As origens da palavra parlamento já deixam claro o peso e a força da tribuna: parlement, em francês, ou parolare, em latim, significa discursar, dialogar. Mas, apesar disso, na Assembleia Legislativa do Espírito Santo nem todos os deputados fazem questão de usar o microfone. Sessão após sessão, entram e saem do plenário calados.
É o que aponta um levantamento de A GAZETA, que pesquisou todas as atas das sessões ordinárias da Casa desde o início da atual legislatura, em fevereiro de 2015, até o dia 5 de junho deste ano. Ao longo das 46 sessões de 2018 analisadas, os deputados Hudson Leal (PRB), Marcos Bruno (Rede) e Almir Vieira (do PRP e agora cassado) não se pronunciaram nenhuma vez, enquanto Amaro Neto (PRB) e José Carlos Nunes (PT) falaram uma vez cada um. Levando-se em conta que a Assembleia possui 11 bancadas de um deputado só, isso significa dizer que a bancada dos mudos era três vezes maior durante o período pesquisado.
Já a deputada Raquel Lessa (PROS) fez dois pronunciamentos, assim como Erick Musso (PRB), que preside a Casa desde fevereiro de 2017.
Na lista dos silenciosos, praticamente os mesmos nomes se repetem ao longo dos anos. Em 364 sessões ordinárias de 2015 a 2017, o deputado Marcos Bruno foi o que menos falou: foram 22 pronunciamentos, entre momentos de discussão de projetos e de discursos. Almir Vieira cuja vaga hoje é ocupada por Cláudia Lemos , falou 29 vezes; Hudson Leal, 37; Raquel Lessa, 41 e Erick Musso, 45.
Amaro e Favatto ultrapassaram a faixa dos 50 pronunciamentos, sendo o primeiro com 52 e o segundo com 54. No entanto, são números distantes de outros parlamentares que se manifestaram mais de 90 vezes só em 2017, como Sergio Majeski (PSB), José Esmeraldo (MDB) e Hércules Silveira (MDB), que usaram o microfone 110, 101 e 93 vezes, respectivamente.
SINAL DE ALERTA
Para o cientista político Fernando Pignaton, embora falar muito nem sempre signifique que os deputados estejam discutindo assuntos relevantes, falar pouco também é um problema.
E continua: "Apresentar projetos é outro parâmetro de produtividade. Como liderar sem participar dos debates? Os projetos não substituem a participação em plenário".
Para o cientista político da Ufes Paulo Magalhães de Araújo, o uso da retórica durante as sessões também se trata de uma questão de perfil pessoal, eleitoral e também de estratégia política. "Enquanto alguns preferem discursos, sobretudo em função da transmissão da TV, outros preferem estar em contato com suas bases eleitorais", disse.
Já o coordenador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, João Feres, acrescenta que a desproporção entre as participações é comum nas casas legislativas do país, e que em muitos casos as falas são usadas para "marcar posições". Para ele, políticos de esquerda são mais propensos a comandar os microfones.
Deputados menos falantes alegam ter outras iniciativas
Discussões e discursos no plenário da Assembleia Legislativa não são prioridades para eles. Na direção oposta dos números, os deputados que menos utilizam a tribuna da Casa defendem que suas atuações em outras frentes e até mesmo nos bastidores são mais relevantes para atender aos interesses da população.
O deputado e apresentador de televisão Amaro Neto (PRB), por exemplo, afirma que concentra grande parte de seu discurso na TV, durante a apresentação dos programas.
"Lá eu apresento problemas e tento buscar soluções. Minha posição eu coloco na TV para um público infinitamente maior. Mas o trabalho de um deputado vai muito além do que é falado na Assembleia. Eu tenho seis projetos sancionados, 77 apresentados. Não é falar na tribuna que vai definir se um deputado é bom ou ruim, mas respeito os colegas que o fazem porque é realmente importante", pondera.
Segundo Amaro, desde que assumiu o mandato sua intenção sempre foi deixar o espaço da Casa para que outros parlamentares, que não têm a mesma visibilidade que a sua, possam se expressar. "Quando eu tenho algo realmente para falar, eu falo. Agora estou fora do ar (em função das eleições de outubro) minha presença na tribuna será um pouco maior", afirma.
Do mesmo modo, Rafael Favatto (Patriota) diz que prefere se pronunciar em discussões específicas, durante as reuniões de comissões, como as de Justiça e de Meio Ambiente, das quais faz parte.
Argumento semelhante é dado pela deputada Raquel Lessa, que prefere conversar diretamente com suas bases. "Procuro fazer uso da tribuna da Casa para conteúdos relevantes. Troca de farpas e discursos repetidos não me interessam. Exerço a minha função com proposições efetivas que geram resultado para população. Meu diálogo é presencial dentro das comunidades", afirmou em nota.
Almir Vieira e os deputados Hudson Leal, Marcos Bruno, Erick Musso e José Carlos Nunes foram procurados, mas não responderam à reportagem.
Como foi feito o levantamento
METODOLOGIA
Pesquisa
Para somar quantas vezes os deputados se pronunciaram durante as sessões da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, A GAZETA analisou todas as atas das sessões ordinárias da Casa, que estão disponibilizadas no site do Poder Legislativo. O levantamento começa em fevereiro de 2015 e vai até 5 de junho de 2018. O trabalho de apuração durou um mês.
Números
Foram analisadas 46 sessões em 2018; 121, em 2017; 123, em 2016; e 120, em 2015.
Contagem
A contagem do número de falas inclui os pronunciamentos durante a fase das discussões de projetos, a fase das comunicações e das lideranças partidárias. Deputados que se inscreveram, mas declinaram da fala, não foram somados.
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