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Tratores são usados como troféu político no interior do ES

Tratores são usados como troféu político no interior do ES

Máquinas são exibidas em cidades com faixas de agradecimento

Publicado em 22 de abril de 2018 às 22:38

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Escavadeira ficou exposta em Alfredo Chaves com faixa para Evair de Melo. (Internauta)

Máquinas como tratores e retroescavadeiras são exibidas como “troféus políticos” em cidades do interior do Estado, ajudando a promover prefeitos, deputados e até mesmo secretário estadual. Equipamentos novinhos, recém recebidos, ficaram expostos por até meses em locais de grande circulação nos municípios, como ao lado das respectivas prefeituras.

Enquanto estacionados, os equipamentos receberam “faixas de agradecimento” aos políticos que os viabilizaram por meio de emendas parlamentares.

A reportagem conseguiu flagrantes recentes em Alfredo Chaves, Ibatiba, Jerônimo Monteiro e Rio Bananal. Todos os políticos que apareceram nas faixas são pré-candidatos nas eleições deste ano.

Os equipamentos são caros. Podem custar quase R$ 500 mil, dinheiro que os prefeitos têm dificuldades de tirar do próprio Orçamento. Os deputados, então, usam as emendas a que têm direito nos Orçamentos estadual ou federal para fazer as indicações.

Sem analisar os casos concretos, o procurador-geral do Ministério Público de Contas, Luciano Vieira, observou indícios de desvio do princípio da impessoalidade da administração pública.

Motivos

O prefeito de Alfredo Chaves, Fernando Lafayette (PSB), abriu o jogo sobre a exposição da escavadeira. O equipamento ficou em frente à prefeitura por “cerca de oito dias” com uma faixa em agradecimento ao deputado Evair de Melo (PP).

“Uma vez que a aquisição se deu por convênio de emenda, nada mais justo que esta atitude em sinal de respeito e agradecimento”, declarou.

Em Jerônimo Monteiro, a emenda foi destinada pelo deputado federal Lelo Coimbra (PMDB). Serviu para comprar uma máquina que custa R$ 470 mil no mercado e ainda sobrou para pagar parte de um caminhão. O prefeito, Sérgio Fonseca (PSD), não se preocupa com o possível desvio do princípio da impessoalidade.

Em Jerônimo Monteiro, o agradecimento pela máquina foi feito para Lelo Coimbra. (Internauta)

“Você recebe uma emenda alta e não pode colocar o nome do deputado? Quem é visto sempre será lembrado. Tenho que colocar o nome mesmo, ter a gentileza. O bem não vem para cá porque o município é feio ou bonito. É por credibilidade política. É claro que tenho que agradecer”, afirmou.

Antes de serem usados, os equipamentos precisam passar por verificação da fabricante, que oferece orientação sobre o uso. Se houver dano por má utilização, o custo pode ser alto para o município. É o que dizem os prefeitos. Eventualmente, também é necessário esperar o aval de instituições como a Caixa Econômica, dependendo da modalidade da compra.

Em Rio Bananal, a escavadeira hidráulica ficou parada por cerca de cinco meses perto da prefeitura, comandada por Felismino Ardizzon (PSB). Na cidade, a “homenageada” foi a senadora Rose de Freitas (Podemos). A prefeitura alegou que não podia usar o equipamento, entregue no final de outubro de 2017, enquanto vistorias e outros trâmites burocráticos não fossem superados.

O município, no entanto, não esclareceu o motivo da faixa homenageadora.

Em Ibatiba, a retroescavadeira ficou parada por ao menos dez dias. Em nota, o município informou que esperava a “entrega técnica” a ser realizada pela empresa responsável pela venda do equipamento. “Esclarecemos que a entrega técnica é um procedimento normal e que visa resguardar a qualidade e a garantia do equipamento”, ressaltou.

O equipamento foi comprado por meio de emenda destinada pelo deputado estadual Marcelo Santos (PDT). Mas na cidade houve a peculiaridade de o “agradecimento” também citar o então secretário estadual de Agricultura, Octaciano Neto (PSDB), pré-candidato a deputado federal.

Em tese, cabe apenas aos deputados da Assembleia definir o destino das emendas do Orçamento estadual. Eles podem indicar até R$ 1,5 milhão.

Em Ibatiba, faixa para Marcelo Santos e Octaciano Neto. (Internauta)

Crítica

O secretário de comunicação da ONG Transparência Capixaba, Rodrigo Rossoni, critica o uso dos equipamentos como “troféus” por também entender que o princípio constitucional da impessoalidade acaba prejudicado. “O objetivo do bem público não é ficar na praça com o nome de quem destinou a emenda”, diz.

Ele também critica as emendas parlamentares individuais por entender que elas são uma “bizarrice do ponto de vista do Orçamento público”, uma vez que não são fruto de uma visão ampla e estrutural.

“Favorece quem está com o poder na mão. Culturalmente, parlamentares atendem a essas situações em vez de atenderem as emergências dos munícipes. As estradas são ruins, e as pendências ficam para os deputados, para que possam se reeleger. Do ponto de vista de gestão pública, as emendas de bancada são mais impessoais e passariam por um debate melhor”, frisou.

É EXPOSIÇÃO AO RIDÍCULO, AFIRMA PARLAMENTAR

O deputado federal Evair de Melo (PP) afirmou repudiar a estratégia dos prefeitos de pendurar faixas em agradecimento aos parlamentares que atuaram na entrega de obras ou de equipamentos. Para Evair, não se trata de uma homenagem, mas de uma “exposição ao ridículo”.

“Os prefeitos pegam isso para mostrar que conseguiram prestígio político. Não dou orientação para fazer isso. Todas as minhas emendas são com orientação para começar a usar na hora. Sou contra emenda parlamentar porque atrapalha mandato e porque não é favor nosso. Prefeitos querem se expor e expõem a gente ao ridículo”, declarou.

Evair foi “homenageado” em Alfredo Chaves, mas, segundo ele, a contragosto. “Não é favor nosso, não é dinheiro meu. Fui entregar um trator para Marilândia e botei uma deputada para dirigir. Eles gostam de tirar essa foto. Tem esse negócio ridículo de dirigir o trator”, disse, via assessoria.

Já o deputado federal Lelo Coimbra (PMDB) minimizou a polêmica. Ele lembrou que os agradecimentos são comuns, por meio de faixas ou solenidades.

“Nesse momento, como em outros, há apoios diversos em várias áreas, em todos os municípios do Estado, por todos os deputados e senadores. No caso de equipamentos, em geral, ficam de dois a cinco dias expostos, nunca mais que esse tempo, exceto se a documentação ainda não estiver pronta. Nenhum equipamento fica meses (parado). Criminalizar esse assunto é um equívoco”, disse.

Em Rio Bananal, a prefeitura confirmou que o equipamento está parado há quatro meses. Foi um “presente” da senadora Rose de Freitas (Podemos).

Ela afirmou que atende reivindicações de prefeitos, mas, “por falta de tempo”, não acompanha as inaugurações e entregas. Rose afirmou que esclarecimentos sobre a exposição da máquina com uma faixa de agradecimento cabem somente aos prefeitos.

“A exposição do equipamento deve ser perguntada tão somente ao prefeito. Acho que deveria estar em funcionamento, pela necessidade do município que gerou a demanda”, disse, por meio da assessoria.

Máquina em Rio Bananal tem agradecimento para a senadora Rose de Freitas . (Internauta)

Secretaria

Responsável por emenda que possibilitou a compra de uma retroescavadeira em Ibatiba, o deputado estadual Marcelo Santos (PDT) disse que a entrega coube à Secretaria Estadual de Agricultura. “A secretaria cuida da parte de aquisição e entrega do material, sem mais haver a intervenção do parlamentar, a não ser com sua participação no ato da entrega do equipamento”, frisou, por nota.

Chefe da pasta à época, Octaciano Neto (PSDB) não comentou a “homenagem” que recebeu por fazer o trabalho dele. Em nota, a secretaria informou só que, “em relação às emendas, é responsável apenas por executá-las”.

(Com colaboração de Brunela Alves e Beatriz Caliman)

ANÁLISE

"Pode indicar promoção pessoal"

Em tese, o uso de uma faixa ou de qualquer material com o nome do gestor em bens públicos, como máquinas adquiridas com recursos públicos, pode indicar promoção pessoal, pois fere o princípio constitucional da impessoalidade. Tendo conhecimento do fato e, caso os recursos sejam do Estado ou dos municípios, o Ministério Público de Contas pode representar ao Tribunal de Contas para apurar a prática e aplicar as sanções previstas em lei”.

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Luciano Vieira, procurador-geral do Ministério Público de Contas do Estado do Espírito Santo

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