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Italiano devolve título de cidadão do ES: 'Não me serviu de nada'

Italiano devolve título de cidadão do ES: "Não me serviu de nada"

Conheça a história de Francesco de Agazio, que entrou com processo administrativo na Assembleia e revogou honraria concedida por deputada estadual

Publicado em 16 de maio de 2018 às 20:31

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O ativista italiano Francesco de Agazio recebe o título de cidadão espírito-santense das mãos da deputada Janete de Sá. (Reprodução/Facebook)

A Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales) revogou o título de cidadão espírito-santense do ativista italiano Francesco de Agazio, concedido em abril de 2017. A informação foi publicada no Diário Oficial da Casa nesta quarta-feira (15). O que chama a atenção é que quem entrou com um processo administrativo para cancelar a honraria foi o próprio homenageado.

Aos 50 anos de idade, 11 deles vividos no Espírito Santo, Francesco afirma ter comparecido a quase todas as sessões do Legislativo capixaba nos últimos dois anos, além de ter presenciado reuniões das comissões temáticas e CPIs. Ele contou ao Gazeta Online que a homenagem foi uma proposição da deputada estadual Janete de Sá (PMN), após ter participado de uma das reuniões da Comissão de Agricultura.

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É um mero pedaço de papel, sem valor nenhum. Não me serviu de nada

Francesco de Agazio
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Com o passaporte vencido e sem documentos, Francesco acreditou que o título de cidadão do ES poderia ter alguma utilidade para regularizar sua situação ou ajudá-lo a arrumar um emprego. Sem o retorno esperado, ele resolveu oficializar sua rejeição ao título recebido. Só em 2017, as homenagens da Assembleia renderam um contrato de R$ 59,8 mil para a empresa responsável por confeccionar as placas.

"Pedi a palavra para comentar sobre a questão da rastreabilidade dos alimentos, uma ideia que achei interessante. A deputada Janete me cumprimentou, disse que gostava do meu trabalho e que iria me homenagear. Achei que isso poderia me ajudar a ter um documento ou uma ajuda de custo para continuar estudando aqui. Mas é um mero pedaço de papel, sem valor nenhum. Não me serviu de nada. Hoje a placa está juntando mofo, guardada em uma mala", desabafou, em entrevista ao Gazeta Online.

CHEGADA

Formado em Perícia Técnica Comercial, pelo Instituto Técnico Commerciale Galileo Galilei, na Itália, Francesco veio para o Brasil em 2000. Ele desembarcou no Rio de Janeiro para trabalhar em uma empresa de exportação de pescados de seus familiares.

Foi lá que conheceu a esposa, que atuava em uma empresa de pesca em Vitória, para onde acabou se mudando em 2003. O casal se separou em 2016.

ATIVISMO

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Passei a frequentar as autarquias públicas e acompanhar as discussões. Estava cansado de exercer uma cidadania invisível

Francesco de Agazio
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Fluente em quatro línguas e autodidata, Francesco passa os dias na biblioteca da Assembleia, onde lê os livros disponíveis e acessa a internet. O italiano admite que seu ativismo tornou-se uma obsessão. Desde que passou a se dedicar a acompanhar as sessões, ele parou de trabalhar, foi despejado da casa onde morava e perdeu o contato com a ex-esposa e sua filha, de 11 anos.

"Praticamente moro aqui. Tem gente que fica me perguntando até se sou servidor. Os deputados passam e me cumprimentam. Acho que comecei a acompanhar mais de perto estimulado pela má gestão do dinheiro público. Passei a frequentar as autarquias públicas e acompanhar as discussões. Estava cansado de exercer uma cidadania invisível."

Francesco de Agazio durante protesto em Vitória. (Reprodução/Facebook)

Atualmente, Francesco mora de favor, em um cômodo de três metros quadrados na casa de um amigo, na Serra. Antes de priorizar a vida política em sua rotina, ele tinha uma lan house, em Jacaraípe, na Serra. Desde 2016, o italiano parou de abrir o estabelecimento, que também era onde morava, e as dívidas, com aluguel e contas de luz e água, passaram a se acumular, até que ele foi despejado pelo dono do imóvel.

SOBREVIVÊNCIA

Dormindo algumas noites na rua, Francesco conta que foi gravemente agredido e precisou até comer ouriços encontrados na praia para não passar fome. O custo das passagens de ônibus e de sua alimentação são bancados por doações de amigos e alguns bicos que o italiano faz em aplicativos de avaliação de produtos e serviços.

"Tem quem me chame de babaca ou de bobo, mas é algum estímulo que recebi que me fez mudar de vida. A querer estudar filosofia, economia, sociologia e a psiqué humana. Não sei de onde veio esse interesse, mas sei que surgiu de algum lugar, talvez venha de Deus. Não me arrependo e nem temo que me chamem de louco", afirmou.

SESSÕES

Além da Assembleia, onde passa a maior parte do tempo, Francesco frequenta as sessões do Tribunal de Contas do Estado (TCE-ES) e participa de reuniões de coletivos e de movimentos sociais que conheceu nas galerias da Ales. Em sua página no Facebook, ele publica vídeos comentando o que vê nas ruas e dentro das autarquias públicas.

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Eu entrei de cabeça em uma vida em que a convivência tornou-se algo difícil de suportar. Mas não quero deixar minha filha crescer sem mim

Francesco de Agazio
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FAMÍLIA

A única lamentação de Francesco é em relação a filha, com quem tem passado cada vez menos tempo. Aos prantos, ele conta que seu ativismo atrapalhou a convivência familiar.

"Não poderia culpar minha ex-esposa, de maneira nenhuma. Eu entrei de cabeça em uma vida em que a convivência tornou-se algo difícil de suportar. Mas não quero deixar minha filha crescer sem mim. Ela já não me atende quando eu ligo e isso me dói demais", diz, com a voz já embargada pelo choro.

CRÍTICAS AOS DEPUTADOS

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É triste constatar a inércia política, tanto das pessoas comuns quanto dos próprios políticos

Francesco de Agazio
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Francesco conta que já bateu na porta de diversos parlamentares, na tentativa de debater ideias e propor projetos de lei. Entre as propostas que não foram à frente, cita projetos de incentivo para construção de áreas de lazer adaptadas para deficientes em espaços públicos e programas de cooperativismo para recicladores do Estado.

"Com todo o respeito aos parlamentares, acho que eles não fazem o que deveriam fazer. Não sei se por falta de compreensão ou por algum outro motivo. Minha opinião é que quem legisla aqui são grandes empresas ou o governo, que trazem os projetos prontos para os deputados votarem. Vejo pouca produção, pouco interesse em debater. É triste constatar a inércia política, tanto das pessoas comuns quanto dos próprios políticos”, desabafa.

Para Francesco, a rejeição dos cidadãos com a classe política se deve por conta das dificuldades para se participar da política sem estar dentro dela. "A gente fica ali, separado pelo vidro das galerias, de longe, sem espaço para debater. As pessoas se assustam, não se sentem confiantes de vir apresentar alguma ideia. Tento ajudar de alguma forma, passando o que aprendi para facilitar esse longo caminho", lamenta.

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A gente fica ali (na Assembleia), separado pelo vidro das galerias, de longe, sem espaço para debater

Francesco de Agazio
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PARLAMENTARES

O Gazeta Online entrou em contato com a deputada Janete de Sá (PMN), que havia concedido a Francesco o título de cidadão espírito-santense, e com o presidente da Assembleia, Erick Musso (PRB), por quem o italiano disse ser sempre cumprimentado.

Em nota, Janete disse que concedeu a comenda por entender que o italiano atendia aos requisitos da honraria. "Ele é um cidadão que tem uma filha com uma capixaba e presta relevante serviço voluntário em comunidades carentes. Ele me solicitou a honraria, e eu acreditei em seu carinho e dedicação pelos capixabas e não imaginei que ele achasse que, ao receber nossa honraria, a mesma viria carregada de privilégios", declarou a deputada.

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Já o presidente da Assembleia informou por nota que não tem contato com Francesco.

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