Durante a ditadura militar, estudantes, professores e funcionários da Ufes eram espionados por um órgão ligado à reitoria. A estrutura, que funcionou entre 1971 e 1986, enviava às agências da repressão informações sobre opiniões e ações da comunidade acadêmica. Esse monitoramento resultou em expulsões, prisões e torturas de opositores do regime que aplicou o golpe de 1964.
Uma estrutura semelhante funcionou na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), segundo relatório apresentado ontem pela Comissão da Verdade de lá. O jornal O Globo publicou que, além de Ufes e UFSC, a espionagem ocorria em ao menos outras cinco universidades brasileiras.
No Espírito Santo, o mapeamento da repressão dentro da Ufes foi feito pela Comissão da Verdade da universidade, cujo relatório conclusivo foi apresentado no final de março.
A partir de 2013, a comissão localizou 1,4 mil páginas de documentos, até então desconhecidos. Estavam em prédios da universidade e armazenados em locais como banheiros desinstalados e sob escadas.
A análise dos papéis foi corroborada por depoimentos de ex-membros da comunidade acadêmica.
A espionagem era feita por meio da Assessoria Especial de Segurança e Informação (Aesi), a mesma que funcionou em outros órgãos da administração pública. Foi criado na esteira do fortalecimento das manifestações estudantis de 1968. Em reação, a ditadura também criou um órgão de informações dentro do MEC e baixou o decreto 477, que expulsava estudantes e funcionários subversivos.
A Aesi era uma estrutura ligada à reitoria, mas se reportava diretamente ao 3º Batalhão de Caçadores (BC) hoje, 38º BI. Passou a vigiar as ações, interferir na vida acadêmica, estabelecia regras para contratar professores, para compra de livros e para cerimônias de formaturas. Os discursos e a escolha dos paraninfos tinha que passar por esse órgão de informação, afirmou o professor Pedro Ernesto Fagundes, coordenador da Comissão da Ufes.
A Aesi que em 1975 passou a ser chamada de Assessoria de Segurança e Informação (ASI) funcionou, segundo os relatos, na sede da Fafi e depois na antiga sede da reitoria da Ufes, o prédio conhecido como Castelinho.
Só foram encontrados os documentos mantidos pelos diferentes centros da Ufes. Os que estavam sob guarda da Aesi foram possivelmente eliminados.
O ÓRGÃO
Os documentos produzidos pela Aesi costumavam levar o carimbo de confidencial. Entre eles, um com data de 4 de maio de 1972, no qual o órgão pede, com urgência, à Faculdade de Medicina da Ufes a relação de professores ou funcionários contra a Revolução como os militares chamavam o golpe ou conhecidos como comunistas.
Em 1972, de acordo com a pesquisa, destaca-se a quantidade de solicitações feitas pela Aesi a todos os centros da universidade. Na lista de requisições, informações de alunos, como endereço e filiação, e relação de livros comprados e vendidos.
O crescimento da produção de documentos e solicitações corresponde ao período em que cresceram ações contra a comunidade da Ufes, sobretudo com a prisão de militantes ligados ao PCdoB entre dezembro de 1972 e março de 1973. Entre elas, a da jornalista Míriam Leitão, ex-estudante da Ufes e ex-militante do partido, presa e torturada em Vila Velha.
Para a Comissão, não restaram dúvidas sobre a participação da Aesi nas prisões em virtude das conexões e do papel que a assessoria tinha.
A Aesi também aparece como responsável por reunir as informações que levaram ao banimento por três anos de sete estudantes, enquadrados no decreto 477 por conta de suas opiniões e ações. Quando cinco deles solicitaram a rematrícula, em 1977, o órgão também remeteu o informe para o 3º BC.
O responsável pela Aesi da Ufes era o servidor federal Alberto Monteiro, falecido em 2011. Documentos e depoimentos revelaram que ele era o representante do regime na universidade. Para as pessoas, ele fazia transparecer que não tinha nada contra e que não estava vigiando, mas, na verdade, no fundo, estava de olho, afirmou à comissão o ex-governador do Estado e ex-aluno da Ufes Vitor Buaiz.
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