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'Nós não precisamos de um salvador da pátria'

"Nós não precisamos de um salvador da pátria"

Cientista político Adriano Gianturco defende as instituições e diz que principal problema do país nos dias de hoje não é a corrupção

Publicado em 18 de agosto de 2018 às 02:31

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Italiano que vive no Brasil há oito anos, o cientista político Adriano Gianturco sabe bem os males do populismo aqui e acolá. E avisa: "Nós não precisamos de ética, do salvador da pátria que vai resolver as coisas. É o contrário. Precisamos entregar menos poder a ele. Não precisamos do homem forte, precisamos de paredes fortes que nos protejam do homem forte, ou seja, instituições e regras".

A quem se assustar com a menção à palavra ética, não quer dizer que Gianturco, professor do Ibmec, seja contrário a ela, mas apenas ao discurso de que a corrupção é o maior problema do país e que o salvador da pátria – obviamente dotado da mais pura ética, moral e bons costumes – vai resolver tudo. "A corrupção não é o maior problema. Só o BNDES, perfeitamente legal, torra 8%, 9% do PIB", destaca, após lembrar que o custo da corrupção no país é de 2,3% do PIB. "O BNDES tem que ser fechado para ontem", vaticina.

Gianturco palestrou em Vitória, nesta sexta-feira (17), para integrantes do Instituto Líderes do Amanhã. Antes da conversa com o grupo, ele falou com a reportagem de A GAZETA. 

Alguns candidatos têm se apropriado do discurso de combate à corrupção. E não à toa porque quando perguntamos às pessoas qual o maior problema do Brasil a resposta é corrupção. Essa percepção condiz com a realidade?

Não. É totalmente errado isso. Existem rankings internacionais. Não é a minha opinião. O mais famoso ranking é o da Transparência Internacional e o Brasil está em todos esses rankings mais ou menos no meio porque existe a África, a Ásia e a América Latina. O Brasil está entre os menos corruptos da América do Sul. As pessoas pensam só em norte da Europa e Estados Unidos, países anglo-saxões. Até países do sul da Europa estão na mesma situação que o Brasil, por exemplo a Itália. Mas lá ninguém lá acha que é o país mais corrupto do mundo.

Em termos de impactos da corrupção, existem estudos que medem isso entre 1,6% e 2,3% do PIB (no Brasil), que é levemente abaixo da média mundial, de 3%. Só o BNDES, perfeitamente legal, desvia da economia e torra 8%, 9% do PIB. Quando tem um escândalo de corrupção envolve muito dinheiro. Para uma pessoa R$ 5 bilhões é muita coisa. Mas o impacto no PIB é baixo (o PIB em 2017 foi de R$ 6,6 trilhões). Achar que a corrupção é o maior problema do Brasil é um problema maior do que a própria corrupção porque desvia a atenção dos problemas principais. E é fácil para os políticos falarem que são contra a corrupção. Quem vai dizer que é a favor?

Sendo ou não o maior problema, é preciso combater a corrupção. Do que precisamos? Leis mais rígidas?

Tem gente que diz até “tinha que ter pena de morte para a corrupção. O problema é a impunidade”. Em parte, é. Mas em parte se você aumentar as penas o que vai acontecer é o seguinte: o risco para alguém que se envolve em corrupção aumenta. Menos pessoas estarão dispostas a fazer atos corruptos, mas as piores pessoas vão se envolver. Vai haver um oligopólio de corruptos. O preço da propina pedida vai aumentar porque o risco é maior. Vai aumentar o dinheiro envolvido em corrupção e as empresas que conseguem pagar as propinas vão ser ainda maiores.

Se temos um sistema que cria problemas para vender soluções, a corrupção é a mais simples solução.

O BNDES tem que ser fechado para ontem. O BNDES é ineficiente e imoral, tira dinheiro dos brasileiros médios para dar para os ricos (...) O BNDES dá empréstimos a taxa de juros abaixo do mercado, tem uma corrida para ir lá para pegar esse dinheiro e quem consegue é quem é mais “conectado”, as empresas mais poderosas.

Já se fez muitos paralelos entre a Mãos Limpas, da Itália, e a Lava Jato. Ainda há alguma comparação a ser feita entre as duas operações?

Um amigo esses dias me ligou e falou: “Qual a surpresa? A política é um esgoto. Você só sente o cheiro quando abre a tampa, mas você sabe que fede”. Talvez lá (na Itália) as pessoas tenham uma visão mais realista. Aqui, generalizando também, parece o contrário, uma visão muito idealista que não entendo como é possível. As pessoas ficaram chocadas com os escândalos. Mas é também por causa desse discurso de ética. A ética não é algo a se falar, é algo a praticar. Quando se fala muito pode ter certeza que é porque não se pratica. Esse foco na ética é uma visão errada. A solução não é ética e moral. A solução são regras que incentivem comportamentos virtuosos.

Nós não precisamos de ética, do salvador da pátria que vai resolver as coisas. É o contrário. Precisamos entregar menos poder a ele. Não precisamos do homem forte, precisamos de paredes fortes que nos protejam do homem forte, ou seja, instituições e regras fortes.

Mas qual a expectativa para o resultado da eleição. Alguma renovação é possível?

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Vai ter menos renovação do que poderia ter. Mas em parte vai ter porque a população está indignada. A renovação por si só, no entanto, não vai resolver. Meu medo é que, como na Itália, mudem as caras mas não mude a dinâmica, lógica. Muda-se tudo para que nada mude. Não que seja intencional ou um complô, mas às vezes muda a superfície. Não me parece que vá mudar muito porque as regras não mudaram.

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