da Casa. Mas a movimentação do grupo da vereadora afastada continua. Com a aproximação da data de uma nova eleição, em junho, para escolher a Mesa para o biênio 2019-2020, as articulações tendem a se intensificar.

Esta semana, o prefeito Audifax Barcelos (Rede), que já havia criticado a paralisação das votações, voltou a pressionar a Câmara. No documento enviado a Caldeira, o prefeito pede agilidade na votação de um projeto de alteração da lei municipal para atrair mais empresas, que foi enviado em 2 de março e ainda não foi votado. Ele afirma que recorrerá à Justiça caso nada seja feito.

Antes da decisão do TJES, um grupo de vereadores pediu o afastamento da atual Mesa Diretora, mas o processo, em tramitação na Vara da Fazenda Pública da Serra, perdeu o objeto por já haver uma definição em segunda instância. Conforme apontou, na época, o ex-controlador da Casa e aliado de Neidia Flávio Serri, a intenção era que, sem Caldeira, o vereador Adriano Galinhão (PTC), que foi o candidato mais votado em 2016, assumisse a presidência até a nova eleição.

Rodrigo Caldeira garante que hoje o clima na Casa é tranquilo e afirma não estar preocupado com a próxima eleição. “Estamos aqui para tocar os projetos. Nós somos todos colegas”.

No entanto, de acordo com fontes da Câmara, os aliados de Neidia continuam se reunindo, desta vez em um hotel em Nova Almeida. Por outro lado, três deles já teriam mudado de lado: Cleusa Paixão (PMN), Gilmar Raposão (PSDB) e o próprio Adriano Galinhão.

O vereador Pastor Ailton, aliado de Caldeira, acredita que, embora tudo esteja calmo, a chegada da nova eleição da Mesa poderá provocar mudanças. “Isso acirra a disputa”, diz. Para Luiz Carlos Moreira (PMDB), líder do prefeito Audifax Barcelos (Rede) na Câmara, o clima ainda é de divisão e poderá ficar mais instável daqui para frente. Moreira não descarta a chance de que todos os problemas, incluindo o boicote de vereadores às sessões, voltem à tona. Ele lembra que a prática de se alojar em sítios vem desde o final de 2016, quando o grupo do qual Neidia fazia parte se reunia no sítio de Nacib Haddad (PDT) para se preparar para a eleição de janeiro de 2017. “É um Vale a Pena Ver de Novo”.

Os vereadores pró-Neidia foram procurados, mas não retornaram. Apenas o vereador Fábio Duarte (PDT) declarou em entrevista ao Bom Dia Espírito Santo, no início deste mês, que os protestos do grupo foram para mostrar a insatisfação diante dos atuais dirigentes. “Estamos passando por uma crise jurídica de instabilidade”, afirmou.

ANÁLISE

Democracia regride

"A política guarda semelhanças com a guerra na medida em que o poder age por debilitar e eliminar determinados grupos sociais, econômicos ou políticos, enquanto fortalece outros grupos. Mas a democracia tenta disciplinar a política para que a convivência com o diferente seja o mais pacífica, harmoniosa e estável possível. O outro não seria enfrentado como inimigo a ser eliminado, mas adversário com quem se compete pelo poder, dentro de regras pré-concordadas pelas partes envolvidas.

Quando os tribunais são usados como arma de combate político, a democracia regride ao estágio mais primitivo da política, no qual a convivência com o diferente não é buscada e todos os recursos para sua eliminação são válidos. Direitos são suspensos, presunção de inocência e imparcialidade inexistem: a exceção torna-se regra. Vale lembrar que tribunais instrumentalizados pela guerra política não são reconhecidos como legítimos, pois não é justiça que buscam e sim a eliminação do inimigo."

Paulo Edgar Resende

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Doutor em Ciência Política e professor da UVV

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