> >
Setor da Universidade Federal do ES espionava professores e alunos

Setor da Universidade Federal do ES espionava professores e alunos

Informações passadas a militares levaram a prisões e torturas

Publicado em 15 de maio de 2018 às 00:38

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Reunião de estudantes na Ufes, em 1979. Movimentos políticos eram monitorados pela repressão. (Romero Mendonça | Arquivo)

Durante a ditadura militar, estudantes, professores e funcionários da Ufes eram espionados por um órgão ligado à reitoria. A estrutura, que funcionou entre 1971 e 1986, enviava às agências da repressão informações sobre opiniões e ações da comunidade acadêmica. Esse monitoramento resultou em expulsões, prisões e torturas de opositores do regime que aplicou o golpe de 1964.

Uma estrutura semelhante funcionou na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), segundo relatório apresentado ontem pela Comissão da Verdade de lá. O jornal “O Globo” publicou que, além de Ufes e UFSC, a espionagem ocorria em ao menos outras cinco universidades brasileiras.

Documentos sobre a ditadura localizados por pesquisadores. (Facebook/Comissão da Verdade da Ufes)

No Espírito Santo, o mapeamento da repressão dentro da Ufes foi feito pela Comissão da Verdade da universidade, cujo relatório conclusivo foi apresentado no final de março.

A partir de 2013, a comissão localizou 1,4 mil páginas de documentos, até então desconhecidos. Estavam em prédios da universidade e armazenados em locais como banheiros desinstalados e sob escadas.

A análise dos papéis foi corroborada por depoimentos de ex-membros da comunidade acadêmica.

(Facebook | Comissão da Verdade da Ufes)

A espionagem era feita por meio da Assessoria Especial de Segurança e Informação (Aesi), a mesma que funcionou em outros órgãos da administração pública. Foi criado na esteira do fortalecimento das manifestações estudantis de 1968. Em reação, a ditadura também criou um órgão de informações dentro do MEC e baixou o “decreto 477”, que expulsava estudantes e funcionários “subversivos”.

“A Aesi era uma estrutura ligada à reitoria, mas se reportava diretamente ao 3º Batalhão de Caçadores (BC) – hoje, 38º BI. Passou a vigiar as ações, interferir na vida acadêmica, estabelecia regras para contratar professores, para compra de livros e para cerimônias de formaturas. Os discursos e a escolha dos paraninfos tinha que passar por esse órgão de informação”, afirmou o professor Pedro Ernesto Fagundes, coordenador da Comissão da Ufes.

A Aesi – que em 1975 passou a ser chamada de Assessoria de Segurança e Informação (ASI) – funcionou, segundo os relatos, na sede da Fafi e depois na antiga sede da reitoria da Ufes, o prédio conhecido como “Castelinho”.

Só foram encontrados os documentos mantidos pelos diferentes centros da Ufes. Os que estavam sob guarda da Aesi foram possivelmente eliminados.

O ÓRGÃO

Os documentos produzidos pela Aesi costumavam levar o carimbo de “confidencial”. Entre eles, um com data de 4 de maio de 1972, no qual o órgão pede, com urgência, à Faculdade de Medicina da Ufes a relação de professores ou funcionários “contra a Revolução” – como os militares chamavam o golpe – ou “conhecidos como comunistas”.

Em 1972, de acordo com a pesquisa, destaca-se a quantidade de solicitações feitas pela Aesi a todos os centros da universidade. Na lista de requisições, informações de alunos, como endereço e filiação, e relação de livros comprados e vendidos.

O crescimento da produção de documentos e solicitações corresponde ao período em que cresceram ações contra a comunidade da Ufes, sobretudo com a prisão de militantes ligados ao PCdoB entre dezembro de 1972 e março de 1973. Entre elas, a da jornalista Míriam Leitão, ex-estudante da Ufes e ex-militante do partido, presa e torturada em Vila Velha.

Para a Comissão, não restaram dúvidas sobre a participação da Aesi nas prisões em virtude das conexões e do papel que a assessoria tinha.

A Aesi também aparece como responsável por reunir as informações que levaram ao banimento por três anos de sete estudantes, enquadrados no “decreto 477” por conta de suas opiniões e ações. Quando cinco deles solicitaram a rematrícula, em 1977, o órgão também remeteu o informe para o 3º BC.

Este vídeo pode te interessar

O responsável pela Aesi da Ufes era o servidor federal Alberto Monteiro, falecido em 2011. Documentos e depoimentos revelaram que ele era o representante do regime na universidade. “Para as pessoas, ele fazia transparecer que não tinha nada contra e que não estava vigiando, mas, na verdade, no fundo, estava de olho”, afirmou à comissão o ex-governador do Estado e ex-aluno da Ufes Vitor Buaiz.

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais