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Para virar ministro, Moro vai pedir exoneração e perder estabilidade

Para virar ministro, Moro vai pedir exoneração e perder estabilidade

Magistrado que vai comandar o superministério da Justiça está de férias e só deve pedir sua saída em definitivo do Judiciário às vésperas da posse

Publicado em 12 de novembro de 2018 às 22:44

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O juiz federal Sérgio Moro vai assumir o Ministério da Justiça. (Valter Campanato/ABR)

Após o juiz federal Sérgio Moro, peça-chave da Operação Lava Jato, anunciar que vai integrar o governo de Jair Bolsonaro (PSL) como ministro da Justiça, algumas dúvidas, e críticas, surgiram em relação à conduta do magistrado. Na semana passada, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que Moro preste informações sobre este período em que ainda permanece na carreira, em férias, e em contato com a equipe do presidente eleito.

A Constituição e a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) determinam que os magistrados são proibidos de exercer atividade político-partidária e a única função que podem acumular é a de professor. Assim, para ocupar um lugar na Esplanada dos Ministérios, Moro terá que pedir exoneração, deixando para trás os vínculos com a magistratura. O que tem causado polêmica é o momento em que essa exoneração deve ocorrer. Para os críticos, isso, na verdade, já deveria ter acontecido, e foi o que motivou o acionamento do CNJ. Para outros, o juiz age com transparência e não exerce nenhuma atividade político-partidária.

O fato é que, mais cedo ou mais tarde, Moro será um ex-juiz. O novo governo começa em 1º de janeiro. O subsídio de um juiz federal é de R$ 28.947,55. Há, ainda, com algumas vantagens, como auxílio-moradia e auxílio-alimentação.

O Portal da Transparência da Justiça Federal da 4ª Região mostra que, em outubro, somando R$ 5.287,81 em indenizações, que são auxílios como os já mencionados, o total de rendimentos de Moro foi de R$ 34.235,36. Com os descontos de Imposto de Renda e Previdência, o valor líquido foi de R$ 24,9 mil.

A partir de janeiro, os salários dos magistrados devem aumentar – se o presidente Michel Temer (MDB) sancionar proposta de reajuste aprovada pelo Senado – e o subsídio de um juiz federal vai passar para R$ 33,6 mil. Mas como Moro já terá deixado a carreira, não contará com a nova cifra e tampouco com as outras vantagens da carreira, como a estabilidade e a inamovibilidade.

O cargo de ministro do governo federal garante um subsídio de R$ 30.934,70 (brutos). É um cargo de confiança, de livre nomeação e exoneração. E, se deixar o governo, Moro não poderá voltar a ser juiz. A não ser que fosse aprovado em um novo concurso público, começando da base.

"Após a exoneração, ele fica sem nenhum vínculo com a magistratura. Ele está abrindo mão de todos os benefícios da magistratura. E não tem retorno", destaca o advogado Fábio Medina Osório, ex-ministro da Advocacia-Geral da União (AGU) e doutor em Direito Administrativo. Ele lembra que não é necessária nenhuma quarentena, nenhum intervalo de tempo a ser aguardado, para sair de um cargo e ocupar o outro, neste caso.

Para Medina Osório, não há problema em Moro estar em férias e não ter pedido ainda a exoneração. "Ao tirar férias, ao informar publicamente suas intenções, ao firmar sua imparcialidade, independência e transparência, ele atuou corretamente. E não passou a exercer nenhuma atividade político-partidária", afirma.

O questionamento a ser feito é que Moro tem mantido contato com a equipe que vai compor o novo governo e esteve pessoalmente com Bolsonaro. "Isso não é atividade político-partidária. Juízes e membros do Ministério Público às vezes mantêm contatos com a classe política e nem por isso exercem atividade político-partidária. Até mesmo o fazem para aprovação de leis em benefício da corporação, o que não foi o caso do Sérgio Moro", pontua Medina Osório, que também é advogado da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

PRECEDENTE RUIM

Já para o advogado, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito Lenio Luiz Streck, o juiz deveria ter pedido exoneração no dia em que se encontrou com Bolsonaro e aceitou o convite para assumir a pasta.

"Quando o juiz vai conversar sobre um assunto político, ele só poderia fazê-lo na qualidade de não juiz. Ao juiz é vedada qualquer prática política. Quando ele foi conversar com o presidente eleito, ele já sabia que seria ministro. No dia seguinte, no máximo, deveria se exonerar. A partir dali não dá para misturar as duas figuras. Isso está na Constituição, na Loman, no Código de Ética", afirma.

Lembrado que o próprio Moro declarou, em entrevista ao Fantástico, no último domingo (11), que considera que o cargo de ministro da Justiça é técnico e não político, Streck rebateu: "Não tem sentido. É um cargo político porque é contratado e demitido como cargo de confiança. Todo cargo de confiança é político".

"Um juiz não pode ser dono de uma empresa, porque é proibido. Mas nas férias pode? Nas férias não pode fazer nada que não pode fazer no trabalho, a não ser passear", complementa.

Para ele, a conduta do magistrado abre um precedente ruim para outros membros da magistratura e do Ministério Público. "Qualquer juiz do Espírito Santo, por exemplo, que receber um convite para ser secretário e tiver três meses de férias para tirar, fica nesse período pensando se vai aceitar, aceita, começa a montar o secretariado e só depois pede a exoneração. Não tenho nada contra o Moro, pessoalmente, mas isso gera desgaste para o Poder Judiciário", diz, ainda, Streck.

Quanto ao pedido de providências instaurado pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, para que Moro apresente informações em 15 dias, o próprio Streck avalia que "não vai resultar em nada": "Se fosse para instaurar um PAD (Processo Administrativo Disciplinar) levaria uns quatro meses. Até lá, ele já terá pedido exoneração e o procedimento terá perdido o objeto". Já Medina Osório considera pedido de providências algo apenas protocolar.

Na entrevista ao Fantástico, Moro disse que não pede exoneração desde já porque teme pela segurança da família. "Estou recebendo diversas ameaças. Vamos supor que eu peça exoneração e daqui a alguns dias acontece alguma coisa, um atentado comigo, e eu, tudo bem, morro lá, faz parte da profissão. Não gostaria, evidentemente, mas a minha família fica desamparada, fica sem qualquer pensão", afirmou.

PRAZO

Não há um prazo exato para que a exoneração ocorra. Levando em conta que a posse no ministério deve ocorrer no dia 1º de janeiro, no entanto, é possível que o desligamento ocorra poucos dias antes. Ou até na mesma data, com publicação posterior, referente àquele dia. "Imagino que, por conta até da polêmica, ele peça a exoneração uns quatro, cinco dias antes, para que seja publicada no Diário Oficial antes da posse", avalia Streck.

EXPERIÊNCIA

Henrique Herkenhoff percorreu um caminho similar ao que Moro escolhe agora. Até 2011, ele era desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Naquele ano, pediu exoneração do cargo e assumiu a Secretaria de Estado da Segurança Pública, no Espírito Santo. Na pasta, ficou por dois anos e três meses, no governo de Renato Casagrande (PSB).

Herkenhoff avalia que a ida do juiz federal para o Ministério da Justiça é positiva:

"Ao entregar o Ministério da Justiça a um ex-juiz, Bolsonaro está dando uma declaração evidente de que não pretende desrespeitar os direitos humanos no combate ao crime. Porque ele não vai poder pedir isso ao Moro. E havia uma preocupação que ele entregasse a pasta a alguém com um viés policialesco, que foi o discurso original dele. Com a nomeação do Moro, ele deixa claro que quer ter um governo civil, não policial".

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Já quanto à polêmica da exoneração/não exoneração, o hoje advogado diz que não seria necessário um procedimento antecipado. "No dia que se toma posse como ministro, comunica-se ao presidente do tribunal, é o correto. O fato de ele estar se planejando e conversando com as pessoas não constitui o exercício do cargo em si. Não está ministro, está só discutidinho as coisas", destaca o ex-desembargador.

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