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Sem novidade nas urnas: partidos investem em políticos tradicionais

Sem novidade nas urnas: partidos investem em políticos tradicionais

Eleitores terão que escolher nas urnas entre nomes já conhecidos

Publicado em 20 de maio de 2018 às 00:59

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“Pensar que a disputa de outubro será dos outsiders é um equívoco. Essa é a eleição dos profissionais. De quem está acostumado a ter estômago de aço e fazer arranjos políticos.” A frase, do governador de São Paulo, Márcio França (PSB), após Joaquim Barbosa (PSB) desistir da candidatura à Presidência, na semana passada, traduz bem pelo menos o cenário das eleições nos Estados.

O desejo dos cidadãos de encontrar caras novas nas urnas, para, quem sabe, promover uma renovação na política, ao que tudo indica, será desconsiderado pelos partidos políticos. Em todo o país, a disputa para o cargo de governador está desenhada entre políticos com mandato, como deputados e senadores, ou por ex-governadores, sendo eles, em muitos casos, representantes de oligarquias no poder ou caciques das legendas.

O Espírito Santo é um exemplo claro disso, já que a disputa pelo Palácio Anchieta possivelmente será travada entre o atual governador, um ex-governador e uma senadora, todos eles com pelo menos 30 anos de vida pública. A exceção é a pré-candidatura do advogado André Moreira (PSOL), que nunca exerceu mandato eletivo, mas já concorreu em duas eleições anteriores.

De acordo com um levantamento feito pelo jornal “O Globo”, dos 119 pré-candidatos a governador, em todo o país, apenas 15 são outsiders, ou seja, pessoas que não têm histórico na política. Nesse grupo minoritário, os postulantes são, em sua maioria, empresários, juízes ou militares.

Entre os demais, há 15 governadores, sete ex-governadores, 23 senadores, 37 deputados estaduais ou federais, 16 ex-prefeitos e seis vereadores.

Embora a eleição de 2016, ao eleger alguns outsiders como prefeitos, tenha criado a expectativa de que essa onda pudesse crescer em 2018, a questão financeira e os filtros internos dos partidos acabam freando essas iniciativas, na avaliação de cientistas políticos.

Mas mesmo com nomes como o de João Doria (PSDB) tendo perdido força, a ideia de virar a chave e trocar o político tradicional por outro modelo permanece na cabeça de muitas pessoas.

Só que os desafios a serem enfrentados por um nome novo que queira se lançar não são poucos. Para se viabilizar, é necessário tempo de TV, estrutura partidária, dinheiro para a campanha e capilaridade. Isso, por si só, já afasta aqueles que não são ligados à política.

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No Espírito Santo, o eleitor não está atrás de um outsider. Os políticos ainda são razoavelmente bem avaliados. É preciso uma situação muito específica

José Luiz Orrico, cientista político
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“Os políticos que estão no poder escreveram uma legislação que privilegia a eles. Só pode ser candidato quem é filiado a partido, o tempo de TV é de acordo com o tamanho da legenda, a distribuição do fundo de financiamento eleitoral é determinado pelos dirigentes partidários. A legislação não permite o aparecimento de um outsider com alguma possibilidade”, comentou o cientista político José Luiz Orrico.

Para o cientista político e pesquisador da FGV, Humberto Dantas, o sistema político, no momento, sente-se forte o suficiente para dispensar outsiders. “Eles poderiam complicar alianças, revelar-se imprevisíveis no poder e, no fim das contas, não possuem a rede de lealdades que os dirigentes partidários organizam.”

Opções

A possibilidade de que a renovação de nomes não se concretize nas urnas também se deve ao fato de que nem tudo está nas mãos do eleitor, para o doutor em Ciência Política e professor da UVV, Vitor Amorim de Ângelo.

“O cidadão só pode escolher o que é oferecido a ele, tendo em vista os nomes apresentados. Quem faz esse recrutamento são os partidos, e o eleitor tem muito pouco poder de controle. Para aparecer uma figura totalmente nova, que vá se arriscar a disputar cargos altos não é fácil. Depende de um nível de articulação, militância, o que faz com que aqueles que já têm aquela expertise saiam na frente”, explicou.

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O eleitor só pode renovar tendo em vista os nomes apresentados. E isso cabe aos partidos definir. O eleitor tem pouco poder

Vitor de Ângelo, doutor em Ciência Política
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Os especialistas também destacam que em um cargo majoritário, só por uma circunstância muito específica o eleitor escolheria alguém sem experiência política.

“No âmbito local, os últimos governos foram bem avaliados. Não há tanto espaço para outsider. O eleitor não está tão insatisfeito com os possíveis candidatos”, avaliou José Luiz Orrico.

Lideranças defendem novas práticas, e não novos nomes

A renovação que se espera após as eleições deste ano não deve ser vista somente com o foco de trocar nomes, e sim de um pensamento de novas práticas que tenham a capacidade de melhorar a política e a opinião que os cidadãos têm sobre ela. É o que pensam os dirigentes partidários das legendas que devem lançar candidatos ao governo do Espírito Santo.

O presidente do MDB, deputado Lelo Coimbra, acredita que mesmo havendo um sentimento de “negação da política” por parte da população, o momento é muito delicado para apostar em aventuras. O partido deve lançar o governador Paulo Hartung (MDB) à reeleição, para o que seria seu quarto mandato.

“Ele ainda não se manifestou quanto à candidatura, mas eu, pessoalmente, gostaria. É um nome preparado, testado e capaz de produzir resultado. Não se forma uma liderança da noite para o dia, é preciso ter grandes habilidades”, afirmou.

O PSB e o Podemos, que contam com os nomes de Renato Casagrande e Rose de Freitas, respectivamente, justificaram que suas apostas de novidades virão para o Legislativo.

“Ser novo, por si só, não diz nada. Tanto na nossa candidatura à Presidência como a do governo, estamos apostando na experiência. Mas para a Câmara, há condições de uma renovação maior. Teremos médicos, policiais, vários nomes que nunca disputaram”, comentou o presidente do Podemos, Gilson Daniel.

O dirigente do PSB, Luiz Carlos Ciciliotti, defende que mesmo que Casagrande não seja um nome novo, ele pode representar uma renovação de ideias. “Pelo fato de ele não ter sido reeleito, viveu uma fase importante de análise da política. E também trabalhamos na criação de novas lideranças. Dos nossos 20 candidatos a deputado federal, 19 são estreantes”, disse o presidente do partido.

Legislativo

Enquanto a renovação de nomes no Executivo é praticamente descartada, a análise sobre a possibilidade de haver uma grande troca no Congresso Nacional ainda é uma incógnita.

A cada eleição, o Brasil troca quase metade de seus 513 deputados federais, o que é um índice considerado alto, se comparado a outros países.

Após o fim da ditadura, a maior renovação na Câmara foi registrada em 1990, com 62%, provável reflexo do ambiente de abertura democrática.

Depois das manifestações de junho de 2013, previa-se uma mudança neste patamar, o que acabou não se confirmando. O índice foi de 47%.

“Formar um bom parlamentar exige tempo e experiência, mas uma democracia sem renovação é péssimo. O deputado deixa de ter medo de perder o mandato e acaba perdendo o vínculo com o eleitor, passa a legislar em causa própria. A mudança mais factível é no Legislativo, onde há candidatos que já estão disparando suas campanhas e mais cidadãos comuns dispostos a apostar uma entrada na política”, comentou o cientista político José Luiz Orrico.

Já o também cientista político Vitor de Ângelo ressalta que as mudanças feitas na reforma política favorecem a reeleição dos políticos tradicionais.

“Com esta campanha mais curta e sem a doação de empresas, aqueles que já são conhecidos têm mais chances. Uma renovação de verdade levará mais tempo”, salientou.

Análise: os partidos ainda têm muita força

No Executivo, a renovação só tem como acontecer se este nome novo entender qual é o papel dos partidos políticos. Eles ainda têm uma capacidade de centralização gigantesca. Uma figura que surja de fora da política teria que fazer com que o partido seja capaz de convergir para ela. Isso não foi tão difícil de acontecer em 2016 nos municípios, pois eles guardam uma lógica mais autônoma. Mas em um Estado, fazer com que todos os diretórios se unam em torno de um nome não é tão simples. Os partidos controlam os candidatos que vão oferecer para os eleitores. Já no Legislativo, se por um lado existe um aparente desejo da sociedade em modificar algo, por outro há uma blindagem política das velhas estruturas e dos velhos nomes dos partidos, que faz com que os políticos tradicionais possam sair em vantagem. Vamos ter que esperar para ver. Vai ser um conflito interessante.

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* Humberto Dantas cientista político, doutor pela USP e pesquisador da FGV

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