Não diferentemente de outros países com eleições acirradas, teorias conspiratórias e discursos de ódio inundaram as redes sociais durante o pleito no Brasil. A diferença, por aqui, foi o peso da comunicação via WhatsApp e a impossibilidade de monitorar autores, origens e o impacto da desinformação neste aplicativo de mensagens.
O destaque foi feita pela pesquisadora Claire Wardle, líder do First Draft, entidade que incubou o projeto Comprova, coalizão formada por 24 veículos de comunicação do país para combater a desinformação na internet durante o período eleitoral. A Rede Gazeta, por meio do Gazeta Online, foi um dos membros da coalizão.
Claire está no Brasil para eventos que marcam o encerramento do projeto, cujos resultados são considerados por ela inspiradores e referenciais para iniciativas semelhantes em outros países do mundo. Nesta sexta-feira (23), ela fez uma palestra na FAAP, em São Paulo.
"Nos Estados Unidos, tínhamos espaços anônimos (com conteúdos falsos), como o 4chan. Mas eles podem ser monitorados. Não foi assim no Brasil. Aqui, o WhatsApp é o principal e não tem como fazer esse monitoramento. Os discursos de ódio, as guerras culturais, as teorias da conspiração foram parecidos nos dois países, mas as tecnologias e plataformas foram diferentes", comentou.
Apesar do peso da tecnologia na disseminação de conteúdo falso, a pesquisadora destaca que o problema não se restringe a questões tecnológicas. Há transformações sociais em curso no mundo que precisam ser compreendidas e analisadas como parte do problema.
Tópicos como imigração, desemprego e corrupção têm feito sociedades sentirem medo e cansaço. Além disso, as sociedades estão mais divididas do que nunca em aspectos sociais, econômicos, culturais e religiosos. Esses fatores, somados, acabam criando um campo fértil para a desinformação.
"As pessoas, globalmente, estão enfadadas com as instituições políticas. Por isso, vimos candidatos como Trump e Bolsonaro surgindo. Na Austrália, tiveram cinco primeiros ministros em cinco anos. Quando as pessoas têm medo e estão inseguras, estão muito mais vulneráveis a mensagens emocionais. E a desinformação é uma mensagem emocional. As sociedades se tornam mais tribais, vira um nós versus eles. Precisamos reconhecer o poder da desinformação nesta divisão das pessoas", destacou.
Claire também pontuou que o fenômeno da desinformação na internet leva aos jornalistas profissionais a necessidade de entender como se dão as comunicações nas redes sociais. É tempo, segundo ela, de compreender que a rede, a comunicação de "um para um" acaba sendo mais eficaz do que apenas lançar informações para grandes públicos.
MENTIRA SEDUZ
Editor-executivo do Comprova, Sérgio Lüdtke chamou a atenção para a sofisticação dos rumores desmentidos pelo Comprova. O projeto não atacou apenas mentiras "grosseiras", mas também dados verdadeiros retirados de contexto para enganar a audiência.
"Temos que aprender como lidar, criar narrativas mais atraentes, porque a mentira é sempre sexy e a verdade é limitada aos fatos. Me chamou a atenção a variedade de formatos de desinformação, com sofisticação. E às vezes era sofisticada pela complexidade, às vezes por fatos verdadeiros usados fora de contexto e até pela simplicidade", ponderou.
Para o presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e porta-voz do Comprova, Daniel Bramatti, uma das narrativas que mais geraram preocupação foi a que pretendia colocar em xeque a lisura do processo eleitoral e sugerir fraude no pleito.
"Lamentavelmente, não temos dados suficientes para analisar o papel da desinformação nessa eleição. Mas houve impacto. Sabemos que foi significativo. Vejo com estranheza o Tribunal Superior Eleitoral falar que fake news, como eles chamam, não foi problema. Foi problema, tanto é que tivemos muito trabalho. Há ainda os elementos que são invisíveis, subterrâneos, e não conseguimos ver", frisou.
Diversos desmentidos sobre o tema foram publicados pelo Comprova. Um dos principais foi a explicação sobre um vídeo viral de um suposto especialista afirmando que um modelo matemático foi capaz de apontar fraude na eleição de 2014 e que o mesmo modelo seria aplicado ao pleito de 2018. A checagem do Comprova mostrou que o material era enganoso.
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