Em suas últimas semanas à frente do Supremo Tribunal Federal (STF), a presidente e ministra Cármen Lúcia colocou em votação nesta quarta-feira (8), junto aos demais integrantes da Corte, a proposta de reajuste no salário dos ministros para o ano de 2019.
Apesar de sua resistência pessoal, a proposta de elevar os rendimentos em 16,38% foi aprovada, por 7 votos a 4. Considerado o teto do funcionalismo público, a remuneração atual dos ministros do STF é de R$ 33.763,00 e pode subir para R$ 39.293,32.
O impacto estimado do reajuste é de R$ 2,77 milhões para o STF e um efeito cascata de R$ 717,1 milhões só para o Judiciário federal, nas três instâncias.
A Justiça dos Estados, o Ministério Público Federal, os ministérios públicos estaduais e os tribunais de contas também sofrem efeito cascata.
Se a proposta for aprovada, o reajuste será automático para membros da magistratura, já que por determinação legal têm os salários atrelados aos dos membros da Corte.
Já os procuradores e promotores do Ministério Público, e conselheiros de Tribunais de Contas ainda iriam depender da aprovação de leis específicas no Congresso, apresentadas pela chefia desses órgãos.
A decisão poderá implicar, para o Espírito Santo, um acréscimo anual de R$ 39,772.756,53 nos orçamentos do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), Ministério Público Estadual (MPES) e Tribunal de Contas do Estado (TCES), ao todo.
A proposta orçamentária do Supremo, com a inclusão do reajuste, ainda será encaminhada ao Ministério do Planejamento e precisa ser aprovada pelo Senado Federal e sancionada pelo presidente Michel Temer (MDB) para entrar em vigor.
PROJETO
A equipe técnica do STF, sob o comando de Cármen Lúcia, não havia incluído o aumento na proposta. A sugestão para inserir o percentual de 16,38% veio de Ricardo Lewandowski, já que um texto com este reajuste havia sido enviado ao Congresso em 2015, quando presidia o Supremo, chegou a ser aprovado pela Câmara, mas ficou parado no Senado Federal.
Segundo ele, magistrados aposentados e pensionistas vivem hoje em situação de penúria, pois perdem 40% de seu rendimento. "Quem vai decidir soberanamente é o Congresso Nacional, e ainda haverá o crivo do presidente da República, que poderá vetá-lo ou não."
Outro voto favorável foi o do ministro Dias Toffoli, que tomará posse como presidente, em setembro, para um mandato de dois anos. Ele declarou que a Corte cortará gastos do próprio orçamento.
"Isso tem de ficar muito claro. Não se está encaminhando para o Congresso um acréscimo no orçamento do Supremo, não se está tirando de saúde, educação, se está tirando das nossas despesas correntes, dos nossos custeios. É uma recomposição remuneratória parcial de 2009 a 2014", frisou Toffoli.
Também votaram a favor da inclusão do reajuste os ministros Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, que será vice-presidente na gestão Toffoli.
Os votos contrários foram os de Cármen Lúcia, Celso de Mello, Rosa Weber e Edson Fachin.
"A crise fiscal que afeta o Estado, a crise social que atinge milhões, a própria crise administrativa que tem levado à inoperância do Estado em matérias sensíveis como a saúde pública. Essas razões que me levam a ser contra", argumentou o decano Celso de Mello.
A proposta orçamentária do STF para o ano de 2019 é de R$ 741,4 milhões. Para acomodar o impacto orçamentário do reajuste, o STF prevê o remanejamento de recursos da área de comunicação institucional, atingindo a TV Justiça.
PRESSÃO
A sessão administrativa do STF que deliberou sobre o reajuste foi acompanhada por representantes das associações de classes dos magistrados.
O presidente da Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages), Ezequiel Turíbio, defendeu que esta seria apenas uma reposição inflacionária parcial.
Para o economista Gil Castello Branco, da Associação Contas Abertas, se aprovado, o reajuste virá em um momento inoportuno.
"Isso vai agravar ainda mais a situação fiscal, criar uma dificuldade grande para o novo presidente. Despesas com Previdência e com gastos com pessoal vão subir acentuadamente acima da inflação, e os gastos discricionários, como investimentos, que já vêm em patamar baixo, vão ter que sofrer cortes. E não adianta dizer que vão enxugar custos do próprio Judiciário, pois é inviável", analisa.
COMO FUNCIONA
A REMUNERAÇÃO
Valor
Os ministros do STF recebem um subsídio de R$ 33.763,00. Se o aumento de 16,38% for aprovado, poderá subir para R$ 39.293,32. Este valor é o teto do funcionalismo público.
Indenizações
Além do salário, os magistrados recebem verbas indenizatórias, que não se submetem a descontos por ultrapassar o teto. Entre os benefícios, o auxílio-moradia, de R$ 4,3 mil, auxílio-saúde, auxílio-alimentação, entre outros.
HISTÓRICO
2015
O último reajuste nos salários dos ministros do STF foi de 14,6%, em janeiro de 2015. Os salários passaram de R$ 29,4 mil para R$ 33,7 mil.
2016
Com Ricardo Lewandowski na presidência da Corte, foi apresentada uma proposta de reajuste de 16,38%. Ela foi aprovada na Câmara e na Comissão de Justiça do Senado, mas perdeu força.
2017
Com Cármen Lúcia na presidência, foi posta em votação uma proposta orçamentária sem a previsão de reajuste, aprovada com oito votos.
2018
Como a proposta orçamentária será executada ao longo da presidência do ministro Dias Toffoli, a partir de setembro, a maioria dos ministros aprovou o texto da gestão Lewandowski para 2019.
IMPACTOS
Vinculação
Pela Constituição, os desembargadores devem receber 90,25% da remuneração de ministro do Supremo. Por questão de paridade, também recebem este valor os procuradores de Justiça e conselheiros do Tribunal de Contas. Os salários deles passariam de R$ 30.471,11 para R$ 35.462,27.
Primeiro grau
Juízes e promotores recebem 95% do salário de um desembargador ou procurador. Hoje, no Estado, ganham R$ 28.947,55, valor, que pode ir para R$ 33.689,15. Os juízes e promotores substitutos passariam de R$ 27.500,17 para R$ 32.004,69.
Custo
Considerando os salários dos 339 membros do TJES, 292 membros do MPES e 13 do TCES, o impacto aos cofres do Estado seria de cerca de R$ 3 milhões.
Orçamento
Em um ano, considerando os 13 salários pagos a cada membro, há um impacto de R$ 39,77 milhões.
TRÂMITE
Aprovação
A proposta orçamentária deve ser enviada ao Congresso ainda este mês. Ela precisa ser aprovada e sancionada pela Presidência para entrar em vigor.
ANÁLISE
Reajuste salarial é inoportuno
Nem mesmo o fato de o Brasil estar mergulhado numa grave crise econômica desde 2014, com seguidos rombos nas contas públicas, sensibiliza os ministros do STF a não rever os próprios salários. A decisão de incluir na proposta orçamentária para 2019 um reajuste de 16,38% para a magistratura parece descolada da realidade do país. Num momento em que o brasileiro tem uma renda média mensal de R$ 2.198 e o desemprego atinge mais de 13 milhões, a medida é inoportuna. É colocar a venda nos olhos para não enxergar as dificuldades que a população enfrenta diariamente. A necessidade de haver uma recomposição salarial para cobrir perdas inflacionárias de 2009 a 2015 não se questiona. Mas há que se recordar que o auxílio-moradia de R$ 4,3 mil por mês, pago desde 2014 por decisão provisória, já foi admitido por juízes, como Sérgio Moro, como compensação pela falta de reajuste. Ao propor que seus vencimentos passem de R$ 33,7 mil para R$ 39,3 mil (fora os penduricalhos), os ministros deveriam, ao menos, esperar amenizar a angústia dos milhões de brasileiros que não têm auxílio algum. Muitas vezes, nem o do lento Judiciário.
* Samanta Nogueira, editora de Política de A Gazeta
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