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Tribunal de Contas libera tipo de contrato que foi alvo da Operação Derrama

Tribunal de Contas libera tipo de contrato que foi alvo da Operação Derrama

Decisão pode fazer com que processos relacionados à operação sejam arquivados no tribunal

Publicado em 20 de outubro de 2018 às 04:38

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O plenário do Tribunal de Contas do Estado (TCES), por maioria de votos, entendeu haver possibilidade jurídica de municípios e Estado contratarem empresa para prestação de serviço de recuperação de créditos tributários. Também considerou que essa contratação, em alguns casos, pode se dar até mesmo sem licitação.

O novo consenso se contrapõe ao atual. E foi a contratação de uma empresa de consultoria por prefeitura, para recuperação de tributos, que foi taxada de irregular em auditoria da área técnica do TCES e levou à Operação Derrama, em 2012 e 2013.

A decisão do tribunal, na última terça-feira (16), se deu no julgamento de um incidente de prejulgado instaurado ainda em 2016 por solicitação do conselheiro Rodrigo Chamoun. Ou seja, o membro do tribunal pediu para que os demais conselheiros analisassem, em tese, como a Corte deveria proceder diante de processos relacionados ao tema, já que havia uma orientação técnica de 1997 – considerada precária por técnicos do tribunal - que não vedava a prática.

O entendimento do plenário contrariou as opiniões da área técnica do tribunal e do Ministério Público de Contas. Ambos entendem que a recuperação de tributos e outros créditos, como de royalties de petróleo, envolve dados sigilosos, deve ser realizada por servidores concursados e não pode ser terceirizada.

Ainda em junho de 2017, o relator do processo, conselheiro Carlos Ranna, votou, acompanhando a área técnica e o MP de Contas, pela impossibilidade jurídica de terceirização da administração tributária.

"(Pela impossibilidade de contratação...) Por constituir terceirização de atividade típica e essencial da administração pública, a ser realizada por servidores efetivos, aprovados no respectivo concurso público, e em atenção à garantia constitucional do sigilo fiscal", frisou Ranna.

No mês seguinte, o conselheiro substituto Marco Antônio da Silva divergiu de Ranna e votou pela possibilidade da terceirização. Na última terça, o processo voltou à pauta e os demais conselheiros acompanharam Marco Antônio.

"Tais serviços não se encontram dentro das competências exclusivas da administração pública, cabendo a elaboração de estudos e pesquisas de maneira prévia à realização da contratação, para que, com fundamentos em tais elementos, possa ser verificada a possibilidade de contratação direta por inexigibilidade ou a necessidade de seguir o regular procedimento licitatório", afirmou Marco Antônio, no voto.

O acórdão da decisão ainda não foi publicado. A reportagem teve acesso a um esboço dele, que reproduz a íntegra das argumentações de Marco Antônio.

IMPACTOS

A decisão no incidente de prejulgado não é capaz de enviar automaticamente para o arquivo os processos relacionados à contratação de empresas para recuperação de créditos que tramitam no Tribunal de Contas. A aplicação do novo entendimento se dará caso a caso. Mesmo assim, segundo fontes ouvidas pela reportagem, criou-se o ambiente para que os processos sejam arquivados, um a um.

Desde que a questão foi levantada por Rodrigo Chamoun, casos relacionados à Operação Derrama e à Operação Camaro estão sobrestados (suspensos) no tribunal.

O novo entendimento também não afeta automaticamente ações penais oferecidas à Justiça pelo Ministério Público Estadual. Isso porque, embora determinado tipo de contratação seja lícito, pode ter havido outros crimes na celebração do contrato, como direcionamento ou superfaturamento, por exemplo. No entanto, de acordo com fontes interessadas em alguns desses processos, é possível que a nova opinião do TCES seja usada para reforçar argumentos pró-investigados ou acusados em casos similares.

Procurado, o Ministério Público Estadual não se manifestou nesta sexta-feira (19).

A Operação Derrama ocorreu após uma auditoria da área técnica do TCES apontar irregularidades na forma como a Prefeitura de Aracruz contratou a empresa CMS para consultoria na recuperação de créditos. Segundo fontes, se o entendimento novo prevalesse desde então, os técnicos não poderiam considerar a descoberta como irregularidade.

Na época, oito municípios foram alvo da operação deflagrada pela Polícia Civil. Apenas em Aracruz as investigações renderam uma ação penal na Justiça. Nos demais, foram arquivadas.

O advogado dos responsáveis pela empresa CMS - principal alvo da Derrama –, Davi Pascoal Miranda afirmou que ainda não conhece a íntegra da decisão do Tribunal de Contas e, por isso, não comentaria o caso.

REPERCUSSÃO

O Fórum das Carreiras Típicas de Estado (Focates) foi admitido no processo do incidente, no TCES, como parte interessada. No início da tramitação, Marcos Fardim presidia a entidade. Ele avalia que o novo entendimento fere a Constituição, incentiva gastos desnecessários por parte do poder público e ameça que o trabalho da Derrama corra "grande risco de ser jogado no lixo".

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"A decisão se deu no âmbito do Processo TC nº 7156/2012, que se originou de representação em face da Prefeitura de Marataízes, objetivando apurar supostas ilegalidades, decorrentes de contratação de assessorias/consultorias para recuperação de créditos, por meio de inexigibilidade de licitação, com cláusula contratual estipulando o pagamento por êxito. Contudo, a questão não se limita a Marataízes, pois, após essa decisão, o Tribunal de Contas tende a aceitar diversas contratações similares feitas por outras prefeituras, assim como se espera uma explosão de gastos em função de novas contratações que passarão a ser feitas no futuro. Usando Vitória como exemplo, 2012 foi o último ano no qual a prefeitura contratou um serviço de auditoria fiscal/tributária para análise das declarações de obrigações tributárias (DOTs), necessárias à apuração do índice de participação do município de Vitória no produto da arrecadação do ICMS. Naquele ano, a prefeitura gastou R$ 200 mil com esse serviço. Em 2013, por pressão do Ministério Público de Contas, Vitória deixou de fazer esse tipo de contratação e passou a utilizar a mão de obra disponível dentro da própria prefeitura. Assim, de lá para cá, economizou-se, no mínimo, R$ 1,2 milhão. Mas, agora, com essa decisão, a Prefeitura de Vitória pode voltar a realizar essas contratações. Imagina isso multiplicado por todas as 78 prefeituras do Estado", afirmou.

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