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Pedido de abertura de vaga de Valci é alvo de divergência

Pedido de abertura de vaga de Valci é alvo de divergência

Há quem defenda que a vacância somente pode ser declarada quando não for mais possível a apresentação de recurso ao STF

Publicado em 19 de julho de 2018 às 21:34

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Valci Ferreira está afastado há mais de uma década do Tribunal de Contas. (Gustavo Louzada | Arquivo | GZ)

Enquanto movimentações políticas correm à boca miúda, ou nem tão discretamente assim, de olho na vaga de conselheiro aberta no Tribunal de Contas (TCES) após a aposentadoria de José Antonio Pimentel, a possível vacância de outra cadeira – a que hoje pertence ao conselheiro afastado Valci Ferreira – pedido feito pela Assembleia Legislativa à Corte de Contas, tem tudo para se tornar um imbróglio jurídico.

Advogados consultados pela reportagem divergem sobre a possibilidade de o TCES declarar aberta a vaga antes do trânsito em julgado do processo. Apesar de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ter condenado Valci a dez anos de prisão por desvio de dinheiro público e lavagem de dinheiro, crimes pelos quais ele cumpre pena de prisão, e ter determinado a perda do cargo como medida acessória, ainda cabe recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Há quem entenda que a perda do cargo somente poderia ocorrer quando não for mais possível a apresentação de recursos. Em ofício enviado ao presidente do TCES, Sérgio Aboudib, no entanto, a Mesa Diretora da Assembleia, presidida por Erick Musso (PRB), sustenta que "não faria qualquer sentido estar-se a executar a pena mais gravosa – a de prisão – deixando de lado a acessória! Feridas estariam a lógica e o próprio interesse público".

Afastado das funções, pelo STJ, desde 2007, Valci continua recebendo salário. O subsídio de um conselheiro é de R$ 30,4 mil. De acordo com o TCES, atualmente essa cifra sofre desconto de R$ 4.511,87, em cumprimento a sentença judicial.

"A perda do cargo de conselheiro não é algo eventual, é uma coisa definitiva. O ideal é esperar o trânsito em julgado porque é uma pena altamente gravosa. A de prisão também é, mas pode ser cessada", afirma o professor da UnB e especialista em direito constitucional Mamede Said Maia Filho.

"É uma discussão interessante. É razoável a interpretação da Assembleia. Há uma pessoa presa recebendo remuneração sem trabalhar", diz, por sua vez, o ex-advogado-geral da União Fábio Medina Osório.

Na própria condenação de Valci, que data de 2016, o ministro relator Mauro Campbell registra que a perda do cargo foi tratada como pena sem efeito automático. Ele ainda prorrogou o afastamento de Valci até o trânsito em julgado. O trecho da decisão do STJ é usado como munição por alguns dos que são contrários à abertura da vaga neste momento ou por meio de tal expediente – uma provocação da Assembleia ao TCES. Mas uma pessoa com trânsito no Legislativo estadual e que acompanha o caso de Valci considera que a determinação do STJ de ampliar o afastamento está ligada ao pedido da defesa do conselheiro, que havia requerido a volta dele ao cargo, e não impede a abertura da vaga.

POLÊMICA

Decisão do último dia 12 da presidente do STJ, Laurita Vaz, referente a outro caso, determinou que, apesar de a pena de prisão poder ser executada provisoriamente, antes, portanto, do trânsito em julgado, outras penas, restritivas de direitos, como prestação de serviços à comunidade, somente podem ser aplicadas após o final do processo. Mas o entendimento da ministra não é pacífico no meio jurídico.

O STF já autorizou o cumprimento de penas de prisão após condenações em segunda instância – portanto, antes do trânsito em julgado – mas não se manifestou quanto às outras penas.

COMPETÊNCIA

Outro ponto é se cabe ao TCES definir a questão. Um conselheiro consultado pela reportagem, que preferiu não se identificar, considera o pedido da Assembleia "inadequado, inoportuno e até ilegal". "O presidente do Tribunal de Contas não tem competência (no sentido de não ser o papel dele) para declarar a vaga aberta se o caso não transitou em julgado na Justiça."

Qualquer que seja o posicionamento da Corte de Contas, ela será passível de questionamentos jurídicos. "Se o objetivo era acelerar a abertura da vaga, talvez possa demorar ainda mais", avalia o conselheiro.

O ofício da Assembleia foi encaminhado à consultoria jurídica do TCES. Sobre os próximos passos, o Tribunal de Contas, por meio da assessoria de imprensa, informou que "será analisada, primeiramente, a competência do Tribunal de Contas na matéria para, então, verificar o rito".

CURIOSO

Desperta curiosidade, no mínimo, o pedido para a abertura da vaga do conselheiro Valci Ferreira logo agora, após mais de dez anos de afastamento e na reta final do governo Paulo Hartung (MDB). Apesar de a cadeira ser de preenchimento por parte da Assembleia Legislativa, o governo exerce influência sobre a base. E somando a aposentadoria antecipada do conselheiro José Antonio Pimentel, até então afastado e ainda réu no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em ação penal, os governistas têm a chance de emplacar dois nomes na Corte de contas ainda este ano.

Pimentel não respondeu às tentativas de contato da reportagem, mas são várias as teses para o pedido de aposentadoria, entre as quais a que ele age para beneficiar a si mesmo, provocando, em tese, a perda do foro no STJ – apesar de o tribunal ter sido bastante lento no caso de Valci. O fato é que a saída dele, neste momento, cai como uma luva para o líder do governo na Assembleia, Rodrigo Coelho (PDT), o mais cotado para ser o escolhido.

"A abertura da vaga do Pimentel agora pode até ter sido coincidência, porque não é nova a intenção dele de se aposentar, mas a tentativa de abrir a vaga do Valci não é", avalia um conselheiro do TCES consultado pela reportagem. Difícil crer que a Assembleia daria um tiro no escuro, sem ter a sinalização de que o pedido poderia prosperar.

O governador Paulo Hartung (MDB) comentou nesta quinta-feira que "se o deputado Erick fez (o requerimento) é porque tem fundamento. O deputado Erick trabalha com uma assessoria jurídica de excelente qualidade, pelo que a gente acompanha".

Além de Coelho, outro deputado estadual interessado em se tornar conselheiro é Dary Pagung (PRP). Ele diz que pretende ser apontado para a vaga de Pimentel, mas nos bastidores aposta-se que ele poderia estar contando com a de Valci, dada a prevalência do líder do governo para a outra. Dary nega: "A minha intenção é disputar e conversar com meus colegas de plenário pedindo voto para essa vaga que já está aberta".

Marcelo Santos (PDT), também cotado, diz não ter interesse em nenhuma das vagas: "Estou focado na minha reeleição".

CRÍTICAS

O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) divulgou nota com críticas às movimentações em andamento. "Antes de oficializada, a vacância dos cargos já gera movimentações políticas para a indicação do novo conselheiro, que segue a lógica do favorecimento a aliados de primeira hora do Poder Executivo, com a anuência de uma notória maioria do Legislativo estadual", diz o texto.

Confira a íntegra da nota do MCCE:

O Tribunal de Contas do Espírito Santo, com a publicação da aposentadoria do Conselheiro José Antonio Almeida Pimentel – no último dia 12/07/2018 - e da protocolização pela Assembleia Legislativa do pedido de vacância do cargo exercido pelo conselheiro Valci Ferreira, afastado das funções desde 2007, apresenta a possibilidade de preenchimento de duas vagas para o cargo de Conselheiro de Contas do estado. Um cargo cuja prerrogativa de fiscalizar as contas do poder executivo e, consequentemente, coibir a corrupção, pertence à sociedade capixaba acima de tudo.

Porém, antes de oficializada, a vacância dos cargos já gera movimentações políticas para a indicação do novo conselheiro, que segue a lógica do favorecimento a aliados de primeira hora do poder executivo, com a anuência de uma notória maioria do legislativo estadual. Aposentadoria integral, com salários superiores à realidade da maioria dos brasileiros, por um trabalho cuja efetividade ainda deixa muito a desejar, inclusive, pelo pouco alcance efetivo para o controle social.

A indicação para o cargo, geralmente não segue critérios constitucionais estabelecidos, como sobejamente demonstrado pelas inúmeras denúncias que marcam os Tribunais de Contas Brasil a fora, e sim, as indicações e interesses políticos.

Isso abre a chance, muito frequente, para meros favorecimentos pelos "serviços prestados" por aliados políticos de governadores e deputados estaduais. O combate à corrupção carece de ser ampliado e  perfeiçoado em nosso país - e isso passa pela independência dos julgadores. Nossas instituições de controle não podem continuar expostas a modelos de provimento de cargos que predominantemente servem aos interesses do poder em detrimento dos interesses públicos.

O momento é de discussão sobre o papel do Conselheiro do Tribunal de Contas e de sua forma de ingresso. Há o juramento de cumprir a constituição estadual pelos representantes do povo e isso deve ser levado a termo com escolhas que cumpram os critérios de "notório saber" e "reputação ilibada" daqueles que pleiteiam o cargo.

Diante do exposto, o comitê local do Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral (MCCE) através de seus signatários vem a público informar que somos favoráveis a uma escolha que se baseie nos critérios determinados no § 1°, do artigo 74 da Constituição Estadual, onde todo cidadão ou cidadã qualificados possam se candidatar ao cargo. 

Propomos ainda um compromisso público de nossos gestores com essa modalidade de escolha, já adotado no Espírito Santo com o nome de "Conselheiro Cidadão".

Sugerimos ainda que a lista tríplice de Auditores de Controle Externo do Tribunal de Contas seja uma modalidade de escolha prioritária em relação às escolhas políticas que marcam a trajetória do Tribunal, onde as vagas da Assembleia Legislativa – vagas pertencentes à sociedade – não são vagas destinadas apenas aos deputados estaduais.

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O MCCE se coloca, por fim, à disposição para contribuir com o debate, sugerindo que as indicações para o TCE-ES não sejam fruto de barganha política, para se tornar um ato de comprometimento público de nossos gestores com o erário, com sua eficiência e efetividade e com a vontade popular.

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