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'Tudo que um presidente da República faz, é um ato político'

"Tudo que um presidente da República faz, é um ato político"

Palestrante do 13º Encontro de Lideranças da Rede Gazeta, que começa na sexta-feira, avalia as escolhas de ministros feitas por Bolsonaro, o saldo do governo Temer e a relação da União com Estados

Publicado em 18 de novembro de 2018 às 00:41

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Carlos Melo. (Divulgação)

O Brasil vive um período complexo. Após uma eleição extremamente polarizada, o país precisa se unir, realizar reformas políticas e econômicas, além de enfrentar os desafios da segurança pública. Em meio a esse cenário, está um novo presidente eleito escolhendo sua equipe de governo e que precisará se aproximar do Legislativo para aprovar as medidas essenciais para o país voltar a crescer.

É o que aponta Carlos Melo, articulista de política brasileira, analista em política há 20 anos, doutor em Ciências Sociais e Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e um dos palestrantes do 13º Encontro de Lideranças Empresariais, que será promovido pela Rede Gazeta nos dias 23 a 25 de novembro em Pedra Azul, Domingos Martins.

Nesta entrevista, Melo ainda avalia o cenário político e suas influências na economia do país e comenta as escolhas de ministros feitas por Bolsonaro, o cumprimento da agenda do governo Temer e a relação da União com Estados.

Como o senhor analisa a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência?

Temos vários aspectos que devemos levar em consideração para fazer essa análise. Entre eles estão o social, o econômico e o político. Do ponto de vista social, o país está sofrendo muito. Você tem uma crise na segurança pública, o que é uma coisa muito séria, com vários Estados em alerta e as pessoas tendo medo de andar nas ruas. De certa forma, pelo menos de início, isso deu viabilidade eleitoral a Bolsonaro, que, talvez, foi o primeiro candidato que tenha lançado mão a essa bandeira. Se foi de uma forma certa ou errada é outra história.

O que vem a ser o aspecto político?

Do ponto de vista político temos um país que saiu dividido das urnas e onde as pessoas estão de muito mau humor. Parece que existem hoje no Brasil pelo menos dois lados que não se ouvem e que falam muito. Também há uma má vontade muito grande por parte das pessoas, o que se transforma em uma incapacidade de sentar em torno da mesma mesa e construir um pacto. Esse é um problema muito sério, porque o país depende de que haja acordos para resolver com qualidade as questões econômicas e sociais que está vivendo.

E quanto às questões econômicas. Quais são elas?

O país está em crise há pelo menos três anos. Você tem um índice de desemprego muito elevado e alguns Estados quebrados, o Espírito Santo é uma exceção. Vários Estados com grande eleitorado, e importantes, como o Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, se encontram em uma situação difícil e recorrendo à União.

Além de reajustar a máquina, a União precisa partir para uma agenda mais ambiciosa, que é a agenda da produtividade.

Hoje a iniciativa privada, muitas vezes, não consegue definir os seus projetos devido às incertezas sobre o mercado. Precisamos criar uma fuga para o futuro. 

A Previdência deve ser a pauta principal para o próximo governo?

O Brasil já sabe quais são os seus problemas econômicos mais sérios e tem uma consciência da grande questão fiscal em que se encontra. Entre os problemas está o da Previdência que se dá em razão de uma série de fatores.

Houve uma mudança brusca no modo de trabalho e no perfil demográfico do brasileiro. O amparo ao trabalhador na sua velhice – que é justo, importante e inevitável – começou a demandar muito recurso da União e dos Estados e isso precisa ser resolvido com urgência. A meu ver já deveria ser votado agora, antes da posse do novo governo, porém mais uma vez esse sentido de urgência de uma pauta está ficando para trás. Se fosse apenas por uma questão de necessidade e de entendimento a reforma já teria saído, mas ela também é uma questão política.

Como será a relação do presidente eleito com o Legislativo? Ele terá força política suficiente para fazer tramitar as reformas que o país precisa (previdenciária e fiscal)?

Infelizmente a relação entre Executivo e Legislativo no Brasil sempre foi muito complicada e problemática, além de ser baseada em uma relação fisiológica na base do “toma lá, dá cá”. O presidente eleito durante toda campanha prometeu que não faria isso, que constituiria uma nova maioria em outros termos, sem trocas, o que não é simples nem fácil.

As pessoas podem argumentar que houve uma renovação na Câmara na ordem de 52%, mas a mentalidade não muda simplesmente com a renovação dos nomes. É necessário estabelecer um novo relacionamento que precisa se dar de maneira pública, onde os atores sejam expostos em relação aos seus interesses, se vota ou não vota e porque a escolha.

Agora, se o presidente eleito conseguirá fazer isso é uma grande incógnita e qualquer resposta, sendo sim ou não, vai ter um elemento de torcida muito grande, contra ou a favor. Nós infelizmente vamos ter que esperar, torcer e, quando possível, agir para que as coisas ocorram. Nada está dado ou definido na política brasileira, porque vivemos um momento de intenso conflito que fere interesses e que torna o ambiente político um ambiente muito instável, volátil e incerto.

Como o senhor avalia a composição do gabinete de ministros que Bolsonaro está realizando?

A prova do pudim é experimentá-lo. Ninguém pode falar se é bom antes de provar. Essas pessoas que estão sendo escolhidas ainda não foram testadas, então não dá para dizer se são ótimas ou péssimas. Elas terão que se mostrar capazes no caminho. Do ponto de vista técnico, vários deles são respeitados, como por exemplo Paulo Guedes (indicado a Ministro da Economia).

A lógica do Estado brasileiro é muito peculiar e muito diferente da vida de uma empresa. É necessário entendê-la, pois nem tudo aquilo que é possível fazer na iniciativa privada é viável na União. Às vezes, o sujeito quer tomar iniciativas e aprovar medidas, mas é necessário ter negociação entre os Poderes. Esse grupo de ministros vai ter que se adaptar rapidamente e ser criativo em relação à realidade do país. Vai ter que mostrar que é boa, pois diante de qualquer novo governo, há uma alternância de poder e um grupo novo.

O senhor acredita que o convite ao juiz federal Sérgio Moro para compor o gabinete de Bolsonaro como ministro da Justiça é um ato político do presidente eleito, em busca de apoio da população?

Tudo o que um presidente da República faz, seja ele qual for, é um ato político. O presidente é o cargo político mais alto do país em toda a sua lógica e forma. Existe na indicação de Sérgio Moro dois pontos a serem analisados.

Ao convidar Sérgio Moro, Bolsonaro tenta trazer o prestígio do juiz para agir sobre áreas que são fundamentais em meio a essa conjuntura que nós vivemos. Se der certo, é claro que isso favorece o presidente e aumenta a popularidade do governo, caso contrário a gente cai no campo de uma revisão, onde vamos ter que discutir novamente sobre segurança.

Dessa forma, a princípio, o fato do Moro ser uma figura que conquistou credibilidade e ser respeitada por grande parte do eleitorado traz apoio e prestígio para o novo governo. Por outro lado, o Brasil, no campo da Justiça e da segurança pública, vive um momento difícil e o novo ministro agregará a sua pasta também a tutela sobre a segurança pública.

Vivemos também um grande problema no país que é a corrupção, onde muita gente já foi presa e ainda estamos longe de imaginar que o ambiente esteja sanado. A cargo do novo ministro estará uma série de medidas a serem tomadas para combater a corrupção. As cartas estão sobre a mesa, foi assim que ele organizou. Agora vamos ter que esperar.

Como deve ser a relação entre o presidente eleito com os Estados?

A relação tem que ser republicana. O fato de alguns governadores eleitos terem apoiado ou não Bolsonaro tem que ser deixado de lado já que a eleição acabou. O governo federal é de todos os Estados, não importa se um governador tal apoiou o presidente eleito ou o adversário. Temos que acabar com essa história de que um presidente X favorece um governador X porque é do mesmo partido. Isso tem que ser mudado no Brasil e espera-se que o governo novo traga essa novidade.

Qual é a maior questão da União com os Estados?

A questão é se será possível atender aos Estados e se haverá vontade e recursos. O Brasil precisa de dinheiro em caixa e para isso precisa passar por uma racionalização das suas despesas, algumas precisarão ser cortadas. A Previdência que é um problema sério nos Estados e na União vai ter que ser reformada por conta do esgotamento a que se chegou. Por outro lado, isso tudo pode despertar o espírito empreendedor de investidores e a economia voltar a crescer junto com essas reformas. Com isso, haverá investimentos e aumento na arrecadação de impostos e consequentemente da receita.

O aumento da arrecadação fiscal da União é uma saída contra a crise para resolver o problema do déficit fiscal?

O aumento da arrecadação é sempre bom. Mas para isso acontecer é preciso criar condições para que o investidor invista, para que haja emprego e para que a economia gire. Também será preciso um governo que gaste melhor e com mais eficiência e que ajude de uma forma mais completa e positiva os setores da economia para que haja arrecadação. Imaginar que a gente sairá dessa situação só com o aumento da arrecadação é ótimo, mas também é ingênuo. Nós vamos ter ainda que discutir o tamanho do Estado para ver se é necessário ter isso tudo mesmo. Resolvendo isso poderemos começar um ciclo virtuoso.

O governo Temer conseguiu fazer a agenda “básica da economia”?

Ele conseguiu fazer a agenda, mas não conseguiu implementá-la. Durante esse governo, ocorreram avanços importantes no Ministério da Fazenda, no Tesouro Nacional e no Banco Central. O governo Temer também foi muito exitoso na elaboração de uma agenda na área econômica. Ele chegou, compreendeu o problema, fez um diagnóstico sobre vários aspectos – a meu juízo correto – e elaborou uma agenda, macro e micro, mesmo assim, ressalto que a elaboração dessa agenda por si só não significa tudo. Ela precisa ser aprovada politicamente e ser implementada.

Ainda há um longo caminho pela frente. Acho que não é o caso de inventar uma outra agenda. A questão agora é aprovar a existente.

O que esperar da política em 2019?

Agora começa um novo ciclo, mas a questão é se ele vai ser positivo ou não. O ano de 2014, quando a crise começou, está superado. Você tem outros atores, concepção, equipe e um Brasil diferente. Os finalistas de 2014, Dilma Rousseff e Aécio Neves, simplesmente foram eliminados do cenário político, o que mostra que a importância deles evaporou.

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Inicia-se uma nova fase e agora todos estamos torcendo para que seja virtuosa, mas primeiro a história acontece para a gente analisar. Qualquer afirmação é resultado de um desejo e nas análises políticas não podemos trabalhar com desejos, pois devemos levar em conta fatos, dados, indícios, elementos mais completos.

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